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Após críticas de entidades brasileiras e internacionais, STF revoga censura que havia imposto a sites de notícias

Atualização às 20:11 de 18 de abril de 2019: O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil Alexandre de Moraes revogou no dia 18 de abril a censura que havia imposto aos sites da revista Crusoé e O Antagonista, informou a Folha de S. Paulo.

Conforme observa o jornal, a decisão foi tomada após críticas de organizações e figuras públicas do Brasil e de outros países, entre elas outros ministros do STF como Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.

Na decisão publicada hoje e compartilhada pelo jornal O Estado de S. Paulo, Moraes afirma que foi comprovado que o documento em que se baseia a reportagem da Crusoé e que menciona o presidente do STF, Dias Toffoli, realmente existe e foi enviado à Procuradoria Geral da União.

A Folha também informou que Toffoli revogou nesta quinta-feira a decisão de setembro de 2018 que proibiu o jornal de entrevistar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso há um ano. Lula, portanto, poderá dar entrevistas à Folha e a outros veículos de imprensa.

Original: Em uma decisão criticada por organizações brasileiras e internacionais de defesa da liberdade de imprensa e de expressão, o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil determinou a retirada de uma reportagem de um site alegando se tratar de “fake news”.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) e o relator sobre Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Edison Lanza, entre outros, se manifestaram em rejeição à decisão da Suprema Corte brasileira.

No dia 15 de abril, a redação da revista Crusoé foi notificada de decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes determinando que fosse retirada “imediatamente” do site da revista e do site O Antagonista a reportagem “O amigo do amigo de meu pai”, sob pena de multa diária de R$ 100 mil caso a decisão não fosse acatada.

O ministro e presidente do STF, Dias Toffoli (Carlos Moura/STF)

A reportagem se refere ao ministro do STF e presidente da Corte, Dias Toffoli, mencionado em delação premiada do empreiteiro Marcelo Odebrecht à Operação Lava Jato, que investiga esquema de corrupção no país.

A matéria se baseia em um documento da operação em que constam respostas de Odebrecht a questionamentos da Polícia Federal. Um dos questionamentos diz respeito ao codinome “amigo do amigo de meu pai”, que aparece em trocas de emails do empreiteiro com outros executivos da empresa em 2007, conforme mostra o documento. Segundo Odebrecht, trata-se de Dias Toffoli, então advogado-geral da União.

Moraes afirma em sua decisão que determinou a retirada da reportagem do site a pedido de Toffoli. O presidente do STF pediu ao ministro “a devida apuração das mentiras recém divulgadas por pessoas e site ignóbeis que querem atingir as instituições brasileiras”, conforme cita Moraes.

Em sua decisão, Moraes classifica a reportagem como “típico exemplo de fake news” e afirma que “há claro abuso no conteúdo da matéria veiculada”. O ministro baseia sua decisão em uma nota da Procuradoria Geral da República (PGR) que afirma não ter recebido o documento com as respostas de Odebrecht, enquanto a reportagem afirma que o documento havia sido remetido à PGR.

“O esclarecimento da Procuradoria Geral da República tornam falsas as afirmações veiculadas na matéria”, escreveu Moraes em sua decisão. A revista, por sua vez, afirma jamais ter dito que o documento havia chegado à PGR e sustenta ter tentado ouvir Dias Toffoli sobre a afirmação de Marcelo Odebrecht, mas que o presidente do STF “não respondeu às perguntas que lhe foram enviadas antes da publicação da reportagem agora censurada”.

Crusoé e O Antagonista retiraram a reportagem de seus sites, mas ela foi reproduzida, na íntegra, pelo site The Intercept Brasil. “A estratégia de adjetivar qualquer notícia que desagrade aos poderosos de turno como ‘fake news’ vem se espalhando de maneira deletéria, ferindo cada vez mais nossa combalida democracia brasileira. Essa tese não pode prevalecer, sob risco de vermos calados os críticos ao humor dos juízes”, escreveu o The Intercept.

Em nota, a Abraji afirmou que “é grave acusar quem faz jornalismo com base em fontes oficiais e documentos de difundir ‘fake news’, independentemente de o conteúdo estar correto ou não”. “Mais grave ainda é se utilizar deste conceito vago, que algumas autoridades usam para desqualificar tudo o que as desagrada, para determinar supressão de conteúdo jornalístico da internet. O precedente que se abre com essa medida é uma ameaça grave à liberdade de expressão, princípio constitucional que o STF afirma defender.”

