Criado em março de 2018 pela jornalista Mara Luquet e o ator e roteirista Antonio Tabet, o canal brasileiro de jornalismo no YouTube, MyNews, completou dois anos com um público crescente de 345 mil inscritos, cerca de 30 pessoas contratadas e lucro de mais de meio milhão de reais em 2019.
O canal foi uma das quatro iniciativas brasileiras que receberam investimento do YouTube News Innovation Funding em 2018, que distribuiu US$ 25 milhões de dólares globalmente. "O YouTube nos disse que nós somos o benchmark de jornalismo na plataforma no mundo", disse Luquet ao Centro Knight, durante um café em São Paulo, antes da gravação do programa Segunda Chamada, em fevereiro.
O diretor de notícias e esportes do YouTube Brasil, Eduardo Brandini, afirmou ao Centro Knight, por email, que o MyNews é "uma importante iniciativa de jornalismo que desde o seu lançamento focou no YouTube como sua principal plataforma de produção e distribuição".
Um documento de apresentação do canal, publicado no site do Google News Initiative, diz que, nos onze primeiros meses de 2019, o MyNews teve um crescimento de 130% de inscritos e dobrou a média de visualizações mensais, passando de 1 milhão para 2 milhões. No mesmo período, a receita cresceu 16 vezes, e a média de tempo assistido passou de 12,5 minutos para 15 minutos.
Atualmente, o canal tem 14 programas no YouTube, em formatos variados e gratuitos, que incluem debates, entrevistas e colunas, principalmente sobre política, economia e finanças. Entre eles, o Segunda Chamada, programa de maior audiência do MyNews que vai ao ar toda segunda-feira às 20h30, discute temas da semana com entrevistados e autoridades, como o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, ou o vice-presidente general Hamilton Mourão.
Na análise do Google, a liberdade dada aos jornalistas para inovar e testar novos formatos é considerada crucial para o crescimento sustentável do canal. O MyNews experimentou com vídeos focados em uma personalidade, em que o apresentador é sempre o mesmo. Esse modelo gerou muito engajamento, porque a audiência se sente mais próxima e íntima do apresentador. Formatos explicativos e de debate fizeram sucesso com os jovens, ainda de acordo com a análise do Google.
Como dicas, o documento sugere estimular a equipe a usar novas tecnologias e ter paciência, para criar uma estratégia de vídeo digital aos poucos. "Crie uma cultura para que a equipe curta o processo de descoberta criativa tanto quanto a produção", segundo a análise.
Luquet conta que a entrada de Tabet na iniciativa foi muito importante, porque ele trouxe, entre outras coisas, a sua experiência com o canal humorístico Porta dos Fundos, no YouTube.
"Ele chegou na Internet quando era tudo mato. A gente aprendeu com ele que YouTube não é TV. Por exemplo, em uma das nossas primeiras reuniões estávamos definindo a grade. E ele falou: 'Internet não é assim não. Você lança dois ou três programas e, se der certo, vai. Se não der, tira'. A grade vai se formando ao longo do tempo, de acordo com o feedback das pessoas", explica Luquet, que tem uma trajetória de jornalismo impresso e de televisão.
Uma das grandes diferenças, segundo ela, é a interação com o público, que participa mais. "A nossa chefia é a audiência, eles mandam pauta, críticas. A gente lê tudo, absorve, e usa para construir o canal", diz.
Como o formato do MyNews é considerado inovador e há poucas referências do tipo na Internet, os aprendizados acontecem por meio de tentativa e erro. Luquet cita o caso do Segunda Chamada, que tem uma hora de duração ou mais. "Todo mundo falou que a gente estava maluco, que na Internet os vídeos precisavam ter dois minutos para viralizar. Hoje o Segunda Chamada é o nosso programa de maior audiência, já teve mais de um milhão de visualizações. As pessoas ficam até o final e comentam. Não é robô, não é hater", afirma.
