Enquanto o México se prepara para as eleições gerais de 1º de julho, o recente relatório conjunto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e da Organização das Nações Unidas (ONU) insta o governo do país a garantir a segurança dos jornalistas que cobrem o processo eleitoral devido à vulnerabilidade deles a ameaças e agressões físicas por atores políticos e terceiros.
A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da CIDH e o Escritório do Relator Especial para a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão da ONU foram convidadas no ano passado pelo governo mexicano a preparar um relatório completo sobre a situação dos direitos humanos no país.
Liderados por seus relatores, Edison Lanza (CIDH) e David Kaye (ONU), a missão visitou cinco Estados nos quais a maioria dos assassinatos e ataques contra jornalistas foram registrados nos últimos anos: Cidade do México, Guerrero, Veracruz, Tamaulipas e Sinaloa.
No relatório, os relatores concluíram que o México está passando por uma profunda crise de segurança que afeta seriamente os direitos humanos de sua população. De acordo com o documento, o enfraquecimento generalizado do estado de direito e da governança em nível local facilita e aumenta o número de homicídios, desaparecimentos e tortura, dos quais os jornalistas são frequentemente vítimas.
Para preparar o relatório, os relatores reuniram-se entre 27 de novembro e 4 de dezembro de 2017 com mais de 250 jornalistas, veículos de comunicação, missões diplomáticas e representantes da sociedade civil de 21 órgãos federais dos cinco estados visitados.
Autoridades do governo, jornalistas e organizações não-governamentais disseram a Kaye e Lanza durante sua visita ao México que o crime organizado conseguiu se infiltrar na vida pública no país, principalmente nos níveis estadual e municipal.
Em relação à impunidade dos crimes cometidos contra jornalistas nos últimos anos, o relatório observou que "o México fez pouco ou nenhum progresso na erradicação da impunidade desde 2010."
"A impunidade por assassinatos e outros ataques contra jornalistas foi documentada por instituições governamentais e organizações da sociedade civil, sugerindo que pelo menos 99,6% dos crimes permanecem sem solução", disse o relatório. Isto foi considerado pelos relatores como algo inadmissível por parte do governo mexicano que ainda não investiga os crimes cometidos contra jornalistas e não julga os responsáveis.
A Promotoria Especial para Crimes contra a Liberdade de Expressão (Feadle), criada em 2010, não ajudou a combater a impunidade nem a restaurar a confiança do público, segundo o relatório. Entre 2014 e 2018, observa o relatório, a Feadle viu seu orçamento reduzido em mais de 50%.
“Jornalistas, vítimas, organizações da sociedade civil e a Comissão Nacional de Direitos Humanos levaram o Relator Especial a concluir que Feadle não possui planos investigativos eficazes, não esgota todas as linhas de investigação, não identifica todos os indivíduos responsáveis pelos crimes (incluindo mentores e cúmplices) e não analisa o contexto em que os crimes ocorreram”, disse o relatório. A segurança das testemunhas também não é protegida e as provas policiais e forenses não são coletadas ou preservadas de maneira efetiva, de acordo com as informações e declarações recebidas pelos relatores.
Dos 84 assassinatos de jornalistas cometidos no México desde 2010, a Feadle determinou que 37 deles não teriam sido motivados pelo trabalho jornalístico da vítima. Dos 47 crimes em que foi identificada uma ligação com o trabalho jornalístico da vítima, há 28 investigações pendentes, 16 investigações que foram encerradas ou suspensas, e apenas em 3 casos foram abertos processos penais, explicou o relatório.
Portanto, os relatores pediram ao governo para aumentar o orçamento da Feadle, fortalecer a capacidade de seus investigadores e promotores e garantir sua independência como procuradoria especializada dentro da estrutura da Procuradoria Geral da República (PGR).
Sobre o que foi dito no relatório sobre a Feadle, a organização de direitos humanos Artigo 19 do México disse em um comunicado de imprensa que tanto a entidade quanto as agências de segurança estaduais aderiram a definições e critérios restritivos e excludentes sobre quem deveria ser considerado jornalista e que, por razões políticas, o trabalho jornalístico foi descartado como motivo dos crimes e as investigações foram realizadas sem padrões técnicos mínimos e proteção dos direitos humanos das vítimas.
Os relatores instaram todas as autoridades mexicanas a adotarem uma definição abrangente de jornalista, como a estabelecida pela Comissão Nacional de Direitos Humanos do México, que define um jornalista como toda pessoa que reúne, cria, processa, edita, comenta, pensa, divulga, publica ou fornece informações através de qualquer mídia, seja temporária ou permanentemente. Isso inclui comunicadores, mídia e suas instalações e seus trabalhadores, de acordo com o relatório.
Outra preocupação destacada no relatório é o ataque digital contra jornalistas e suas fontes, o assédio através de redes sociais e a vigilância secreta não supervisionada. Estes são os desafios mais recentes e alarmantes, disse o relatório.
Além disso, entre os principais temas analisados no documento está o dos jornalistas deslocados pela violência. De acordo com o relatório, a maioria dos jornalistas deslocados se muda principalmente para a Cidade do México, outros Estados ou mesmo outros países. Alguns jornalistas deslocados foram assassinados no Estado para onde se mudaram. O que os relatores conseguiram concluir é que não há uma estratégia abrangente para protegê-los, muito menos uma maneira segura de retornar ou ser realocado adequadamente.
Recentemente, Desplazados, o grupo que representa os jornalistas mexicanos que tiveram que deixar seu Estado devido a questões de segurança como resultado de seu trabalho, apresentou um relatório sobre o deslocamento interno ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. No relatório, o representante do grupo, Gildo Garza, afirmou que entre 2009 e 2017, 70 jornalistas foram forçados a fugir com suas famílias, conforme publicado pela organização Capital CDMX em seu site.
"O deslocamento forçado de jornalistas tem vários impactos: econômicos, trabalhistas, sociais e especialmente na liberdade de expressão, as comunidades onde esses jornalistas [residiam] não têm informação: Tamaulipas, Veracruz, Guerrero, Sinaloa, Chiapas, Chihuahua e outros Estados do México são reconhecidos pela CIDH em seu relatório como zonas silenciadas", disse Garza.
As organizações Artigo 19 do México, a Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos, Fundar, Centro de Análise e Pesquisa e R3D, Rede em Defesa dos Direitos Digitais, assinaram uma declaração conjunta em que fazem uma chamada ao governo mexicano para reconhecer o relatório de ONU e CIDH e cumprir suas recomendações, a fim de garantir a proteção integral dos jornalistas.