texas-moody

2015 foi o ano do jornalismo de dados no Brasil, concluem jornalistas em seminário da ANJ e Centro Knight no Google

O mais tradicional prêmio da imprensa no Brasil, o  Exxonmobil de Jornalismo (antes conhecido como Prêmio Esso), este ano foi para uma reportagem que teve como principal fonte uma base de dados pública e disponível na Internet. Dois integrantes da equipe do Estadão Dados, José Roberto de Toledo e Rodrigo Burgarelli, junto com o repórter Paulo Saldaña, levaram na noite do dia 12 de novembro a premiação na sua categoria principal, com a reportagem "Farra no Fiés".

Pela primeira vez o jornalismo de dados foi contemplado com o mais importante prêmio de jornalismo do país, uma amostra do amadurecimento do trabalho feito com dados em veículos de mídia. Os avanços sentidos nesse campo foram tema de um seminário organizado pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas e a Associação Brasileira de Jornais (ANJ) na sede do Google em São Paulo.

O Estadão Dados foi um dos primeiros núcleos de jornalismo de dados formado dentro de uma redação brasileira. Os profissionais da equipe se dedicam a capturar e tratar informações usando técnicas estatísticas, algoritmos e formas visuais de apresentação para o jornal O Estado de S.Paulo e o site Estadão.com. O trabalho pioneiro da equipe de José Roberto de Toledo, um dos principais evangelistas do uso de técnicas de reportagem com auxílio de computador - precursora das técnicas atuais empregadas no jornalismo de dados - tem ganhado espaço entre jornalistas brasileiros.

Na manhã do dia 12, se reuniram na sede do Google jornalistas experientes no trabalho com dados e estudantes do curso massivo online e aberto (MOOC) do Centro Knight "Técnicas Básicas do Jornalismo de Dados" que tiveram projetos de destaque durante o treinamento.

Rodrigo Burgarelli, antes de voar para o Rio de Janeiro para participar da cerimônia de premiação do Esso, participou do seminário e explicou como foi o bastidor da reportagem vencedora. "Coletamos dados disponíveis no site de transparência do Governo Federal. Foram muitas bases consultadas e eu precisei escrever um código para organizá-las. Essa matéria do Fiés só confirma o potencial de trabalho com dados, há muitos dados disponíveis que ainda não foram explorados", ressaltou o repórter. Daniel Bramatti, também do Estadão Dados, mostrou as publicações do Atlas Político, que reúne os principais trabalhos da equipe para explicar o cenário político brasileiro.

Na abertura do seminário, Natália Mazotte e Marco Túlio Pires, coordenadores da Escola de Dados e instrutores do MOOC do Centro Knight, mostraram alguns dados sobre cursos recentes que indicam o crescimento na demanda e na oferta de treinamentos sobre o uso de técnicas de jornalismo de dados. "Essa foi a maior turma em treinamentos massivos oferecidos em português pelo Centro Knight, com quase 5 mil inscritos. Os treinamentos presenciais pela Escola de Dados também têm crescido. A Abraji já vai para a terceira edição de seu curso online de jornalismo de dados. Estamos vendo um interesse crescente por conhecimentos que vêm de outras áreas, como estatística e programação, aplicados ao trabalho jornalístico", observou Mazotte.

Para Tiago Mali, coordenador de cursos da Abraji, é preciso aproveitar o bom momento do campo para estimular boas práticas entre jornalistas, como dar mais transparência ao processo de apuração e uso de dados, disponibilizando os dados brutos utilizados para outros interessados. "Essa é uma prática que já vemos em veículos como o Upshot do New York Times e o The Guardian. O jornalista sai do pedestal de narrador único e se abre para a horizontalidade da informação", explicou Mali em sua apresentação.

Novas iniciativas de jornalismo de Dados

Não só o Esso e o aumento do interesse de profissionais da imprensa fizeram de 2015 o ano do jornalismo de dados no Brasil. Novos empreendimentos independentes ancorados no jornalismo de dados despontaram esse ano, como a J++, primeira agência de jornalismo de dados do Brasil, e o Volt Data Lab, também dedicado a produzir histórias a partir de dados.