No caso do MyNews, alguns programas são mais informais do que o jornalismo televisivo, mas Tabet diz que essa não é uma regra. "Faço humor porque sou comediante, mas não tem uma linguagem específica, estamos criando a nossa linguagem. Somos vanguarda nesse aspecto. É completamente empírico, tem funcionado com a gente esse modelo, mas pode ser que outros funcionem, não quer dizer que descobrimos a pólvora", afirmou ele ao Centro Knight, enquanto fazia um lanche rápido antes da gravação de um programa.
Sobre a informalidade, Tabet comenta que é "bastante libertador" poder tratar autoridades com um tom diferente, com o qual elas não estão acostumadas. E isso cria um ambiente mais descontraído para as entrevistas. Quando o Centro Knight acompanhou a gravação ao vivo do Segunda Chamada, em fevereiro, Tabet iniciou o programa, com o ex-presidente Michel Temer, perguntando: "Tá com saudade do seu ex? O MyNews traz o ex de volta". O comentário do humorista arrancou um sorriso do ex-presidente brasileiro, conhecido pela sua formalidade.
Outro feedback que o Google deu para o MyNews é de que o canal tem trazido para o YouTube um público que não estava na plataforma, de mais de 25 anos. Além disso, a audiência do canal tem migrado do celular para a smart TV. "Tem famílias vendo", conta Luquet.
Um dos trunfos do MyNews é aproveitar estúdios de parceiros para reduzir custos, ao invés de montar uma estrutura em cada cidade. Eles usam um estúdio da Bolsa de Valores para gravar um programa de economia em São Paulo e o YouTube Space do Rio para o Segunda Chamada. Além disso, o MyNews aluga espaços em São Paulo e Brasília e ajudou seus jornalistas a montarem estúdios em suas casas. O canal tem hoje cerca de 30 funcionários fixos e 20 colaboradores – todos os jornalistas e colunistas são remunerados.
Luquet diz que, com as novas tecnologias, os jornalistas agora "têm os meios de produção nas mãos". "O YouTube deixa a gente usar o YouTube space no Rio, em Nova York, em Londres, Los Angeles. Você chega lá e tem equipamentos, técnicos. A gente precisaria montar estúdio, ter concessão de TV, não íamos ter dinheiro para isso. Somos só um grupo de jornalistas".
Luquet se entusiasma falando do sucesso do MyNews que, segundo ela, mostra que há "uma demanda enorme da audiência por jornalismo". "Virou moda falar que o jornalismo acabou, isso me irrita profundamente. Não acabou, pelo contrário, dá para fazer um monte de coisa. Nunca foi tão importante o jornalista como agora", diz.
A credibilidade, integridade e o compromisso com a qualidade são fundamentais para o crescimento do MyNews, de acordo com o estudo de caso publicado pelo Google. Eles passaram por um "rigoroso processo de contratação" e desenvolveram um código de ética, para que toda a equipe estivesse alinhada. "Desde o início, o MyNews colocou a credibilidade e a integridade no centro da sua estratégia. Eles descobriram que os parceiros prospectivos e novas audiências respondem bem a essa abordagem", afirma o documento.
Em vídeos institucionais, o canal se vende como "jornalismo com liberdade" e "sem viés ideológico". E afirma que vai trazer diversidade e pluralidade de ideias para combater a polarização na sociedade brasileira.
Tabet afirma que decidiu se envolver com jornalismo por estar decepcionado com a imprensa. "Vi muito jornalista fazendo matérias tendenciosas, que tinham interesses por trás", conta. Quando soube que Luquet tinha interesse em criar um projeto, Tabet quis participar. "Era fã de ouvir a Mara na rádio", justifica.
Ele afirma que, em tempos de polarização, a imprensa tradicional não tem feito um bom trabalho em promover debates plurais. "Normalmente, os maiores veículos ou têm uma corrente majoritária na sua linha editorial ou eles confundem pluralidade de opinião com opiniões muito extremadas dos dois lados, com colunistas de extrema esquerda ou de extrema direita para atrair as bolhas. Você não vê o bom senso sendo privilegiado, você vê a política do caça-clique. O bom senso virou uma moeda de pouco valor", diz ele.
