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Migalhas adquire Congresso em Foco em movimento que pode indicar consolidação de mídia digital no Brasil

  • Por Júlio Lubianco and Pollyanna Brêtas
  • 10 dezembro, 2024

O portal Migalhas, especializado na cobertura do Judiciário no Brasil, adquiriu o site Congresso em Foco, um dos principais e mais inovadores veículos dedicados à cobertura política do país, sinalizando uma possível tendência de consolidação de veículos nativos digitais.

A venda foi anunciada em novembro, mas O valor da negociação não foi revelado, em razão de cláusulas de confidencialidade. O acordo garante a continuidade das operações do Congresso em Foco nos moldes atuais, incluindo a manutenção da equipe, segundo o fundador do Congresso em Foco, Sylvio Costa.

De acordo com o comprador Miguel Matos, fundador do Migalhas, o plano para o Congresso em Foco inclui a expansão as atividades com foco em investimentos em tecnologia e produção audiovisual, visando ampliar a audiência. Não há, no entanto, a intenção de unificar as operações do Congresso em Foco e do Migalhas, mas sim de promover sinergia em determinadas coberturas.

“Editorialmente, a parte política se relaciona com o jurídico e elas podem otimizar o serviço, ganhar agilidade e conhecimento,” disse Matos, que é jornalista e advogado, à LatAm Journalism Review (LJR). “Mas o objetivo é manter a estrutura e melhorar ela muito. Hoje o C&F tem 25% do tamanho do Migalhas. A ideia é que o negócio cresça e melhore na parte de tecnologia. Tem mais espaço para área política do que para área jurídica.”

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O acordo de venda do Congresso em Foco prevê a manutenção da equipe, aqui retratada durante o Prêmio Congresso em Foco de 2024. (Foto: Congresso em Foco/Paulo Negreiros)

 

 

O Congresso em Foco se dedica à cobertura do Congresso Nacional, com foco inicial na performance individual dos parlamentares—algo inédito na época em que o portal foi fundado, em 2004. Mas, nos últimos anos, enfrentou desafios financeiros e estruturais, em parte devido ao crescimento da concorrência em Brasília, com novos veículos e redações mais bem financiadas, de acordo com Costa.

“Precisávamos de investimentos em tecnologia e pessoal qualificado para manter a qualidade," disse Costa à LJR. Após 20 anos liderando o veículo, ele decidiu passar o bastão. “Encontrei um comprador disposto a preservar a equipe e os valores do Congresso em Foco, mesmo com menor retorno financeiro.”

Por sua vez, Matos reconhece a força da marca e sua independência editorial do C&F e planeja ampliar o uso de vídeos, criar ferramentas de compartilhamento mais eficientes e integrar bom humor à cobertura política, característica que já marca o Migalhas.

“O Congresso em Foco manteve uma postura ética, mas precisa se atualizar em tecnologia e usabilidade,” disse Matos. “Hoje, as pessoas querem informações rápidas e ferramentas mais ágeis.”

Verticalização de veículos digitais

Lucas Calil, professor da FGV Comunicação Rio especializado em comunicação política, avalia que, embora o a compra do Congresso em Foco pelo Migalhas não represente uma tendência de mercado no país, pode apontar para uma lógica de verticalização de veículos nativos digitais no Brasil.

“Não é estrategicamente algo em vão e pode sim apontar uma nova lógica de consolidação e verticalização de portais digitais historicamente mais nichados que os grandes jornais do país”, disse à LJR.

Ele lembra que último grande ciclo de aquisições na mídia brasileira foi o da incorporação dos portais financeiros por bancos. Um dos principais exemplos foi a compra da revista Exame, especializada em negócios, pelo banco BTG Pactual por BRL 72,3 milhões em 2019.

Calil também analisou o impacto desse tipo de aquisição para o fortalecimento do jornalismo independente:

“Pelo ponto de vista qualitativo, acho bem-vindo esse tipo de movimento exatamente porque, por incorporações, os novos veículos mais robustos acabam se fortalecendo em relação a si próprios e em relação ao próprio ecossistema – hiperfragmentação não é sinônimo de independência, como as redes sociais nos ensinam há mais de uma década.”

 20 anos nos bastidores da política

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Sylvio Costa, fundador do Congresso em Foco: “Precisávamos de investimentos em tecnologia e pessoal qualificado para manter a qualidade. Encontrei um comprador disposto a preservar a equipe e os valores do Congresso em Foco.” (Foto: Arquivo Pessoal)

Mestre em Comunicação pela Universidade de Westminster em Londres, e com vasta experiência em redações de Brasília, Costa criou o Congresso em Foco para preencher uma lacuna na cobertura jornalística do Legislativo, em que predominavam, na sua avaliação, análises genéricas ou baseadas em bastidores.

“A gente queria mostrar como cada parlamentar votava, algo que na época era de consumo restrito a quem tinha acesso à mesa diretora,” recorda.

Com apenas quatro pessoas na equipe inicial, o Congresso em Foco começou pequeno, mas com grandes ambições. Em março de 2004, publicou a primeira lista de parlamentares com processos criminais no Supremo Tribunal Federal, marcando um divisor de águas na transparência política.

“Recorremos aos 11 ministros pedindo a relação dos processos que eles relatavam,” conta Costa. Entre 2004 e 2006, o veículo monitorou sozinho a assiduidade, os gastos de gabinete e outros aspectos do Congresso.

Um dos pontos altos foi o lançamento do Radar do Congresso, em 2020, uma base de dados pública e gratuita que reúne informações detalhadas sobre todos os parlamentares brasileiros, incluindo discursos, projetos e relatorias. Além disso, o veículo desempenhou papel crucial na exposição de escândalos, como o uso indiscriminado de passagens aéreas por deputados e senadores. A denúncia levou a uma economia de mais de USD 200 milhões desde 2009.

A credibilidade conquistada foi fundamental para superar crises, como perseguições comerciais e ameaças durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. Em 2018, o veículo publicou um editorial crítico à candidatura de Bolsonaro, que gerou forte repercussão, boicotes de anunciantes e ameaças à equipe.

Costa encara a venda do Congresso em Foco com orgulho de quem cumpriu o seu dever e também com uma certa dose de alívio por ter alcançado um acordo que mantém a integridade jornalística da sua criação. Ele pretende se aposentar no ano que vem, mas não descarta eventualmente explorar novos projetos na literatura e no audiovisual.

“Deixo o Congresso em Foco sem dívidas, com uma equipe competente e um potencial imenso para continuar fazendo jornalismo de qualidade,” conclui.

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