Bolsas internacionais de jornalismo representam uma oportunidade de crescimento profissional e pessoal para jornalistas latino-americanos que querem aprimorar suas carreiras e impactar a indústria local.
Como parte desses programas, os jornalistas geralmente passam um ano acadêmico estudando em uma universidade conceituada e trabalhando em um projeto que se concentra em uma questão central para o jornalismo.
Embora essas oportunidades ofereçam tempo e recursos para encontrar soluções para problemas complexos e uma pausa dos rigores diários da vida profissional, jornalistas na América Latina e no Caribe podem ver o processo de inscrição como desafiador e fora de alcance.
Para desmistificar essa jornada e ajudar potenciais candidatos, a LatAm Journalism Review (LJR) buscou conselhos de participantes de bolsas e responsáveis por programas internacionais em universidades nos EUA e no Reino Unido.
Apesar de o período de inscrições ainda não ter começado, a necessidade de se preparar com antecedência, mesmo antes dos processos seletivos abrirem oficialmente, foi uma unanimidade entre os entrevistados. A chave para o sucesso, eles disseram, está em uma preparação meticulosa, autoconfiança e uma compreensão profunda da essência do programa escolhido para se candidatar.
“Você precisa realmente se interessar pelo seu tema, porque trabalhará apenas nele por vários meses, e vai querer aproveitar a bolsa e escrever um artigo útil”, disse à LJR a jornalista chilena Francisca Skoknic, aluna da turma de 2023-2024 da fellowship do Instituto Reuters. “Acho importante estudar o tema escolhido, iniciar sua inscrição com bastante antecedência – isso não deve ser um esforço de última hora – e articular claramente por que seu projeto é importante.”
Francisca Skoknic compartilha as descobertas de seu projeto durante sua bolsa em agosto de 2024. (Imagem: Andrew Bailey)
Para seu projeto, Skoknic se concentrou na transparência do financiamento da mídia, o que culminou na publicação do artigo “A ameaça iminente (e possíveis soluções) ao jornalismo financiado por doadores estrangeiros na América Latina”, em agosto de 2024. Skoknic, que é, editora e cofundadora da plataforma de jornalismo LaBot, disse que o seu maior desafio durante o processo de inscrição foi escrever os textos exigidos para a candidatura.
“Por um lado, você precisa mostrar suas melhores realizações e pontos fortes, o que sempre me deixa desconfortável”, ela disse. “Por outro, você precisa desenvolver um projeto que seja interessante para você e atraente para o comitê de seleção.”
Para se inscrever para a bolsa do Instituto Reuters, que está localizado na Universidade de Oxford, no Reino Unido, os candidatos devem enviar uma ideia de projeto em uma página, explicando o tema que será desenvolvido durante o programa. Também é preciso escrever uma carta de motivação de uma página detalhando por que a bolsa é adequada para você e o que pretende fazer com o projeto ao retornar ao seu país. O programa é indicado para jornalistas em meio de carreira, com mais de cinco anos de experiência e que vão voltar à profissão após o período de estudo. Outros documentos e requisitos são necessários para inscrição e devem ser consultados no site oficial do Instituto Reuters. As inscrições costumam abrir na segunda semana de janeiro.
“Normalmente, buscamos ideias que sejam oportunas, que tenham um impacto comprovado na sua carreira ou na sua redação e que sejam motivadas pela experiência pessoal”, disse Caithlin Mercer, diretora associada do Programa de Bolsas para Jornalistas, à LJR. “Não buscamos propostas de pesquisa com fontes embasadas ou experiência acadêmica.
Mercer recomenda que os candidatos fiquem de olho nos projetos de ex-bolsistas que são publicados no site do programa para se prepararem melhor antes do começo do período de inscrições. Ela disse que a maioria dos novos projetos é publicada em agosto, setembro, dezembro e abril, porque a edição ocorre nos intervalos entre os semestres acadêmicos. Se o tema que o candidato quer explorar for o mesmo, ela aconselha dar continuidade a esse trabalho.
