Enquanto no Equador os jornalistas que fizeram parte da investigação jornalística mundial conhecida como Panama Papers estão enfrentando uma “campanha de assédio” liderada pelo presidente Rafael Correa e seus seguidores, no Peru e no Panamá as reações mais adversas ocorreram dentro dos próprios meios de comunicação tradicionais e na sociedade civil, respectivamente.
A investigação dos Panama Papers foi divulgada internacionalmente no dia 3 de abril por meios de todo o mundo após meses de investigação. Foi liderada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ na sigla em inglês), que recebeu do jornal alemão Süddeutsche Zeitung 11,5 milhões de documentos vazados anonimamente.
Os jornalistas de cada país convocados pelo ICIJ – entre eles 96 jornalistas de 15 países da América Latina e do Caribe – publicaram histórias que revelariam casos de políticos, funcionários públicos, empresários e outras pessoas de interesse público vinculados com a empresa panamenha Mossak Fonseca, apontada pelo ICIJ como uma das empresas criadoras de “empresas fantasmas” (ou companhias offshore) mais importantes do mundo, que desde a década de setenta ajuda seus clientes a ocultar a propriedade de seus ativos em paraísos fiscais.
As investigações geraram todo tipo de reações.
No Peru, por exemplo, alguns jornais que pertencem ao Grupo El Comercio – conglomerado de meios que concentra aproximadamente 80% da imprensa escrita – questionaram a origem da fonte e não a mensagem das reportagens da investigação dos Panama Papers, segundo Fabiola Torres López, editora e fundadora de Ojo Público, em entrevista ao Centro Knight para o Jornalismo nas Américas.
Ojo Público, um site digital especializado em jornalismo investigativo, é um dos três meios peruanos convocados pelo ICIJ para a investigação internacional. Os outros são Convoca e IDL-Reporteros.
Segundo a jornalista, as reações no Peru pelo publicado em relação aos Panama Papers, uma semana antes das eleições presidenciales, tiveram dois níveis. O primeiro foi a reação oficial, ou seja, por parte de instituições como o Ministério Público e a Superintendência Nacional de Administração Tributária (Sunat).
Depois das primeiras quatro matérias publicadas pelo Ojo Público, no dia 3 de abril, tanto a Promotoria como a Sunat abriram uma investigação por lavagem de ativos e fraude tributária contra a firma de advogados panamenha Mossack Fonseca em Lima e fizeram buscas em seu escritório.
O segundo nível de impacto, explicou Torres López, foi na esfera política, nos partidos políticos no contexto eleitoral, que fizeram silêncio nos dias prévios ao primeiro turno eleitoral. E também no espaço midiático, acrescentou a jornalista, em que os grandes grupos de mídia peruanos criticaram o uso de informação “hackeada”, e reivindicaram a legalidade dos negócios offshore, desmerecendo, em um primeiro momento, o conteúdo das investigações em si.
“Acreditamos que é mais difícil agora que os políticos se protejam no silêncio neste segundo turno eleitoral, para não falar do tema da fraude tributária, porque há verbas de campanha que tiveram offshore como meio”, declarou Torres López.
Uma das primeiras reportagens publicadas no Peru sobre Panama Papers revelou que parte das verbas da campanha de Keiko Fujimori – candidata número um à presidência peruana e filha do ex-presidente Alberto Fujimori, condenado por corrupção e por crimes contra a humanidade, – vieram de uma empresa offshore criada em Delaware, EUA, gerida por Mossack Fonseca.
Torres López afirmou que um dos primeiros pronunciamentos dos setores políticos peruanos sobre os Panama Papers aconteceu recentemente no Congresso da República. Contudo, disse, existem congressistas em exercício e em reeleição envolvidos nos Panama Papers, motivo pelo qual Ojo Público duvida que o Congresso seja o melhor canal de investigação neste caso.
Em Ojo Público, o que se quer é que as autoridades façam sua investigação, ressaltou a jornalista em referência às reportagens dos Panama Papers.
Não é casual, disse Torres López, que se crie uma offshore para a indústria de madeira no Peru, quando existe uma grande incidência de corte ilegal na Amazônia peruana. Tampouco que funcione com toda uma estrutura offshore os negócios do principal investidor dos máquinas caça-níqueis no Peru e em outros países da América Latina.
“Nós vamos seguir publicando [investigações sobre Panama Papers], e não vamos parar até que haja um pronunciamento dos que podem vir a ser os presidentes do Peru em menos de dois meses”, frisou Torres López.
No Equador, os jornalistas que participaram nos Panama Papers – como o premiado Arturo Torres, membro do ICIJ e editor de Investigação do jornal equatoriano El Comercio – foram chamados a comparecer ao Conselho de Participação Cidadã e Controle Social para conversar sobre a investigação.
Também a Comissão de Justiça da Assembleia anunciou que os convocaria, disse Torres.
“Terminamos sob suspeita e praticamente no banco dos acusados”, disse Torres em conversa com o Centro Knight.
O jornalista equatoriano afirmou que foram insultados e apontados por supostamente não revelar toda a informação contida nos Panama Papers, sobretudo desde que o presidente Rafael Correa divulgou, em 5 de abril, por sua conta no Twitter, os nomes dos seis jornalistas que participaram no projeto.
Sobre os jornalistas equatorianos afetados – Arturo Torres, Andrés Jaramillo e Alberto Araujo do jornal El Comercio de Quito; Mónica Almeida e Xavier Reyes do jornal El Universo de Guayaquil, e Paul Mena da Universidade San Francisco de Quito – Claudio Paolilo, da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), responsabilizou o presidente Correa pela integridade física deles e por sua “contínua política de intimidação” contra os que “cumpriam seu tranbalho informativo”.
Ao publicar notas sobre equatorianos que têm interesse e operações em paraísos fiscais junto à Mossack Fonseca, os leitores foram informados de temas de interesse público, disse Torres.
Torres assegurou que no caso dos Panama Papers, no El Comercio priorizou-se revelar temas de interesse público que afetam a comunidade equatoriana. Nesse sentido, continuou Torres, é que publicaram duas matérias: uma sobre a criação de empresas offshore do Grupo Ortega Trujillo no Panamá; e outra sobre a relação de uma empresa chinesa, que possui vários contratos com o Estado, com empresas que operam em paraísos fiscais.
De outro lado, Lourdes de Obaldía, diretora do jornal panamenho La Prensa, declarou ao Centro Knight que as reações mais adversas às investigações dos Panama Papers publicadas por seu diário vieram da sociedade civil. O governo não se pronunciou, segundo ela.
Obaldía disse que a sociedade civil se preocupa que se esteja “vendo a árvore e não o bosque”, com relação à magnitude das reportagens publicadas a partir dos Panama Papers.
Panamá, há muitas décadas, vive “níveis absurdos de corrupção”, afirmou a diretora de La Prensa, mas, acrescentou, há muito tempo deixou de ser um paraíso fiscal.
“Eu considero que [a revelação das investigações dos Panama Papers] é um dos golpes mais duros que o país recebeu, mas que o Panamá vai sair fortalecido, porque vai haver um antes e um depois no quesito transparência”, observou Obaldía.
Não apenas receberam ataques da sociedade civil, segundo Obaldía, mas também dos meios de comunicação de propriedade do ex-presidente Ricardo Martinelli (2009-2014). Os demais colegas mostraram solidaridade com os trabalhadores da La Prensa, acrescentou.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.