No México, quando um jornalista faz uma pergunta crítica ao presidente durante suas coletivas de imprensa, ele é atacado nas mídias sociais. "O que acontece aqui é uma guerra digital contra a jornalista, uma raiva digital", disse a jornalista mexicana Gabriela Warkentin, da W Radio.
Warkentin foi um dos jornalistas convidados para o evento “Mídia e democracia em tempos de raiva digital e polarização na América Latina”, organizado pelo Centro Knight de Jornalismo nas Américas e pelo Instituto Teresa Lozano Longo de estudos latino-americanos, Llilas Benson, da Universidade do Texas em Austin, EUA. A conferência ocorreu no primeiro dia de novembro e foi transmitida via Facebook Live.
Nas "mañaneras", como são chamadas as coletivas do presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO), ele comunica informações oficiais, mas também responde a perguntas de jornalistas.
O México deixou de ter um governo que dava pouco mais de duas conferências por ano, a de Enrique Peña Nieto (2012-2018), a uma que realiza conferências diárias todas as manhãs de segunda a sexta-feira, ocupando todos os espaços de notícias da manhã, a agenda política e alcançando mais de um milhão de visualizações em um único dia.
Warkentin explicou a geografia dessas conferências. "Na primeira fila, as mesmas pessoas estão sempre sentadas", disse ele, que são os jornalistas que fazem ao presidente "perguntas favoráveis e longas". Atrás deles estão os outros jornalistas. Mas o que Warkentin aponta é a polaridade dessas conversas entre o governo e a imprensa durante as entrevistas, porque o presidente geralmente se refere à imprensa como sensacionalista quando se fazem perguntas que questionam seu governo.
"Considerando a esfera digital [no México], temos uma conversa muito polarizada", disse Warkentin. E "a mídia no ambiente digital ainda tem um papel importante como ponte entre os dois pólos extremos", disse ela.
No México, não há polarização 50-50 da opinião pública, o que se vê é uma tentativa dos diferentes atores de convencer as pessoas sobre uma versão dos fatos, de uma narrativa específica, explicou a jornalista mexicana.
Nesse sentido, o AMLO é um presidente que, segundo Warkentin, mantém as formas conservadoras de uma conversa respeitosa que caracteriza a sociedade mexicana. Portanto, quando ele ataca jornalistas críticos e os questiona ou os repreende por interromper, ele é visto pela sociedade como um homem respeitoso, explicou Warkentin. Embora ele tenha comparado jornalistas com cães, ela acrescentou.
Além disso, tenha um bom gerenciamento de redes sociais e tenha sua equipe treinada para responder a qualquer evento e, assim, chame a atenção da opinião pública e apoio, explicou a jornalista
Como exemplo, Warkentin apontou o que aconteceu em Culiacán em 17 de outubro passado, quando a cidade foi vandalizada por membros de cartéis de narcotráfico pela captura temporária do filho de Chapo Guzmán, ex-chefe do cartel de Sinaloa.
A jornalista mostrou um estudo, que ela conduziu com a Signa_Lab da Universidade Jesuíta de Guadalajara, nas conversas no Twitter que giravam em torno desses eventos e em alguns dos rótulos que ao final do dia tiveram mais impacto na opinião pública. A tag que gerou mais tráfego no Twitter, dentre as analisadas, foi o #AmloEstamosContigo, com mais de 260 mil tweets.
"A polarização é uma armadilha", disse Warkentin. Isso pode fazer com que as discussões entre as partes nunca cheguem a nada, explicou. A polarização também não permite espaço para cobertura de notícias com novos ângulos.
Além disso, o sistema de mídia no México continua a depender fortemente do orçamento oficial de publicidade e, desde que o novo governo entrou em operação, a mídia ainda não vê essa receita, disse o jornalista. "Há muitos jornalistas nas ruas". Portanto, de acordo com Warkentin, há mais autocensura para agradar o governo. Embora também haja novos tipos de mídia que estão mudando o cenário, ele disse, mas ainda temos que ver o que lhes acontecerá.
Também existem partes do México onde há um jornalismo local muito forte que tem um grande impacto em suas cidades, como Riodine e Northwest in Culiacán, no norte do país.
O México continua sendo o país mais perigoso sem conflitos no mundo para praticar jornalismo, o que força muitos jornalistas a ter mais de um emprego para ganhar a vida. Para Warkentin, esse é frequentemente o motivo pelo qual há tanta impunidade em crimes contra jornalistas, porque os promotores não consideram sua profissão um motivo de agressão ou assassinato.
E os ataques à mídia não vêm apenas de agressores comuns, como crime organizado, narcotráfico ou governo, explicou Warkentin. "No México, todos estigmatizam a imprensa", e esse é um contexto social que deve ser levado em consideração, acrescentou.