A fragmentação da mídia no ambiente digital traz riscos para o jornalismo e para o cidadão nas sociedades democráticas, alerta o jornalista brasileiro Ricardo Gandour, diretor de conteúdo do Grupo Estado e pesquisador visitante da Columbia Journalism School, dos Estados Unidos.
A constatação é resultado de um estudo cujos resultados preliminares Gandour apresentou no Fórum Mundial de Editores, organizado pela Associação Mundial de Meios Informativos (Wan-Ifra) no dia 14 de junho em Cartagena, na Colômbia.
Na ocasião, Gandour mostrou um vídeo com uma animação que ele produziu descrevendo as causas e os riscos dessa fragmentação e sugerindo o que pode ser feito para que o rigor jornalístico seja preservado. O estudo deve ser publicado no próximo mês pela Columbia Journalism Review.
Um dos principais efeitos da fragmentação digital, segundo Gandour, é a polarização. Nas redes sociais, a disseminação de boatos e de opiniões baseadas em fatos não confirmados acaba gerando reações instantâneas e superficiais, e com isso os debates perdem nuance.
Outro efeito está relacionado ao consumo de informações. As pessoas podem estar perdendo a habilidade de diferenciar fato de opinião, e notícia, de propaganda.
Para Gandour, o alerta não deve ser entendido como uma resistência a mudanças. “Você pode celebrar e usar as maravilhosas possibilidades que a tecnologia e os ambientes digitais têm produzido, e ao mesmo tempo refletir e discutir assuntos importantes do jornalismo, sem que uma coisa seja excludente da outra,” afirmou o jornalista ao Centro Knight para o Jornalismo nas Américas. “O fato de se levantar uma discussão importante não significa que você esteja negando os avanços.”
Além desse trabalho sobre os perigos da fragmentação dos meios de comunicação, Gandour também apresentou no congresso mundial da WAN-IFRA dados de dois estudos que ele vem realizando e que estão focados especificamente no jornalismo brasileiro.
No primeiro deles, feito em parceria com a Associação Nacional de Jornais (ANJ), foram entrevistados profissionais de 60 jornais brasileiros – o que corresponde a 80% da circulação dos diários tradicionais no país. O objetivo foi medir como a alocação de recursos por editoria ou seções dos jornais mudou nos últimos dez anos.
O estudo confirma com dados o que profissionais já suspeitavam nas redações: a maior parte dos jornais brasileiros encolheu, tanto em páginas quanto em número de jornalistas. Mas a pesquisa também traz um resultado animador: apesar do encolhimento, houve uma tentativa de preservação da cobertura de política. Ou seja, menos redações cortaram jornalistas e páginas nesta editoria.
Num outro estudo, Gandour mediu o número de interações (“curtidas” ou “likes”, recomendações e comentários) em cada post publicado por jornais brasileiros no Facebook, e comparou os dados com a atividade digital dos governos dos Estados nos últimos três anos. A primeira constatação foi o aumento da presença de governadores no Facebook. Se em 2013, apenas 17 dos 27 governadores brasileiros tinham atividade digital naquela rede social, neste ano, só dois não têm.
A pesquisa mostra que, se a atividade jornalística recuar, os cidadãos ficarão mais sujeitos a receber informações apenas de fontes oficiais, tendo menos acesso a pontos de vista alternativos.
“É um dado que mostra que a informação oficial caminha a passos tão rápidos quanto os jornais. Ou seja, se os jornais recuarem na sua atividade, o cidadão pode estar relativamente mais exposto à informação oficial, que no Brasil a gente chama de ‘chapa branca’”, ressaltou Gandour.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.