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Promotores e advogados pedem que jornalista paraguaia revele fontes em caso de áudios que indicam suposta corrupção do governo

Durante quatro horas, a jornalista investigativa paraguaia Mabel Rehnfeldt foi interrogada no Ministério Público, onde havia convocada como testemunha em 22 de março, em Assunção. Rehnfeldt participou do processo judicial sobre áudios filtrados que publicou em seu programa de rádio entre novembro e dezembro de 2017 na rádio ABC Cardinal.

No entanto, grande parte das perguntas dos promotores que conduziram a sessão e dos advogados das pessoas investigadas no processo judicial tratavam de suas técnicas para exercer o jornalismo e a origem de suas fontes, segundo disse a jornalista à Radio Ñandutí Digital. Ela teve que se amparar no artigo 29 da Constituição Nacional, que protege o livre exercício do jornalismo.

ABC informou que os áudios publicados por Rehnfeldt em seu programa "A la gran 730" revelaram supostos atos de corrupção e tráfico de influências supostamente cometidos por instituições governamentais e por representantes do governo. Sua publicação levou à cassação de dois importantes senadores supostamente envolvidos no caso, Óscar González Daher e Jorge Oviedo Matto, segundo informou o site Última Hora. Ambos os ex-senadores são agora acusados ​​pelo Ministério Público de suborno passivo agravado e tráfico de influência, informou o site.

"Esse foi um interrogatório disfarçado de testemunho, onde parecia que eu estava sendo investigada e não os ilícitos denunciados. (...) Eles fizeram isso à luz do dia, a ameaça e a intimidação, eles fizeram isso com todas as luzes acesas", disse Rehnfeldt ao Centro Knight. "Isso não acontecia desde a época do stronismo [ditadura do presidente paraguaio Alfredo Stroessner que durou de 1954 a 1989], algo assim não havia acontecido tão abertamente."

As reações de repúdio foram rápidas. O Sindicato dos Jornalistas do Paraguai (SPP, na sigla em espanhol) divulgou um comunicado em que exigia o respeito à liberdade de expressão no país e manifestava apoio à Rehnfeldt. "Nos preocupa que esse ato se converta em uma estratégia de intimidação contra a jornalista e que se estabeleça um precedente que limite o trabalho e as futuras investigações dos trabalhadores da imprensa", disse a organização, segundo a ABC Color.

O Fórum de Jornalistas Paraguaios (Fopep) também rejeitou o que considerou uma clara intimidação jurídica por parte do Ministério Público contra a jornalista de ABC Color e Radio ABC Cardinal, informou ABC Color.

Além disso, organizações de direitos humanos como a Anistia Internacional, as Nações Unidas, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e várias associações da sociedade civil paraguaia se comunicaram com Rehnfeldt para oferecer seu apoio e solidariedade, disse a jornalista.

Até a Justiça respondeu ao caso. A ministra da Corte Suprema de Justiça, Alicia Pucheta, e a promotora-geral do Estado, Sandra Quiñones, ordenaram uma auditoria da atuação dos promotores que conduziram o interrogatório de Rehnfeldt no Ministério Público, segundo o Última Hora.

Segundo Última Hora, a Promotoria Geral também afirmou em um comunicado que a liberdade de expressão constitui um importante pilar da democracia e a liberdade de imprensa é um direito fundamental.

O Relator Especial para a Liberdade de Expressão da CIDH, Edison Lanza, disse que a ação do Ministério Público no caso do recente interrogatório de Rehnfeldt poderia estabelecer um precedente negativo para o exercício do jornalismo e para suas fontes, publicou ABC Color. O fato de a promotoria ter perguntado a Rehnfeldt sobre suas fontes é uma violação do direito de defesa da fonte jornalística, disse o relator, segundo o site.

"Isso gerará um efeito mais generalizado para todo o jornalismo e para todas as pessoas que desejam revelar informações. Os informantes também precisam ser protegidos e isso contribuirá para um clima de censura, de inibição, onde informações importantes não vão mais circular", afirmou o relator.

Lanza também adiantou, de acordo com o site de notícias paraguaio, que a CIDH já está monitorando o caso e que poderia intervir se as garantias necessárias não forem oferecidas em nível nacional para defender o trabalho jornalístico, exercício protegido pelo sistema interamericano de direitos humanos e a Constituição paraguaia.

"Não quero que meus colegas sintam medo, não quero que ninguém se sinta assustado, porque, se conseguirem nos amedrontar, conseguirão o silêncio e, se conseguirem o silêncio, teremos uma democracia fracassada", disse Rehnfeldt.

Os áudios filtrados publicados entre novembro e dezembro por Rehnfeldt expuseram publicamente um suposto esquema de tráfico de influência administrado pelo Júri da Fiscalização de Magistrados (JEM, na sigla em espanhol), segundo ABC Color. Este órgão foi presidido até o final de 2017 por González Daher, um dos senadores cassados que participará das próximas eleições gerais.

Segundo a jornalista, o surgimento e a publicação dos áudios aconteceram poucas semanas antes das eleições internas de 17 de dezembro, em que foram escolhidos no Paraguai os candidatos que poderiam concorrer à presidência da República, governador, senador e deputado nas eleições gerais do país, no próximo 22 de abril.

As consequências da publicação dos áudios, que levaram o Congresso a votar a cassação dos senadores e a submissão de outras pessoas à Justiça, é algo que nunca havia acontecido no Paraguai, disse Rehnfeldt. "Os áudios confirmaram que todas as garantias do nosso sistema judicial estão falhando", concluiu.