“Não vou mentir e dizer que é fácil”, ela disse. “Menos de 1% das pessoas que se candidatam a este programa conseguem entrar. Mas só porque é difícil não significa que você não seja digno de dar o seu melhor. No Instituto Reuters, nossa decisão final sempre se resume à melhor combinação de ideias e experiências, não apenas às melhores ideias. Você nunca sabe quando pode ser o ingrediente que estamos procurando. Por favor, entenda isso, porque é sobre mais do que apenas este programa: você tem o direito incondicional de sonhar, de se esforçar ao máximo e de ver o que acontece.”
Skoknic faz coro sobre a dificuldade do processo, mas acredita que se o candidato é um jornalista experiente, o programa não está fora de alcance. Ela disse ser uma boa ideia incluir um resultado concreto para o projeto, como identificar soluções para um problema específico ou uma aplicação prática para jornalistas.
“Você precisa se esforçar bastante na sua candidatura. Concentre-se em assuntos que você conhece bem e evite tópicos muito amplos”, disse ela. “Eu li bastante sobre o tema que escolhi para desenvolver uma proposta bem fundamentada. Também me dei bastante tempo: gosto de escrever um rascunho, deixá-lo de lado por alguns dias e depois revisá-lo. Sempre melhora.”
Um ano depois de ter publicado seu artigo, ela disse que ainda recebe comentários e convites para falar sobre o assunto, até no exterior.
“Quase sem perceber, me tornei um especialista na área”, disse Skoknic.
O jornalista brasileiro Sérgio Spagnuolo, diretor executivo do Núcleo Jornalismo e bolsista John S. Knight de 2025-26 na Universidade de Stanford, na Califórnia, disse que montar um bom material para ser enviado na candidatura é um dos maiores desafios do processo de seleção de Stanford. Ele disse que conversou com fellows de outros anos, leu e releu o que era necessário ser entregue, além de ter prestado bastante atenção aos tópicos solicitados e revisado toda a gramática e ortografia do material.
“Nunca me contentei com a primeira versão das minhas respostas, sempre dava pra melhorar”, disse Spagnuolo à LJR. “É muito importante se preparar com antecedência. Falo por experiência: muitas pessoas deixam para fazer todo o application nos últimos dias, e isso não é boa ideia, principalmente porque você não tem tempo de refletir sobre o que pode escrever ali e melhorar a qualidade do material.”
Segundo o site oficial da JSK, são elegíveis para a bolsa jornalistas americanos e internacionais que trabalham em veículos de comunicação, jornalistas independentes, empreendedores do jornalismo, estrategistas e inovadores. Os candidatos devem ter pelo menos cinco anos de experiência profissional em jornalismo e não é exigido diploma universitário ou experiência em redações tradicionais.
O diretor do programa de bolsas da JSK, Alberto Mendoza, reforça que o programa busca profissionais com perfil de liderança e disposição para propor soluções para os problemas da indústria. Ele disse que essa liderança não precisa estar ligada a cargos formais, mas sim a ações e iniciativas concretas que a pessoa tenha executado em sua comunidade.
“Este é um fellowship de jornalismo que foca em ajudar líderes a se tornarem ainda mais completos”, disse Mendoza à LJR. “Você realmente precisa encarar isso [ser um líder] e saber que, como você quer fazer algo para mudar o setor, esta é a bolsa perfeita para te dar essa oportunidade.”
Mendoza também destacou a importância de apresentar uma candidatura detalhada. O candidato deve ser capaz de dizer exatamente os tipos de aula que o interessam, o que especificamente ele quer ganhar como bolsista da JSK, e que perguntas espera responder durante a permanência em Stanford. Ele disse ainda que a proposta feita durante a candidatura é apenas um ponto de partida para o que será feito durante a permanência em Stanford.
