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Jornalista é alvo de mais de 60 processos judiciais após cobertura de suposta fraude no ensino no Ceará

Uma série de reportagens sobre uma suposta fraude em avaliações do ensino público de Sobral e outras cidades no Ceará, região Nordeste do Brasil, motivou até o momento 63 processos judiciais contra o jornalista Wellington Macedo.

Em setembro de 2018, Macedo publicou em seu canal no YouTube a reportagem em vídeo “Educação do Mal”, em que estudantes, pais e ex-professores de escolas de Sobral, Coreaú e Itapajé denunciam um suposto esquema para fraudar avaliações do ensino.

Wellington Macedo

Wellington Macedo in a screenshot from the Educação do Mal video report

Depois disso, Macedo foi acionado em 59 processos movidos por diretoras e diretores de escolas de Sobral, representados pelo advogado Charles Paiva, servidor da Secretaria de Educação do município. O jornalista também é alvo de outros quatro processos por calúnia e difamação, movidos pelo secretário de Educação de Sobral, por uma professora e por duas diretoras de escolas, segundo o jornalista relatou ao Centro Knight.

No dia 19 de fevereiro foi realizada em Sobral a primeira audiência reunindo os 59 processos de diretoras e diretores contra Macedo. Cada um pede indenização de R$ 38,1 mil, o que resultaria em R$ 2,2 milhões caso o jornalista seja condenado em todas as ações, conforme reportou a Folha de S. Paulo.

A defesa de Macedo, que havia solicitado a audiência única para os 59 processos, apresentou um pedido de contraposto em que acusa seus acusadores de assédio judicial e pede R$ 10 mil de indenização a cada um, disse o jornalista. O pedido está sendo analisado pelo juiz responsável pelo caso.

Macedo afirmou que há diretoras entre as titulares dos 59 processos que foram “enganadas” pela Prefeitura de Sobral e sequer sabiam do que se tratavam as ações. “Duas delas me relataram que, quando foram chamadas para reunião [pela Prefeitura], lhes foi dito que quem entraria com o processo era a própria Prefeitura e elas eram apenas testemunhas”, disse. Segundo o jornalista, uma delas arquivou o processo de que era titular e outras estariam pensando em seguir o mesmo caminho.

O advogado Charles Paiva negou as alegações de Macedo em conversa com o Centro Knight. Segundo ele, as 59 diretoras e diretores procuraram a Prefeitura e solicitaram a abertura de processos contra Macedo por ele ter publicado “inverdades” sobre o sistema de ensino de Sobral. Ele afirma que a diretora que pediu o arquivamento de seu processo o fez por ter se mudado para outra cidade.

A Repórteres Sem Fronteiras (RSF) classificou como “perseguição” os processos contra Macedo. “A natureza orquestrada dos processos e a soma do valor totalmente desproporcional das indenizações compensatórias aparentam ser uma verdadeira campanha de intimidação e desestabilização para silenciar o jornalista”, afirmou Emmanuel Colombié, representante da RSF na América Latina, em nota no site da organização. “Este é um sério obstáculo à liberdade de informar, sobre um assunto importante de interesse público.”

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também disse que “repudia o assédio judicial” contra o jornalista. “A prática de mover dezenas de processos contra jornalistas em juizados de pequenas causas é uma estratégia de intimidação e, como tal, um atentado à liberdade de imprensa. Certa de que o Judiciário cearense seguirá decisões do STF [Supremo Tribunal Federal] e de outros tribunais em casos semelhantes, a Abraji espera que as ações sejam recusadas”, disse a entidade em nota.

Além dos processos, Macedo disse ter recebido “ameaças veladas” após a publicação das reportagens. Em depoimento ao Ministério Público Federal realizado em dezembro, o jornalista diz ter recebido “recados de terceiros sobre o risco de ser morto”. “Em Sobral eu ando de colete à prova de balas por baixo da roupa”, afirmou, acrescentando que se mudou da cidade por temer por sua segurança.

Cidade é referência no ensino público

Sobral ficou em primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) divulgado em setembro de 2018, segundo reportou a Folha de S. Paulo. O indicador é produzido a cada dois anos e calculado a partir da taxa de aprovação dos alunos nas escolas e das notas dos alunos em uma avaliação externa de matemática e português.

De acordo com a reportagem “Educação do Mal”, tanto as avaliações externas quanto a aprovação escolar dos alunos seriam fraudadas para impulsionar a performance das escolas e da cidade em indicadores de qualidade do ensino público.

Macedo disse que, durante a produção da reportagem, tentou falar com a Secretaria de Educação de Sobral sobre as denúncias, mas não obteve resposta. “Procurei [a Secretaria], mas ninguém fala, nem o secretário. Mandei um email para o secretário, responderam dizendo que iam marcar uma agenda. Esperei uma semana, retornei o email e não responderam mais”, afirmou.

Macedo encaminhou ao Centro Knight o email que enviou ao assessor de Comunicação da Prefeitura de Sobral, Marcos Mesquita, em agosto de 2018, solicitando uma entrevista com o Secretário de Educação. Ao Centro Knight, Mesquita disse não se lembrar de ter recebido o email, mas afirmou que, como se tratava de assunto da Secretaria de Educação, teria encaminhado a mensagem para a Assessoria de Comunicação da Secretaria, que seria a responsável por cuidar da solicitação.

Já a Assessoria de Comunicação da Secretaria da Educação de Sobral disse ao Centro Knight que “em nenhum momento” foi procurada por Macedo. “Sempre estivemos à disposição para visitas e entrevistas para todos os veículos de imprensa assim como já recebemos equipes de reportagem da Folha de São Paulo, Veja, Época, El País, Estadão, Nova Escola, entre outros”, afirmou o órgão.

A Secretaria também disse não ter “nenhuma relação” com os processos movidos por diretoras e diretores de escolas, mas não respondeu a questões sobre as denúncias presentes na reportagem de Macedo.

A reportagem de Macedo foi publicada poucas semanas antes da eleição presidencial de 2018, em que um dos principais candidatos era Ciro Gomes, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), que tem Sobral como seu berço político. A cidade tem como prefeito Ivo Gomes, também do PDT e irmão de Ciro. A qualidade do ensino na cidade e no Estado do Ceará foi uma das principais bandeiras de Ciro em sua campanha à Presidência. Ciro governou o Estado entre 1991 e 1994, enquanto seu irmão Cid Gomes (PDT) foi governador entre 2007 e 2015.

Segundo o jornalista, há investigações do Ministério Público e da Polícia Federal sobre as denúncias que ele apresentou em sua reportagem. O Ministério Público do Ceará confirmou ao Centro Knight a existência de uma investigação sobre a suposta fraude, mas não deu mais informações.

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