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Capacidade de adaptação é fundamental para a resiliência da mídia na era digital, diz pesquisa

A sustentabilidade do jornalismo não depende de um modelo de negócio único, mas da capacidade de adaptação e disposição de experimentação das empresas diante de um ambiente de constante disrupção. Essa é a principal conclusão da pesquisa "News Tech: Modelos de Negócio e a Transformação do Jornalismo na Era Digital", conduzida pelo Instituto de Ensino e Pesquisa Insper e lançada no fim de setembro. 

O estudo analisou como empresas de mídia vêm reconfigurando suas estratégias editoriais e financeiras para responder à fragmentação do consumo, à dependência das plataformas e à aceleração tecnológica. O trabalho combinou uma revisão sistemática de 76 artigos acadêmicos, uma consulta a 101 especialistas de 32 países e uma análise documental de 187 veículos de comunicação indicados por esses especialistas. 

De acordo com a pesquisa, a sustentabilidade das organizações jornalísticas está menos ligada à adoção de uma fórmula e mais à capacidade de alinhar a proposta editorial à estrutura de financiamento.

“O que diferencia as empresas mais resilientes é a sua capacidade de adaptação”, disse Guilherme Fowler, coordenador da pesquisa, à LatAm Journalism Review (LJR).

Quatro caminhos estratégicos

O estudo apresenta o framework LORR, uma matriz analítica que classifica as empresas em quatro perfis, Laboratório, Odisseia, Relíquia e Refúgio, combinando dois eixos: segmentação editorial (generalista ou de nicho) e diversidade de fontes de receita (restrita ou diversificada). 

Laboratório são veículos de nicho, especializados, com receita diversificada, como Nexo e o americano Vox, que funcionam como espaços de teste para novos formatos e monetização. 

Odisseia caracteriza veículos generalistas que expandiram suas fontes de receita para além de publicidade e assinaturas básicas para aumentar a resiliência econômica. Dois exemplos citados pelo estudo são The New York Times e The Washington Post. 

Refúgio são os de nicho que atendem um público altamente engajado, com poucas fontes de receita, como assinaturas premium ou financiamento filantrópico. O estudo cita Agência Pública e o espanhol elDiario.es como exemplos. 

Por fim, Relíquia engloba veículos generalistas que operam com um número reduzido de receitas tradicionais, enfrentando o desafio de equilibrar credibilidade com a necessidade de inovação, como BBC e Fox News. 

Para a análise de cada perfil, os pesquisadores selecionaram os veículos que aparecem no topo da lista de mais citadas pelos especialistas internacionais em comunicação que participaram do estudo. 

“O framework traz uma lente que ajuda os gestores e analistas a interpretarem o cenário onde as empresas estão e para onde podem ir”, disse Fowler. “Isso não está presente em nenhum estudo anterior.”

A pesquisa mostra que veículos de nicho tendem a ter estruturas mais diversificadas de receita e maior agilidade para experimentar novos formatos e produtos. Já os generalistas continuam dependentes de publicidade e assinaturas tradicionais, o que os torna mais suscetíveis às crises de audiência e à rigidez organizacional. 

“Os generalistas podem aprender a serem mais dinâmicos, dada a sua estrutura e a tendência à inércia estrutural e cultural”, disse Fowler. “Os veículos de nicho podem observar como as empresas maiores construíram estruturas de apoio que as ajudam a operar no dia-a-dia.”

Dependência das Big Techs como desafio central

Além da criação do framework, a pesquisa também identificou seis tendências principais que reconfiguram o jornalismo. São elas: mudança no consumo de notícias, proliferação de novos formatos, desafio da dependência de ecossistemas de terceiros, jornalismo guiado por dados, integração da inteligência artificial e de automação; e crescente papel dos profissionais de tecnologia. 

“Não vejo uma tendência como a ‘mais disruptiva’”, disse Fowler. “Elas são conectadas e é a combinação delas que cria um ambiente disruptivo.”

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Paula Miraglia, cofundadora do Nexo Jornal e da Gama Revista, e CEO da Momentum – Força-Tarefa de Jornalismo e Tecnologia (Foto: Divulgação)

As conclusões da pesquisa ressoam na experiência de Paula Miraglia, cofundadora do Nexo Jornal e da Gama Revista. Ela é hoje CEO da Momentum – Journalism & Tech Task Force e falou no lançamento do estudo do Insper, que classifica o Nexo como um “Laboratório”.

Miraglia vê hoje três níveis diferentes de dependência da mídia nas chamadas Big Techs: no financiamento, na distribuição e na inovação. 

Em relação à dependência financeira, ela cita como exemplo o Google Destaques, um programa de aporte de recursos que compõem a receita de muitas organizações, por mais reduzido que seja em alguns casos. 

