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Desafio colaborativo impulsiona uso da inteligência artificial nas redações da América Latina

Meios de comunicação jornalísticos da América Latina tiveram uma participação destacada na  iniciativa global Collab Challenges 2021, na qual desenvolveram projetos colaborativos baseados em inteligência artificial que estão contribuindo para disseminar conhecimento sobre essa tecnologia em suas redações e na região.

Collab Challenges foi um experimento que reuniu organizações de notícias de todo o mundo para explorar soluções inovadoras para melhorar o jornalismo por meio do uso de tecnologias de inteligência artificial. Foi organizado pela JournalismAI, iniciativa que promove o uso de inteligência artificial em redações desenvolvida pelo Polis, think tank de jornalismo da London School of Economics and Political Science, e apoiada pela Google News Initiative.

La Nación (Argentina), Data Crítica (México), AzMina (Brasil), Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística (CLIP, Costa Rica) e Ojo Público (Peru) foram os veículos latino-americanos que fizeram parte da equipe das Américas do Collab Challenges 2021, em que MuckRock e Bloomberg News (Estados Unidos) também estiveram presentes.

Jornalistas das Américas falaram sobre os projetos que desenvolveram durante o Collab Challenges 2021 no JournalismAI Festival. (Foto: Captura de tela do streaming no YouTube)

Jornalistas do continente americano falaram no JournalismAI Festival sobre os projetos que desenvolveram durante o Collab Challenges 2021. (Foto: captura de tela da transmissão do YouTube)

 

 

Subdivididos em três equipes, os veículos das Américas desenvolveram três projetos: DockIns, uma  plataforma de machine learning para entender e processar grandes quantidades de documentos; o Monitor do Discurso Político Misógino (PMDM, na sigla em inglês), aplicativo e API (interface de programação de aplicativos) que detecta discursos de ódio contra mulheres na internet em espanhol e em português; e From Above, um guia técnico sobre como usar a inteligência artificial para identificar histórias em potencial em imagens de satélite.

Esses projetos demonstraram que há um importante desenvolvimento da inteligência artificial na mídia latino-americana, embora os jornalistas ainda precisem levar a conversa sobre essas tecnologias à gestão do veículo para que sejam adotadas como parte dos processos habituais das redações.

De acordo com os organizadores da iniciativa, “iniciar uma conversa e colaborar dentro da redação ajuda bastante a tirar a IA daquela pequena bolha que diz que é algo normalmente usado apenas por cientistas de dados ou desenvolvedores dos meios, mas que precisa ser mais amplamente difundida na cultura da redação”, disse à LatAm Journalism Review (LJR) Sabrina Argoub, que serviu como ponto de contato entre a equipe das Américas e o JournalismAI. “Ficamos muito felizes no Collab Challenges por ter tantas redações latino-americanas envolvidas no ano passado.”

Entre as principais lições aprendidas pelos representantes dos veículos da América Latina, destaca-se o quanto a cultura e a linguagem influenciam o uso de ferramentas baseadas em inteligência artificial para o jornalismo.

“Em projetos como o Monitor do Discurso Político Misógino, muito trabalho teve que ser feito para entender o que certas palavras significavam em um país específico, em um contexto específico. Foi muito interessante, mas também um obstáculo, porque quando você trabalha com inteligência artificial, precisa ensinar um algoritmo a reconhecer certas coisas que mesmo nós, humanos, temos dificuldade de concordar sobre um significado”, disse Argoub. "Tanto o Monitor quanto o DockIns foram fortemente influenciados pela cultura e pelo idioma."

Por exemplo, a equipe por trás do Monitor do Discurso Político Misógino descobriu que, quando se fala de mulheres negras, são usados ​​termos que poderiam ser interpretados como misóginos ou racistas em outros países, mas no Brasil são palavras cotidianas e inofensivas.

Da mesma forma, os criadores do DockIns descobriram que o processamento de linguagem natural (NLP, na sigla em inglês) não é tão eficaz e poderoso com conteúdos em espanhol e em português quanto em inglês.

Cada uma das equipes regionais focou seus projetos em uma área específica do jornalismo. A equipe das Américas se concentrou no jornalismo investigativo e em como as ferramentas de inteligência artificial podem fortalecê-lo.

Mago Torres —especialista em jornalismo investigativo, jornalismo de dados e projetos colaborativos, e que atuou como gerente de projetos do time das Américas— disse que os projetos desse grupo se concentravam em desenvolver formas de tornar os processos dos jornalistas mais automáticos e escaláveis.

“Cada um dos projetos, em seus diferentes temas, está focado nisso, em como coletamos e processamos informações que nos ajudam a entender melhor os fenômenos e eventos que estamos investigando”, disse Torres à LJR . "Mas as práticas de jornalismo investigativo não são substituídas, porque mesmo que tenhamos o algoritmo mais sofisticado, se não soubermos o que perguntar, de que adianta isso?"

Torres ajudou a facilitar o processo de colaboração e experimentação entre as subequipes das Américas. A sua função de gestor de projetos só foi introduzida na edição 2021 do Collab Challenges, assim como os dos aliados regionais, organizações que apoiavam as equipes com mentoria e recursos técnicos. No caso das Américas, o parceiro regional foi o Knight Lab da Northwestern University.

