A importância de um jornalismo livre, independente e baseado em fatos para o vigor das democracias é amplamente reconhecida por organizações e especialistas em direitos humanos. Há anos esses mesmos especialistase jornalistas vêm alertando a respeito de graves consequências da desinformação para o jornalismo — e, por consequência, para a democracia.
A rede de checagem Latam Chequea afirma que o momento atual é especialmente crítico, exigindo maior conscientização e um apelo urgente a diversos setores da sociedade para enfrentar esse desafio de forma decisiva.
Segundo a rede, as organizações de checagem na América Latina enfrentam hoje uma “tempestade perfeita”: houve cortes no financiamento da cooperação internacional, recuo das grandes plataformas nas iniciativas de combate à desinformação, aumento do uso de inteligência artificial e ações governamentais que ameaçam a liberdade de expressão.
“Essa combinação de fatores gera tensões e pressões sobre o ecossistema da informação e sobre as organizações de verificação de fatos”, disse à LatAm Journalism Review (LJR) Olivia Sohr, diretora de Impacto e Novas Iniciativas do site argentino Chequeado e integrante do conselho da Latam Chequea. “Por isso sentimos que era o momento certo para fazer esse chamado, para mostrar a gravidade da situação atual [...], expressar nossa preocupação e convocar os diversos atores a agir diante desse cenário desafiador.”
O apelo foi feito por meio de uma declaração intitulada “Sem checagem, vence a mentira”, publicada em 24 de junho, um dia antes do início da 12ª edição do GlobalFact, o maior encontro internacional de checadores de fatos, organizado pela International Fact-Checking Network (IFCN) e pelo Poynter Institute. A edição deste ano foi realizada no Rio de Janeiro.
A Latam Chequea, que atualmente reúne 48 organizações de 21 países, também realizou um evento paralelo no Brasil, no qual foi lançada a a chamada Declaração do Rio.
A equipe do Latam Chequea durantee encontro realizado no Rio de Janeiro (Foto: Cris Vicente Fotografia)
A declaração pede que empresas de tecnologia façam parte da solução — e não do problema —, instando-as a “fornecer maior acesso a dados e colaborar com aqueles que combatem a desinformação”.
Sohr afirmou que um dos pontos que mais preocupam a rede é o fato de as plataformas de redes sociais, apesar de já terem tomado medidas contra a desinformação, estarem recuando nessas ações. Um dos casos mais graves, segundo ela, é o da Meta, que encerrou o seu programa de checagem independente nos Estados Unidos.
Ela lembrou que, ao anunciar a decisão, o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, chegou a criticar o ecossistema de checagem de fatos, fazendo "acusações infundadas" de censura e viés por parte dos checadores.
Mais preocupante ainda, segundo Sohr, será se a Meta decidir encerrar o programa também na América Latina. Atualmente, 12 organizações da rede Latam Chequea fazem parte do Programa de Verificação de Fatos de Terceiros da Meta, que também oferece apoio financeiro. Mas a preocupação vai além dos recursos, explicou Sohr: o mais importante é o alcance das informações verificadas.
“Se o programa for encerrado, além da questão econômica, isso também limitaria o acesso de quem foi exposto à desinformação a conteúdos verificados — e o impacto disso seria significativo”, afirmou.
Outro fator preocupante é o uso crescente da inteligência artificial por cidadãos como fonte de informação. Segundo Sohr, essas ferramentas têm enorme potencial para gerar desinformação, não só pelo uso malicioso de “maus atores”, mas porque elas próprias “geram conteúdos de baixa qualidade”. Isso, disse, “também é nocivo ao ecossistema informativo”.
Para a Latam Chequea, é necessário que as empresas de IA “treinem seus modelos de forma ética, implementem mecanismos que assegurem a veracidade do conteúdo gerado e aceitem colaborar com verificadores especializados para garantir a integridade da informação”.
Sohr acrescentou que seria fundamental que essas empresas se questionassem se querem realmente basear seu modelo de negócios na monetização de informações incorretas — algo que, segundo ela, “poderia criar um problema ainda maior para todos nós”.
Além disso, iniciativas governamentais que ameaçam a liberdade de expressão estão se tornando mais comuns na região. Sohr citou leis que declaram como “agentes estrangeiros” ONGs ou meios de comunicação que recebem financiamento internacional.
Entre os casos mais recentes estão Peru e El Salvador, mas medidas semelhantes já foram vistas em Paraguai e Venezuela. A Nicarágua, onde na prática já não há jornalistas independentes dentro do país, talvez seja o exemplo mais claro dos efeitos que isso pode ter sobre a imprensa.
Além das empresas de tecnologia, das redes sociais e dos governos, o público também tem um papel fundamental no combate à desinformação. Sohr destacou que só quando o público compreende o contexto em que se produz a desinformação é que ele pode tomar medidas, inclusive pressionar governos e plataformas.
“Em última instância, são os cidadãos que decidem”, disse Sohr. “Conforme tomam consciência dos problemas e do que está acontecendo, eles podem desempenhar um papel central na busca coletiva por soluções, participando ativamente, reconhecendo os riscos e os danos que a desinformação causa. Em uma escala mais ampla, podem pressionar o sistema político e a forma como plataformas, tanto de IA quanto de redes sociais, operam, de modo a obter um impacto maior".