Os integrantes da J++ presentes no seminário contaram como a iniciativa vem buscando clientes e modelos de financiamento para emplacar projetos de jornalismo de dados em pequenas e médias redações. Thomaz Rezende, designer e um dos fundadores da agência, junto com Mazotte, Pires, Mali e Juan Torres, apresentou o projeto "Presos provisórios, danos permanentes", realizado com o programador Fábio Andrade para a organização Viva Rio.

Sérgio Spagnuolo, criador do Volt Data Lab, mostrou seus últimos trabalhos, como o mapeamento das barragens em risco no país e o mapa com os assassinatos de ambientalistas em 2014.

O seminário ainda teve a participação de profissionais que têm liderado esforços de formação de novas equipes de dados em veículos tradicionais de mídia. Denize Neumann, repórter especial do Valor Econômico, anunciou os planos do jornal de criar um blog de dados. "Queremos fazer mais visualizações e trabalhos interativos. Essa área no Valor está crescendo de forma orgânica, a partir da iniciativa dos próprios repórteres que entendem que os dados são muito necessários para dar mais contexto para as pautas", explicou Neumann.

Rafael Sbarai, da Globo.com, mostrou alguns cases de como o jornalismo de dados tem sido usado na área de esportes para gerar novas receitas para veículos, a partir do conteúdo patrocinado, dentro e fora do Brasil.

Estudantes do MOOC apresentam seus projetos

A mesa do Seminário de Jornalismo de Dados foi dividida entre os convidados, que apresentaram seus trabalhos e cases relacionados ao jornalismo de dados, e oito estudantes do MOOC Técnicas Básicas do Jornalismo de Dados, selecionados com os melhores projetos apresentados durante o curso.

Rogério Moreira Júnior (Jornal Notícias do Dia/Florianópolis), Lilian Venturini (Nexo Jornal/São Paulo), Eduardo Militão (Correio Braziliense/Brasília), Vivian Guilherme Marques (Jornal Cidade/Rio Claro), Pedro Thiago Ezequiel de Andrade (Freelancer/Fortaleza), Lucas Thaynan Gomes dos Santos (Universidade Federal de Alagoas/Maceió), Luana Alves Damaceno (Blog A Diabetes e Eu/São Paulo) e Tânia Campelo Alves (Código 12 Comunicação Integrada/São José dos Campos) mostraram seus projetos e debateram com os demais convidados os desafios e perspectivas para que o uso de dados se torne uma prática cotidiana dos jornalistas.

"Estou conseguindo aplicar muito do que aprendi no curso na minha rotina profissional. O curso abriu minha cabeça, desde então já publiquei várias matérias baseadas em dados no jornal", declarou Vivian Marques, do jornal Cidade de Rio Claro.

Ao final do evento, os participantes apontaram ideias para formar uma rede de jornalistas de dados e se preparar para a realização de um seminário maior sobre o tema no próximo ano.

O curso massivo Técnicas Básicas do Jornalismo de Dados foi o terceiro MOOC em português que o Centro Knight organizou em parceria com a ANJ, com o apoio do Google. O primeiro foi “Introdução à Visualização de Dados e Infografia” e o segundo foi "Introdução ao Jornalismo Móvel", ambos realizados em 2014. Antes dos MOOCs, a ANJ abriu sua parceria internacional para treinamentos com o Centro Knight com o curso de "Introdução ao Jornalismo de Dados" ministrado por José Roberto de Toledo.

Este também foi o 16º MOOC oferecido pelo Centro Knight da Universidade do Texas em Austin desde que lançou em 2012 seu programa pioneiro e único no mundo de cursos online abertos e massivos especializados em jornalismo. A iniciativa já beneficiou mais de 70 mil pessoas de 160 países.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog Jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

Artigos Recentes