"Queremos que as pessoas venham aqui com uma pergunta: 'O que aconteceria se…?'. E que, enquanto estiverem em Stanford, busquem todas as respostas diferentes e sejam influenciadas por tudo a que forem expostas aqui”, disse Mendoza. “O projeto é basicamente a exploração de um conceito que você vai testar durante a bolsa. A razão pela qual digo que isso é importante é porque metade dos nossos fellows às vezes muda de direção. E então, se estivermos muito focados apenas na proposta, às vezes perdemos a oportunidade de fazer essa mudança.”
Entre os erros mais comuns cometidos por candidatos latino-americanos, Mendoza citou generalizações, a falta de conexão entre suas experiências do passado e o projeto que estão propondo, e a dificuldade em valorizar a própria trajetória. Ele disse ainda que é essencial contextualizar a realidade do país de origem do candidato e da imprensa local, além de explicar porque o seu trabalho é importante na região, uma vez que os avaliadores não vão parar para pesquisar sobre isso em meio a milhares de candidaturas.
“Latino-americanos, como eu, não nos sentimos muito confortáveis em nos gabar ou falar sobre nós mesmos. Então, este é o momento de se orgulhar das coisas que você conquistou e compartilhá-las”, disse Mendoza. “E, da mesma forma, compartilhar as vulnerabilidades também é bom.”
As inscrições para a próxima turma de fellows da JSK abrem em 15 de outubro e vão até o dia 3 de dezembro. Todas as informações sobre pré-requisitos e os benefícios da bolsa podem ser encontrados no site oficial do programa.
Se em Oxford o projeto de pesquisa tem um grande peso e em Stanford a liderança é o diferencial, na Universidade de Michigan a abordagem é voltada para inovação. Lynette Clemetson, diretora do Centro Wallace House para Jornalistas, disse que uma candidatura forte apresenta argumentos claros de por que a bolsa é necessária para realizar algo que não foi possível no curso normal de trabalho ou algo que realmente precise de tempo e apoio acadêmico e financeiro para ser desenvolvido.
“Em geral, acredito que bolsas como as nossas buscam jornalistas com vários anos de carreira, que já estejam trabalhando há tempo suficiente para ter uma ideia de quais habilidades, treinamentos ou oportunidades podem ter para progredir”, disse Clemetson à LJR. “Somos mais como uma bolsa de meio de carreira. E não uso o termo meio de carreira em nosso site porque acho que é muito complicado agora porque às vezes as pessoas vêm para o jornalismo de outras áreas.”
Clemetson disse que um dos erros mais comuns é apresentar candidaturas genéricas ou sem conhecimento sobre o programa. Ela também contou que não é incomum que candidatos apliquem para bolsas diferentes com o mesmo material, sem levar em conta as especificidades que cada programa e pode oferecer ao longo da fellowship.
A diretora da Wallace House também reforçou a importância de ter um bom nível de inglês e estar confortável para se comunicar no idioma. Clemetson contou que no ano passado viu pela primeira vez uma candidatura em que ficou muito claro o uso de inteligência artificial na preparação do material.
“Às vezes, recebo inscrições que dizem querer estudar na Faculdade de Jornalismo. Mas Michigan não tem faculdade de jornalismo. Então, sei que essa pessoa não fez nenhuma pesquisa preliminar. Além disso, se o candidato é experiente, não precisa estudar jornalismo, certo?”, disse ela. “Se o seu nível de proficiência em inglês estiver em um nível na inscrição e, então, se fizermos uma entrevista por telefone e ficar claro que essa não é sua fluência profissional, será muito difícil contornar isso.”
Assim como Mendoza, Clemetson reforçou a importância de ser bem específico sobre o contexto do jornalismo local da América Latina e do papel do candidato nessa realidade. Ela recomendou que os candidatos organizem as ideias e escrevam da mesma forma que fariam em uma boa matéria sobre um assunto complexo cujos leitores não estão familiarizados: dando vida às informações e tornando-as compreensíveis para o público.