“Você tem uma dependência porque se estrutura a operação sabendo que esse recurso vai entrar”, disse à LJR

Quando se trata de distribuição, ela destacou que as plataformas são as principais intermediárias entre veículos e leitores.

“Consequentemente, estamos muito sujeitos à mudança de algoritmos e de estratégia”, disse ela. 

Miraglia disse que a última dependência, a da inovação, é muito difícil de superar.

“Durante muito tempo a nossa indústria se apoiou em ferramentas que vinham das plataformas e acho que elas tiveram o efeito de inibir a nossa capacidade e apetite de inovar”, disse ela. 

Para Miraglia, estar mais próximo da audiência e fortalecer os canais de relacionamento direto com os leitores, seja por meio de newsletters, notificações de push ou aplicativo, é um dos caminhos para reduzir a dependência nas grandes plataformas de tecnologia. A jornalista também reforça a importância da diversificação de receitas. 

No caso do Nexo, ela citou como exemplo de diversificação o vínculo do veículo com a pesquisa e a academia. Ela disse que isso acabou levando à criação do Nexo Políticas Públicas, plataforma acadêmico-jornalística que trabalha com centros de pesquisa de excelência e é apoiada por filantropias que apoiam esses sistemas de pesquisa. 

“Isso gerou para nós um modelo de coberturas especiais. A gente foi navegando os desafios em relação às fontes de receitas, mas também entendendo quais eram as oportunidades que estavam dadas diante de quem a gente era como produto editorial e como empresa”, disse Miraglia. “O jornalismo puro é muito difícil ser sustentável, no entanto ele tem muito valor. A diversificação é um mantra para a indústria. Apostar em um só caminho, só publicidade ou só assinatura, não está segurando a vida de ninguém.”

Capital de conhecimento e os quatro pilares

A jornalista e pesquisadora Carla Miranda, editora do Estadão, analisou atentamente como os veículos de notícias estão adaptando seus modelos de negócios às pressões externas, como aquelas descritas pelo estudo do Insper.

Ela publicou recentemente uma pesquisa sobre a sustentabilidade do jornalismo na era da inteligência artificial, desenvolvida como parte do fellowship do Instituto Reuters, em Oxford. Ela propõe que as redações usem o seu capital de conhecimento, formado por marca, audiência, talento e conhecimento institucional, como um sistema interdependente para criar uma fortaleza contra choques externos. 

"As ameaças externas do jornalismo vão existir sempre e serão cada vez maiores. O que a gente tem que fazer é construir nossa barreira. O que é o nosso escudo? Senão a gente vai viver de sobressalto em sobressalto”, disse Miranda à LJR. “Esses quatro pilares, para mim, são essas sucessivas barreiras de proteção. E isso é individual de cada empresa.”

Entre os quatro pilares que propõe, Miranda aponta o talento como o mais negligenciado pelas empresas jornalísticas. Segundo a sua pesquisa, jornalistas talentosos ancoram a qualidade editorial e trazem novos relacionamentos com o público, além da criação de novos produtos em potencial. Só que isso só se concretiza se as empresas estiverem estruturadas para apoiá-los. 

A pesquisadora vê o talento humano como um ativo estocado dentro das redações e defende que elas mapeiem o potencial dos seus colaboradores. 

"Quando você perde um talento, você não perde só a pessoa, perde a rede de leitores, as conexões que ela tinha dentro da própria empresa, as fontes. A gente se preocupa quando perde um assinante, mas não se preocupa com a perda dessa pessoa, que leva à perda de toda essa teia”, disse. “Esse conhecimento sobre o que cada pessoa faz, o potencial de cada um, tem que estar estruturado, mapeado e disponível até para outras dentro da própria empresa.”

Com o objetivo de transformar esse discurso em ação concreta, a pesquisa inclui um roteiro prático para auxiliar as redações a darem o primeiro passo no mapeamento do seu "capital de conhecimento". Miranda ressalta, no entanto, que esse exercício exige clareza e realismo. A ideia não é ser um wishful thinking do que as redações gostariam de ter e sim uma avaliação real dos ativos reais que elas possuem e que podem inclusive abrir diferentes fontes de receita. 

​​“Como você pode arrumar melhor o conhecimento que a sua organização tem? O que a gente pode fazer que os outros não? Onde esse conhecimento está armazenado? Nas pessoas, nos processos, nos formatos? Isso está documentado e acessível para outras áreas e outros times dentro da própria redação? O que pode virar um produto?”, enumerou. “Quando você tenta puxar para o real que é o mais complexo. Eu tentei de alguma forma mapear isso, mas cada empresa tem que fazer essa análise se entender que é um caminho viável.”