O ministro do STF Alexandre de Moraes (Carlos Moura/STF)

Ainda segundo a entidade, “também causa alarme o fato de o STF adotar essa medida restritiva à liberdade de imprensa justamente em um caso que se refere ao presidente do tribunal”. A Abraji apelou ao STF “para que reconsidere a decisão do ministro Alexandre de Moraes e restabeleça aos veículos atingidos o direito de publicar as informações que consideram de interesse público”.

A OAB, também em nota, manifestou “preocupação” com a decisão de Moraes e afirmou sua posição “em favor da plena defesa dos princípios constitucionais que estão presentes na Carta Constitucional de 1988, dentre eles a liberdade de expressão e de imprensa, princípios irrenunciáveis e invioláveis em nosso estado de direito.”

A coordenadora da CPJ para a América Central e do Sul, Natalie Southwick, declarou em nota da entidade que a decisão do STF contra a Crusoé é “extremamente perturbadora”. “Em lugar de retirar da internet artigos críticos e assediar repórteres, autoridades judiciais brasileiras deveriam se comprometer a garantir valores constitucionais como a liberdade de imprensa”, disse Southwick.

Edison Lanza, relator especial da CIDH sobre Liberdade de Expressão, disse em entrevista do jornal O Globo que a decisão de Moraes fere a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil. “A Convenção é nossa carta de direitos humanos no hemisfério e ela obriga todos os organismos públicos do Brasil a respeitar e garantir os direitos previstos no texto. O artigo 13 estabelece o direito à liberdade de expressão e protege de forma contundente o direito da sociedade a receber informação sobre temas de interesse público”, disse Lanza.

“Me preocupa que o fenômeno das chamadas fake news, que são um problema, seja utilizado como ferramenta de censura. Que um meio publique algo sobre um funcionário público não é fake news. Pode levar a um caso judicial, mas não a aplicação da censura. Bloquear sites e redes sociais é uma forma grave de censura”, acrescentou o relator, que também disse que pretende propor à CIDH que se manifeste sobre o assunto.

Controvérsia em inquérito sobre ‘fake news’

A decisão do ministro Alexandre de Moraes sobre a reportagem da revista Crusoé é parte do inquérito 4781 do STF, instaurado por Toffoli no dia 14 de março para “apurar fatos e infrações relativas a notícias fraudulentas (fake news) e ameaças veiculadas na Internet que têm como alvo a Corte, seus ministros e familiares”, segundo informou o site Notícias STF.

O inquérito é alvo de críticas desde sua instauração, como da PGR, que questionou a legalidade da investigação, e mesmo de dentro do STF, como o ministro Marco Aurélio Mello. Na ocasião, ele afirmou ao Jornal Nacional que o “Supremo Tribunal Federal deveria manter uma necessária distância de investigações que envolvam apuração de suposto crime contra a própria corte”.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge (Carlos Moura/STF)

O partido Rede Sustentabilidade entrou no dia 15 com pedido no STF, direcionado ao ministro Edson Fachin, para suspender a censura aos sites da revista Crusoé e O Antagonista, informou o G1. Fachin é relator de uma ação do partido que pede a suspensão do inquérito 4781. No dia seguinte, Fachin deu cinco dias a Moraes para apresentar informações sobre o inquérito e o mesmo prazo para que a PGR se manifeste sobre a censura aos dois sites, reportou o Estado de S. Paulo.

Também no dia 16 de abril, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou manifestação ao ministro Moraes arquivando o inquérito 4781, alegando como “fundamento o respeito ao devido processo legal e ao sistema penal acusatório estabelecido na Constituição de 1988, segundo o qual o Ministério Público é o titular exclusivo da ação penal”.

Moraes, por sua vez, respondeu que a manifestação de Dodge “não encontra qualquer respaldo legal”, se baseia “em premissas absolutamente equivocadas” e pretende, “inconstitucional e ilegalmente, interpretar o regimento da corte e anular decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal”, conforme reportou a Folha de S. Paulo. O ministro também prorrogou o inquérito por mais 90 dias.

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