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Agências brasileiras de fact-checking são alvos de ataques virtuais devido a parceria com Facebook contra notícias falsas

Duas agências brasileiras de fact-checking e seus colaboradores têm sido alvo de ataques virtuais devido a uma recém-lançada parceria com o Facebook contra a disseminação de notícias falsas. Os ataques pessoais aos jornalistas e as críticas à idoneidade das agências têm partido de grupos de direita, que os acusam de tentativa de censura e de atuarem com um viés ideológico de esquerda, conforme reportagem do BuzzFeed News.

O Facebook e as agências Lupa e Aos Fatos anunciaram em 10 de maio o lançamento no Brasil do programa de verificação de notícias da rede social. A iniciativa surgiu em dezembro de 2016 nos Estados Unidos e desde então tem sido implementada em vários países, como México, Colômbia e Índia, sempre em parceria com organizações de checagem integrantes da International Fact-Checking Network (IFCN). A IFCN, parte do instituto de jornalismo Poynter, certifica as agências com base em critérios como apartidarismo e transparência nas fontes e no financiamento.

No Brasil, o Facebook convidou as duas agências para verificar os posts que usuários da rede sinalizem como falsos. Caso o conteúdo seja de fato considerado falso pelas checadoras, eles terão sua distribuição orgânica reduzida e não poderão ser impulsionados. Páginas que repetidamente compartilharem conteúdos considerados falsos terão seu alcance diminuído e não poderão fazer anúncios para ampliar seu número de seguidores.

Pessoas e administradores de páginas também serão notificados, ao tentarem compartilhar conteúdo considerado falso, de que sua veracidade foi questionada pelas agências. O texto com a checagem também poderá ser associado ao conteúdo questionado, de modo que ele chegue na timeline dos usuários acompanhado da verificação que o sinalizou como falso. O Facebook afirma que, nos EUA, esse método diminuiu em até 80% a distribuição orgânica de notícias consideradas falsas por agências de verificação.

Desde o dia 14 de maio, Lupa e Aos Fatos têm realizado as checagens de posts no Facebook e publicado o resultado em suas respectivas páginas. Já em 15 de maio, um usuário da rede social postou em um comentário a um post do Aos Fatos uma montagem com prints de posts e fotos de colaboradores da agência, retirados de seus perfis pessoais, acusando-os de ser “militantes pró-aborto, ideologia de gênero e vilipêndio” contratados pelo Facebook “para censurar posts e páginas”.

Conforme reportou o BuzzFeed News, perfis no Facebook e no Twitter de grupos de direita e pessoas públicas ligadas a esses grupos passaram a acusar as agências e seus profissionais de estarem tentando censurar a direita. Nas críticas, não há referências às checagens em si, mas a uma suposta inclinação dos veículos e de seus colaboradores a um viés ideológico de esquerda.

Também segundo o BuzzFeed News, esses grupos teriam produzido um documento de 300 páginas em que afirmam ter “checado os checadores” a partir de posts dos jornalistas em seus perfis nas redes sociais. Algumas páginas do documento foram publicadas por um usuário em seu perfil no Facebook e mostram a classificação ideológica dos jornalistas entre “esquerda”, “extrema esquerda” ou “indefinido” e questionando, com base nessa classificação, a idoneidade das agências. Além dos colaboradores de Lupa e Aos Fatos, também foram listados os jornalistas da Agência Pública, que faz o Truco, uma iniciativa de fact-checking também verificada pela IFCN. (Rosental Alves, diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, também aparece na lista por ser parte do conselho da Agência Pública).

O jornalista Leonardo Sakamoto, presidente da Repórter Brasil, também tem sido alvo de ataques. Em um artigo em seu blog, ele afirma que posts nas redes sociais têm afirmado que ele foi contratado pelo Facebook para censurar conteúdo na plataforma. “Sinto desapontar os haters, mas isso é uma notícia falsa sobre uma notícia falsa”, escreveu Sakamoto, que acredita ter sido associado à iniciativa devido ao boato recorrente de que ele seria proprietário da Agência Pública - que sequer faz parte do programa lançado pela rede social.

Cristina Tardáguila, diretora da Lupa, disse ao BuzzFeed News que “é muita ingenuidade acreditar que o fact-checking está sendo criado para demolir algum lado do espectro político”. Ela afirmou que a agência já recebeu críticas de pessoas de esquerda e de direita por identificar informações erradas em declarações de políticos dos dois campos. “Isso é do jogo, mas o volume de críticas prévias como está acontecendo agora eu nunca tinha visto”, disse Tardáguila.

Tai Nalon, diretora do Aos Fatos, afirmou que “não existe censura nem ataque à liberdade de expressão”. “O que existe é mais contexto e acesso ao contraditório”, disse ela ao BuzzFeed News, acrescentando que os jornalistas da agência “não participam de movimentos político-partidários, ideológicos ou movimentos sociais” e são orientados “a não emitirem opiniões sobre determinados temas”. “Se você cobre um tema não importa sua opinião, mas, sim, os fatos.”

O jornalista Alexios Mantzarlis, diretor da IFCN, publicou em 18 de maio um artigo no jornal Folha de S. Paulo em defesa da checagem de fatos e das agências e seus colaboradores. Segundo ele, os ataques “têm mais como alvo a iniciativa de checar fatos do que efetivamente o resultado desse trabalho”. Ele também citou um episódio ocorrido em 2017, quando um dos grupos dos quais emanam a ofensiva atual a Lupa e Aos Fatos atacou a reportagem do Truco, da Agência Pública. Na ocasião, após ser questionado sobre a fonte de uma informação publicada em sua página, o grupo enviou a foto de um pênis à repórter, acompanhada da frase “Check this!”, segundo relatou a Pública.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou uma nota de repúdio aos ataques ao jornalistas. “​​Para a Abraji, a crítica ao trabalho da imprensa é válida e necessária. Ao incitar, endossar ou praticar discurso de ódio contra jornalistas, porém, aqueles que reprovam as iniciativas de checagem promovem exatamente o que dizem combater: o impedimento à livre circulação de informações.”

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.