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Novo fundo é lançado com 2 milhões de dólares para apoiar jornalismo de interesse público no Brasil

O Brasil terá um fundo independente para apoiar o jornalismo de interesse público. Com aportes financeiros confirmados de cinco fundações filantrópicas no valor total de 2 milhões de dólares, o novo fundo foi anunciado no dia 13 de junho, durante o Festival 3i, realizado pela Associação de Jornalismo Digital (Ajor) no Rio de Janeiro. A ideia é que os primeiros apoios sejam realizados entre o fim de 2024 e o começo de 2025.

Segundo um comunicado de imprensa que tem sido enviado por email a organizações de mídia brasileiras e outros atores no campo do jornalismo, a criação do fundo começou a ser articulada há dois anos pela Ajor. A motivação foi o “reconhecimento da importância do jornalismo e da mídia de interesse público para garantir processos democráticos, tanto em escala nacional quanto local”.

“Embora haja um crescente reconhecimento da relevância do trabalho jornalístico, organizações de mídia no Brasil e no mundo continuam a enfrentar fragilidades estruturais e desafios de sustentabilidade financeira. A iniciativa pretende destinar recursos para fins institucionais dessas organizações, fortalecendo capacidades de gestão e desenvolvimento interno”, afirmou o comunicado.

Natasha Felizi, diretora de divulgação científica no Instituto Serrapilheira, e a jornalista Nina Weingrill são as consultoras responsáveis pela estruturação do fundo. Embora a Ajor tenha iniciado as conversas para sua criação, o fundo não é um projeto da associação. A ideia é que seja uma entidade independente e contemple também organizações que não são associadas à Ajor.

“O fundo está trabalhando com um recorte de mídias comprometidas com a pluralidade, diversidade e o interesse público”, disse Weingrill à LatAm Journalism Review (LJR). “Nesse sentido, não dá pra descolar o interesse público dessas outras duas palavras, porque estamos falando de organizações que atuam de formas diferentes, estão localizadas em contextos geográficos e sociais distintos e que atendem às demandas de informação de suas comunidades/públicos.”

“Dinheiro extra”

Weingrill apresentou a iniciativa durante o painel “Fundos de apoio ao jornalismo pelo mundo”, realizado no dia 14 de junho no Festival 3i.

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A jornalista Nina Weingrill, uma das consultoras responsáveis pelo novo fundo, apresentou a iniciativa durante painel no Festival 3i 2024. (Foto: Any Duarte/Festival 3i)

Felizi e Weingrill estão realizando uma consulta pública ao campo do jornalismo no Brasil e pedem que jornalistas, membros de organizações e associações jornalísticas, pesquisadores e gestores públicos e de entidades privadas respondam a este formulário online sobre “boas práticas e recomendações para um Fundo de Apoio ao Jornalismo Brasileiro”.

Além do questionário, também vão realizar entrevistas e grupos focais para colher as demandas e sugestões do campo. A partir dessa coleta e de uma pesquisa comparativa entre vários fundos de apoio ao jornalismo ao redor do mundo, Felizi e Weingrill vão propor um desenho de governança para ser implementado nos dois primeiros anos de atuação do fundo. Esse será um “período piloto”, disseram elas à LJR.

“O que nós construirmos agora é para testar, tanto o modelo de governança quanto as políticas de transparência e os mecanismos de seleção [para os apoios]. E, no final, haverá uma rodada de apoios dentro do período piloto”, disse Felizi.

O Fundo Internacional para Mídia de Interesse Público (IFPIM), a Fundação Ford, a Oak Foundation, a Luminate e a Open Society Foundations (OSF) são as instituições filantrópicas que já fizeram aportes ou se comprometeram a fazer aportes financeiros ao fundo, disse Felizi. O fundo espera receber contribuições de outras filantropias e também de empresas ou outras instituições, brasileiras e internacionais, que queiram fortalecer o jornalismo de interesse público no Brasil. Até o momento, nenhuma instituição filantrópica brasileira contribuiu financeiramente com o fundo.

As fundações que se comprometeram com a iniciativa já financiam organizações jornalísticas brasileiras, e a ideia é que o fundo não “canibalize” os recursos que já estão em circulação no setor. Segundo Weingrill, desde o início das conversas para o estabelecimento do fundo, realizadas pela Ajor e pela Oak Foundation junto a outras filantropias, a preocupação foi “discutir o que existe de recurso adicional” para o apoio ao jornalismo no Brasil.

Um dos esforços para monitorar o incremento do recurso investido por filantropias no jornalismo brasileiro foi um levantamento de quanto os principais financiadores investiram nos últimos dois anos. O valor estimado é de 13 milhões de dólares. Os dois milhões de dólares disponibilizados por essas fundações para o fundo pelos próximos dois anos são “dinheiro extra”, disse Weingrill.