“Se você presumir que a maioria dos candidatos na América Latina está inserida em ecossistemas jornalísticos com os quais talvez a pessoa que vai ler a sua candidatura não esteja familiarizada, você precisa dar vida a esses ecossistemas e ser capaz de falar sobre a dinâmica de onde e como você faz seu trabalho”, disse Clemetson. “Quanto mais você puder fazer sua jornada pessoal e seu currículo ganhar vida e demonstrar não apenas o que você fez, mas as coisas que você ainda quer fazer e são missões pessoais realizar, isso é muito, muito atraente.”
As inscrições para a Knight-Wallace Fellowship abrem em outubro, com prazo final para candidatos internacionais em 1º de dezembro. Clemetson recomenda que interessados da América Latina busquem desde já conversar com ex-bolsistas e professores da universidade antes mesmo de se candidatar, como forma de fortalecer a candidatura. Todos os requisitos necessários para participar do processo seletivo estão no site oficial da Knight-Wallace.
A Nieman Foundation concede bolsas para jornalistas selecionados, que são convidados a passar um ano acadêmico em Harvard em busca de planos de estudo individuais para fortalecer seus conhecimentos e habilidades de liderança. A cada ano, são selecionados 12 jornalistas americanos e 12 jornalistas internacionais. Henry Chu, curador interino da Nieman Foundation, disse que as bolsas são um investimento em jornalistas que não apenas se destacaram, mas que demonstram potencial para mais.
“Estamos procurando candidatos que tenham pensado profundamente sobre como um ano longe de seus locais de trabalho em Harvard beneficiará seu jornalismo e os preparará para serem líderes mais fortes em suas redações ou no setor em geral”, disse Chu à LJR.
A brasileira Simone Iglesias integra a turma Nieman de 2026. (Imagem: Arquivo)
A brasileira Simone Iglesias, repórter de economia e governo da Bloomberg News em Brasília, é parte da turma de 2026 Nieman. Para ela, o maior desafio do processo seletivo foi conciliar a elaboração dos projetos com a rotina intensa de cobertura. Iglesias decidiu se candidatar em março de 2024 e só conseguiu finalizar a inscrição em novembro do mesmo ano.
“Todo o dia que eu me organizava mentalmente para produzir, surgia uma crise ou uma história a ser coberta”, disse Iglesias à LJR. “Foram oito meses fazendo anotações, pesquisas, leituras, importunando amigos com meu monotema e tendo insights entre entrevistas, conversas com fonte, cobertura de G-20, de BRICS, viagens presidenciais, fusos enlouquecedores.”
Para se candidatar à Nieman Fellowship, assim como outras bolsas, também é preciso ter pelo menos cinco anos de experiência profissional. O site da bolsa é categórico sobre o nível de inglês, que deve ser fluente para fala, escrita e leitura. Iglesias acha que nenhum programa está fora do alcance de jornalistas da América Latina, mas ela reforça que é preciso selecionar o programa certo para cada momento da carreira.
“Para Nieman, é preciso mais bagagem, os professores de Harvard que me receberam em suas cadeiras não me veem como uma estudante de graduação, mas como alguém que tem como contribuir com o conjunto da classe de forma mais efetiva em um debate sobre minha área de atuação”, disse. “Eu jamais aplicaria para Nieman no começo da carreira. Fiz o meu pitch na hora certa. Jornalistas da América Latina são absolutamente bem-vindos nesses programas. Temos muito a contribuir com as universidades estrangeiras com o nosso conhecimento.”
As inscrições abrem em outubro e o prazo final para jornalistas estrangeiros encerra em 1 de dezembro. As informações completas para candidatura devem ser consultadas no site da Nieman Fellowship. Para jornalistas que pretendem se candidatar, a recomendação de Iglesias é seguir à risca as instruções do edital:
“Essa semana, um colega mexicano conversou comigo sobre o processo de candidatura. Me pediu contatos do pessoal da fundação para dicas. Disse a ele que não é por aí”, disse Iglesias. “Leia todo o processo com todo o cuidado dezenas de vezes. Faça exatamente o que está sendo pedido. Mas faça absolutamente bem-feito.”