Segundo Tabet, o MyNews se diferencia por trazer pessoas variadas e promover debates equilibrados, em que as pessoas "concordem em discordar". Ele defende que muitos jornalistas têm confundido entrevista com convencimento, e que o objetivo do MyNews é extrair dos entrevistados o que eles têm de melhor.
"Não queremos convencer ninguém de nada. Quando a grande imprensa chama os extremos, ela geralmente chama ao mesmo tempo para gerar um conflito, querem ver a briga no ar, eu não quero isso. Quero que um cara de direita ouça uma pessoa de esquerda no nosso programa e pense: 'ih, não é que ele tem alguma razão nisso?' E o contrário também".
Luquet concorda. Ela diz que o compromisso do canal é "ouvir todo mundo". Além disso, a jornalista reforça que tem uma preocupação com o rigor da notícia. "A gente não pode se dar ao luxo de dar algo que não tenha sido checado e rechecado, porque estamos iniciando a nossa vida, e tudo o que eu quero é que o público confie na gente", diz ela.
Atualmente, o canal se financia com um modelo de negócio misto. A maior parte da receita vem de patrocínios e uma pequena parte vem de assinaturas e do AdSense (serviço de publicidade do Google).
Os responsáveis pelo MyNews não revelam os valores dos patrocínios, segundo eles, por motivos contratuais. Explicam que o formato é sempre customizado, construído junto com os patrocinadores. No início, algumas empresas decidiram investir no canal como um todo, houve também casos de programas criados com o nome de algumas marcas, como o Economia é Genial, que já não existe –o nome vinha da corretora Genial. A Empiricus, casa de análise de investimentos, patrocina um programa no MyNews, o Baita Grana, por exemplo.
O objetivo do canal, entretanto, é aumentar a participação das assinaturas e do AdSense na receita. Luquet aposta principalmente no aumento do número de assinantes, que pagam R$ 7,99 por mês. Ela espera que essa se torne a principal fonte de receita do MyNews. Os membros recebem conteúdo exclusivo, podem ver programas antes dos outros e enviar perguntas ao vivo, por exemplo. "Eu interrompo o programa pra fazer a pergunta do assinante. Ele é o nosso rei, é o cara que apoia o jornalismo", afirma ela.
Inicialmente, a ideia era oferecer canecas, camisetas e outros produtos para os membros. "Mas eles [Google] nos mostraram, com uma pesquisa, que o que mais atrai o assinante é conteúdo diferenciado, o que é muito legal. As pessoas querem jornalismo de qualidade", comemora.
Luquet, que trabalhou em alguns dos principais veículos do país e fez carreira no jornalismo econômico, decidiu sair do seu emprego na TV Globo para montar seu próprio negócio em 2018. Na época, ela optou pelo novo caminho não por estar insatisfeita na TV Globo, onde trabalhou por quase dez anos, mas por ter o desejo de empreender.
A jornalista se diz apaixonada por tecnologia e via as novas ferramentas como uma oportunidade. "Fiz isso várias vezes na minha carreira, saí de revista, fui pra jornal, depois pra TV. Gosto de desafios. Estava fazendo as mesmas colunas há 10 anos, via esse mundo digital e sabia que dava para fazer coisa muito legal no jornalismo", explica.
Para ela, as grandes empresas de comunicação não estão lidando bem com as novas tecnologias. Ao invés de investir para mudar o modelo de negócio, optam por demitir mais jornalistas, afirma Luquet. "Via muita gente boa, experiente, fora de redação. Temos que aproveitar isso".
Não foi preciso juntar muito dinheiro para iniciar o canal, conta a jornalista, porque eles tiveram patrocinadores desde o início. E, cerca de seis meses depois, ela já recebia alguma remuneração pelo MyNews. "Hoje ganho mais do que ganhava na Globo", diz.
Questionada sobre quais dicas daria para outros jornalistas que pensam em abrir canais no YouTube, Luquet responde de forma simples. "Façam, porque há demanda por informação".