No entanto, Felizi e Weingrill reconhecem que não é possível garantir que as filantropias continuarão apoiando iniciativas de jornalismo no Brasil enquanto investem no fundo.

“Não controlamos como as filantropias decidem colocar ou tirar dinheiro. Nossa proposta é trabalhar com muita transparência sobre isso, para que quando as filantropias tomarem decisões, possamos entender qual é o movimento que [o fundo] está operando dentro do campo, se vai adicionar ou tirar [recursos], ou se vai tirar por uma decisão estratégica [das filantropias]”, disse Weingrill.

Elas também destacaram que o fundo “não é a única saída” para o problema da sustentabilidade do jornalismo de interesse público no Brasil.

“É um novo ator no campo [do jornalismo]. Para as filantropias, é uma nova oportunidade de investir. Para o campo, é uma nova oportunidade de pleitear apoio. É um dos vários mecanismos de que precisamos e tem um tamanho que obviamente não dá conta da necessidade do campo inteiro. E tem que ser olhado com generosidade, [com a perspectiva] de que é algo que vem para somar e não necessariamente resolver o problema, mas para enriquecer esse ambiente”, disse Felizi.

“Melhor dinheiro”

Carolina Munis, oficial do Programa Brasil na Oak Foundation, foi uma das primeiras interlocutoras da Ajor na criação do fundo, em conversas que começaram em 2022. Ela tem participado da estruturação do fundo e falou à LJR sobre esse processo a partir de sua experiência como financiadora e do trabalho da Oak, que apoia iniciativas jornalísticas brasileiras desde 2014.

Segundo Munis, já desde 2021 veículos de mídia procuravam a Oak como possível fonte de apoio “mais do que qualquer outro setor da sociedade civil brasileira”. Nesse contexto, a fundação se deu conta de certa “limitação” para apoiar o jornalismo no Brasil.

“Enquanto uma fundação grande, com processos bastante desafiadores do ponto de vista administrativo e uma capacidade reduzida de fazer muitos e pequenos apoios financeiros, vimos uma limitação na nossa capacidade de apoio ao campo do jornalismo. Percebemos que não conseguíamos chegar a esse campo com escala, apoiando um grande número de grupos. E infelizmente a filantropia já reconhece que às vezes reproduz algumas assimetrias na forma de fazer financiamento”, disse Munis.

Essas assimetrias se dão no fato de que organizações de mídia no Sudeste, com alguma receita estável e lideradas por pessoas “com mais privilégios sociais” são as que têm mais facilidade para acessar apoios de fundações como a Oak e outras grandes filantropias, disse Munis. “São apoios importantíssimos a veículos importantíssimos, mas além desses veículos, precisaríamos também estar apoiando outros”, afirmou.

Portanto, a intenção é que o fundo não só disponibilize mais dinheiro para financiar o jornalismo de interesse público no Brasil, mas também “melhor dinheiro”, disse Munis.

“O fundo quer criar dinheiro novo e também aprimorar a forma como o recurso vem sendo distribuído no campo do jornalismo. Poder equalizar melhor a nível regional, racial, de tipo de veículo, etc, o recurso que está sendo injetado nesse campo e aprimorar a forma de fazer financiamento com mais apoio institucional às organizações, e não só em produção editorial, já muda muito a cara do jogo”, disse ela.

Munis reforçou que um dos propósitos do fundo é se tornar uma porta de entrada para financiadores que ainda não apoiam o jornalismo no Brasil.

“O fundo quer ser um agente que anima e mobiliza a agenda da filantropia em torno desse campo, e isso inclui a filantropia nacional e internacional”, afirmou.

Outra força dessa iniciativa, segundo Munis, é sua “presença e proximidade” ao campo do jornalismo, já que está sendo desenvolvido a partir das necessidades e recomendações das organizações de mídia e de outros atores relevantes no setor.

“Não é à toa que o fundo, ao ser criado, vem recebendo perguntas e provocações do campo do jornalismo que nunca antes tinham sido direcionadas à filantropia nos seus apoios bilaterais”, disse Munis.

“O fundo agora existe, tem um corpo no campo, uma agenda visível. As pessoas que o estão construindo estão frequentando os espaços do mundo do jornalismo. Estamos também em um campo de jornalismo cada vez mais organizado no Brasil, e acho que a Ajor facilita muito disso. Então, como todos os outros fundos independentes, ele presta contas a esse campo de uma forma muito mais viva, e vira exemplo também para outros diferentes campos de justiça social da sociedade civil.”

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