O futuro do ex-presidente do Panamá, Ricardo Martinelli (2009-2014), será definido neste 25 de março, quando o tribunal penal eleitoral vai notificá-lo oficialmente. Depois disso, a justiça poderá exigir que ele volte ao país para responder por diferentes acusações. Uma delas está ligada a supostas interceptações ilegais e espionagem de jornalistas, membros da oposição e da sociedade civil e até mesmo funcionários e parentes.
O escândalo veio à tona no final de 2014, quando se divulgou que a administração de Martinelli gastou mais de 13 milhões de dólares na compra de equipamentos e software de uma empresa israelense em meados de 2010 com fundos do Programa de Ajuda Nacional (PAN), um plano de ajuda social. Tais equipamentos, com os quais foram feitas as interceptações, tinham a capacidade de captar os dados de qualquer celular, copiar seus arquivos de áudio, vídeos e imagens, e inclusive podia ativar as câmeras para gravar sem ser detectado.
Os equipamentos dirigidos ao Conselho Nacional de Segurança, uma entidade que responde diretamente à Presidência, estão desaparecidos. Contudo, foram encontradas gravações, transcrições e vídeos que permitiram ao Ministério Público iniciar uma investigação. O atual presidente do país, Juan Carlos Varela, pediu a Israel informações sobre a transação.
Por estes fatos, no último dia 12 de janeiro, Gustavo Pérez e Alejandro Garuz, ex-diretores do referido Conselho, foram presos e condenados pelos crimes contra a inviolabilidade do secredo e o direito à intimidade. De acordo com o Ministério Público, é possível que ao menos 150 pessoas tenham sido vítimas de escutas, um fato que muitos já suspeitavam em razão dos pronunciamentos públicos feitos pelo ex-mandatário.
“Martinelli era uma pessoa que não tinha filtro”, disse Lourdes de Obaldía, diretora do jornal La Prensa, em entrevista com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas. “Inclusive em uma assembleia geral de acionistas do La Prensa nos disse ‘tenho os expedientes de todo mundo aqui’.
“Não denunciamos as escutas porque a institucionalidade do Panamá estava muito debilitada”, acrescentou De Obaldía. “Mas falávamos das ameaças diretas, da estigmatização e das campanhas feitas contra jornalistas e diretores do jornal.”
A administração de Martinelli se caracterizou por ter uma relação hostil com os meios – por exemplo, durante seus discursos era comum atacar os meios críticos a seu governo e que publicavam informação relacionada com supostos casos de corrupção – com La Prensa teve uma relação particularmente difícil devido a suas publicações.
Uma das investigações realizada pelo La Prensa foi publicada em 2013 e destacava que familiares de Martinelli teriam supostamente recebido subornos relacionados com o ex-presidente da Itália, Silvio Berlusconi. Em pouco tempo, sua página sofreu um ataque cibernético que impossibilitou seu acesso.
Por este motivo, Martinelli não hesitou em utilizar sua conta de Twitter para desacreditar e atacar o veículo, o qual acusou em várias ocasiões de “inventar” a informação que publicava. No Relatório de 2013 da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) foram documentadas as diferentes agressões e declarações estigmatizantes contra La Prensa.
Mas as agressões não ficaram no plano verbal. De acordo com De Obaldía, um ano e meio depois do início do mandato de Martinelli, toda a publicidade oficial do periódico foi suspensa. O jornal ainda enfrenta processos de quase 50 milhões de dólares.
Roberto Eisenmann, fundador do La Prensa, e bastante crítico da suposta corrupção no governo do Panamá, foi alvo de auditorias de impostos inusuais. Eisenmann e Martinelli tiveram vários enfrentamentos pelas redes sociais e se acredita que Eisenmann está dentro das possíveis vítimas de escutas.
Outras denúncias de corrupção
Embora o escândalo das escutas tenha tido bastante repercussão no Panamá, o caso pelo qual Martinelli pode ser obrigado a voltar ao país é a denúncia por supostas irregularidades no contrato de 45 milhões de dólares para a compra de comida desidratada também com dinheiro do Programa de Ajuda Nacional (PAN). Um processo que começou em 28 de janeiro quando a Corte Suprema de Justiça (CSJ) admitiu o conhecimento da denúncia.
Em 28 de janeiro Martinelli deixou o país para ir à Guatemala participar pela primeira vez como deputado do Parlamento Centroamericano. Desde então não voltou ao Panamá, e embora não haja informação clara sobre seu paradeiro, é possível que esteja nos Estados Unidos. Não obstante, o ex-mandatário se pronunciou por diferentes meios e pelo Twitter denunciando que se sente um perseguido político e que não voltará ao país por não contar com garantias.
Ainda que não haja uma decisão definitiva sobre o futuro de Martinelli, seu possível julgamento é recebido como uma boa notícia para a liberdade de expressão e para o sistema de justiça do país.
“O panamenho está bastante positivo. Nunca um ex-funcionário de peso foi julgado”, disse De Obaldía. “E não é que não tenha havido governos corruptos. O caso de Martinelli foi um duro golpe à institucionalidade do país, assalto aos fundos públicos através de superfaturamento e endividamento, e um constante ataque aos direitos fundamentais”.
*Este artigo contou com a colaboração de Mariana Muñoz, estudante na turma “Jornalismo e Liberdade de Imprensa na América Latina” da Universidade do Texas em Austin.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog Jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.