A divisão dos veículos participantes por áreas geográficas ajudou a facilitar a comunicação e o trabalho de acordo com os fusos horários e encontrar desafios e necessidades comuns entre as redações de cada região.

Torres e o Knight Lab também participaram junto com a equipe de JournalismAI e Polis no processo de seleção dos veículos participantes. Um dos critérios que eles consideraram foi que as organizações candidatas já tinham alguma abordagem de inteligência artificial. Os organizadores ficaram intrigados com a experiência que alguns meios de comunicação latino-americanos acumularam em torno dessas tecnologias nos últimos anos.

“Na América Latina existem muitas organizações que trabalham com dados, inteligência artificial e algoritmos. Foi uma descoberta interessante para mim, que trabalhei de perto com a equipe latino-americana, conhecer essas organizações talvez menores e a forma como elas decidem trabalhar com inteligência artificial”, disse Argoub.

Para o JournalismAI era importante que houvesse um equilíbrio no nível de experiência e conhecimento sobre inteligência artificial entre os membros de cada equipe. Por isso, no início do programa, os participantes de cada veículo foram convidados a propor individualmente os temas e problemas que desejavam abordar, bem como ideias de projetos para atacar esses problemas.

No caso das Américas, foram selecionados três temas dentre as propostas, que foram apresentadas aos participantes para que pudessem escolher em qual gostariam de trabalhar. Os participantes puderam decidir se trabalhariam com seus pares na mesma subequipe ou se dividiriam em dois ou mais projetos.

Dessa forma, por exemplo, os participantes da AzMina trabalharam juntos no Monitor do Discurso Político Misógino; alguns membros do Data Crítica trabalharam no DockIns e outros no From Above, enquanto o La Nación teve representantes nos três projetos.

“A parte colaborativa desses tipos de projetos realmente ajudou a equilibrar as diferenças na preparação. Dedicamos tempo para entender o conhecimento de cada pessoa, não de seus veículos”, disse Argoub. “Quando eles formaram suas equipes e decidiram em quais projetos trabalhar, vimos que o equilíbrio já estava lá, porque todos decidiram se agrupar de maneiras diferentes. Isso realmente ajudou a equilibrar as diferenças que existiam entre os meios.”

No final de 2021, os projetos de todas as equipes do Collab Challenges foram apresentados na segunda edição do JournalismAI Festival, evento organizado pelo Polis no qual são apresentadas conversas e estudos de caso sobre a interseção entre jornalismo e inteligência artificial. A equipe das Américas discutiu seus resultados durante um painel sobre como a análise automatizada de documentos, imagens e linguagem pode ser colocada a serviço do jornalismo investigativo.

Os membros de cada um dos três projetos falaram sobre diferentes formas de aplicar e continuar desenvolvendo as ferramentas construídas ao longo do Collab Challenges, bem como as possibilidades de colaborar entre si para novos desenvolvimentos de inteligência artificial.

“Estar em colaborações é também conhecer pessoas com quem você pode trabalhar no futuro e que cada projeto está gerando semente ou já veio de outra semente, mas continuar crescendo mesmo que seja em direções não especificamente conectadas com a ideia inicial”, disse Torres. “Conversar e trabalhar com colegas que têm experiências tão diferentes para encontrar um terreno comum me parece uma das partes mais valiosas.”

Dez jornalistas e dez profissionais técnicos de mídia participarão do JournalismAI Fellowship Program durante 2022.

Dez jornalistas e dez profissionais técnicos de meios de comunicação participarão do JournalismAI Fellowship Programme durante 2022. (Foto: Cortesia)

 

 

O desafio evolui

Com base nas experiências das edições de 2020 e 2021, o Collab Challenges deste ano tornou-se o AI Fellowship Programme, novamente organizado pela equipe Polis JournalismAI e financiado pela Google News Initiative.

Em 7 de abril, o JournalismAI anunciou que, para este ano, escolherão outros 20 profissionais de mídia das regiões da Europa, Ásia-Pacífico e Américas que tenham experiência em inteligência artificial para desenvolver projetos que ajudem a potencializar os alcances do jornalismo.

Mas, diferentemente do Collab Challenges, o novo programa vai selecionar dois participantes de cada meio, um da área editorial e outro de uma área técnica da organização. Cada par irá colaborar com outro par de um meio diferente para formar uma equipe de quatro e trabalhar juntos no mesmo projeto. Dessa forma, espera-se formar cinco equipes de quatro membros cada, compostas por repórteres, editores e pesquisadores, além de desenvolvedores, web designers e programadores de organizações jornalísticas.

Cada equipe receberá apoio financeiro, além de orientação e treinamento de especialistas da comunidade JournalismAI. Os interessados ​​no programa, que vai de junho a dezembro de 2022, devem se inscrever até 17 de maio.

“O JournalismAI Fellowship Program busca produzir soluções inovadoras que possam inspirar e ajudar outras pessoas do setor que desejam realizar projetos semelhantes. Por esse motivo, consideramos favoravelmente propostas de projetos que possam dimensionar e incentivar os participantes a compartilhar não apenas seu produto final, mas principalmente seus aprendizados, metodologias e obstáculos encontrados ao longo do caminho e considerações éticas”, anunciaram o JournalismAI e a Google News Initiative.

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