Assim como qualquer outra indústria, o jornalismo também deve fazer um acerto de contas sobre o seu papel na escravidão, disse Nikole Hannah-Jones, repórter do New York Times Magazine, durante sua palestra no ISOJ, “Cobrindo raça desde 1619 até os dias atuais”.
“Existem tantas indústrias envolvidas na instituição da escravidão, embora a gente tenha sido ensinado a pensar que as únicas pessoas que se beneficiaram ou que possuem qualquer responsabilidade pela escravidão são pessoas que realmente possuíam seres humanos, mas é claro que sabemos que não é assim”, ela disse.
Em uma conversa em 23 de julho com o moderador Jeff Jarvis, diretor do Tow-Knight Center for Entrepreneurial Journalism da Craig Newmark Graduate School of Journalism da CUNY, Hannah-Jones falou sobre seu The 1619 Project, vencedor do Prêmio Pulitzer, sobre os obstáculos que os jornalistas negros enfrentam na indústria e seus conselhos a estudantes de jornalismo negros e mentores.
É necessário, ela disse, que os jornalistas, independentemente da sua área de cobertura, escrevam sobre desigualdade racial. Não fazer isso, ela disse, seria ignorar a experiência vivida das comunidades negras e outras comunidades de cor.
Com a publicação do The 1619 Project, que examinou a escravidão nos Estados Unidos, Hannah-Jones disse que sentia uma grande responsabilidade porque sabia que, se seu trabalho falhasse, poderia acabar fechando as portas para jornalistas negros e outros jornalistas de cor que queriam empreender projetos semelhantes. Desde que o The 1619 Project foi publicado, Hannah-Jones fez uma parceria com Oprah Winfrey e Lionsgate para adaptar o projeto a uma série de TV, documentários e muito mais. Ela também assinou um contrato de vários livros com a Penguin Random House, que deve sair no outono de 2021.
Quando perguntada sobre como ela lida com o peso psicológico de ter a mídia de direita tentando desacreditar o seu trabalho e a sua pessoa, ela disse que não é algo em que ela passa muito tempo pensando.
"Eu tenho um poder de escrever sobre as coisas na maior plataforma do mundo de uma maneira que pode mudar a conversa nacional", disse ela. "Tento canalizar isso para mais trabalho e tento usar o privilégio que tenho em benefício do meu povo".
Quando perguntada por Jarvis como seriam reparações no jornalismo, Hannah-Jones disse que era uma pergunta que ela gostaria de pensar mais, mas ofereceu a resposta de que as reparações teriam que ser monetárias e precisavam ir além da renomeação de um prédio ou a contratação de mais jornalistas negros. Como indústria, o jornalismo tem se saído mal ao contratar jornalistas negros e reter esses talentos.
"As indústrias estão procurando por pequenos níveis de diversidade racial, mas querem diversidade fenotípica", disse ela. "Eles querem pessoas que são racialmente diferentes, mas ideologicamente iguais."
Ela falou sobre sua experiência no The Oregonian, onde trabalhou por seis anos, período durante o qual disse que estava pensando em deixar a indústria completamente. É uma experiência comum para jornalistas negros, latinos e indígenas que entram nas redações e são expulsos.
“Nosso setor é baseado em transparência e prestação de contas ... e nos recusamos a ser responsáveis e transparentes sobre quem contratamos. Eu acho isso tão hipócrita”, ela disse. "É uma vergonha para o nosso setor que a gente se recusar a ser transparentes nessas coisas".
Quanto ao conselho que ela daria aos jornalistas de cor, Hannah-Jones disse que é um trabalho desafiador e que é preciso muito esforço para encontrar editores para aceitar as histórias que você sugere. Oferecendo conselhos, Hannah-Jones disse que analisava as decisões dos editores e depois reformulava sua pauta para transformar em algo que seria aprovado.
“Encontre um mentor em algum lugar que possa ajudar a abrir portas e guiá-lo. Você tem que encontrar pessoas que abrem portas”, disse ela.
Os mentores também são essenciais para nutrir aspirantes a jornalistas. Eles não deveriam "presumir que o silêncio [dos estudantes] é por desinteresse", especialmente quando são estudantes que são a primeira geração das suas famílias em universidades e vêm de comunidades marginalizadas, disse Hannah-Jones.
Jarvis complementou: “Esteja consciente da síndrome de impostor e que você é a cura para isso como mentor. Há um viés no silêncio".
Quando perguntada se ela se considera uma educadora, Hannah-Jones respondeu que o ensino está embutido em sua escrita, pois ela está dizendo aos leitores o porquê e o como e fornecendo contexto para decisões de anos atrás. O elemento da educação, acrescentou, permite a compreensão e, assim, a empatia de querer fazer algo sobre a injustiça.
"Tem muita coisa errada no mundo e eu quero que o meu jornalismo ajude a corrigir isso", disse Hannah-Jones. “Não apenas escrevo e tento educar, como ensino em todo o país sobre o que escrevo. Dessa forma, espero que meu jornalismo seja educacional.”
Veja a palestra completa aqui.