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Após 500 dias de retenção de papel pelo governo, jornal nicaraguense La Prensa negocia liberação do material

O jornal nicaraguense La Prensa informou que há uma negociação em curso para a liberação de toneladas de papel e de outros materiais, retidos pela aduana há mais de 500 dias, segundo uma nota do conselho diretor editorial, publicada nesta quarta-feira (05). O bloqueio tem imposto graves restrições à circulação do diário e ameaçado a sua sobrevivência.

No comunicado, o jornal denuncia a "asfixia econômica" promovida pelo governo de Daniel Ortega e Rosario Murillo, por meio da Direção Geral de Aduanas (DGA), "que viola a liberdade de expressão e o livre acesso à informação de todos os nicaraguenses; direitos estabelecidos na Constituição Política da Nicarágua".

Na primeira página de sua edição de 9 de setembro de 2019, La Prensa publicou o artigo 66 da Constituição da Nicarágua sobre o direito à informação. (Reprodução)

Na primeira página de sua edição de 9 de setembro de 2019, La Prensa publicou o artigo 66 da Constituição da Nicarágua sobre o direito à informação. (Reprodução)

Segundo a nota, o núncio apostólico Waldemar Sommertag (um representante da Santa Sé) iniciou a negociação para suspender o embargo na alfândega e conseguiu abrir um canal de comunicação com a DGA. Com isso, o jornal foi autorizado a inspecionar o material retido, em um processo de revisão da matéria-prima que se encontra nos armazéns fiscais, ainda de acordo com a nota.

"Depois de mais de 500 dias de retenção ilegal, Editorial La Prensa deve inspecionar o estado da matéria-prima para verificar se os insumos não sofreram danos como consequência da decisão arbitrária da DGA. Ao mesmo tempo, a retenção ilegal criou uma grande dívida por armazenamento que foi gerada pelo bloqueio aduaneiro e, portanto, não deve ser assumida por La Prensa", afirmou o jornal.

Em um editorial de 27 de janeiro, intitulado a "A ditadura estrangula La Prensa", o jornal diz que a Nicarágua corre o risco de ser o único país do mundo sem um jornal impresso. O editorial afirma que o La Prensa e o Hoy (outra publicação da empresa) são os únicos jornais de papel que sobraram no país – o La Prensa é publicado desde 1926.

O texto diz que a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) foi consultada e não há nenhum país no hemisfério ocidental que não tenha jornais impressos. "Em todo o planeta não há um só país sem jornais impressos em papel. Inclusive em estados falidos como Síria, Somália e Sudão do Sul há diários escritos", afirma o jornal.

O editorial afirma ainda que fechar o La Prensa é "um velho delírio totalitário de Daniel Ortega" e termina com um forte apelo às organizações internacionais e de defesa dos direitos humanos. "La Prensa pede à comunidade democrática internacional apoio para sobreviver... Não deixem La Prensa morrer!".

De acordo com outra nota do veículo, publicada em janeiro, 92 toneladas de papel-jornal, 49 de papel semi bond, além de chapas, tintas, reveladores, soluções de fontes e outros produtos químicos utilizados nas rotativas estão retidos pela DGA desde outubro e novembro de 2018.

A restrição de material para vários veículos teve impactos profundos na imprensa do país. Em janeiro de 2019, o jornal El Nuevo Diario parou de circular sua versão impressa nacional nos fins de semana. Em setembro do mesmo ano, o jornal fechou a publicação digital e impressa devido a dificuldades econômicas, técnicas e logísticas que tornaram "insustentável seu funcionamento", após quatro décadas de circulação.

Já o La Prensa, jornal mais antigo do país, tentou contornar a situação com cortes de gastos e mudanças drásticas na impressão. Desde janeiro de 2020, o jornal passou a circular em formato tabloide aos finais de semana. Além disso, foi obrigado a usar o papel bond, normalmente empregado para livros e outras publicações, que é 75% mais caro do que o papel-jornal, segundo declaração do gerente financeiro da empresa, Ernesto Juárez, publicada pelo La Prensa.

Ainda de acordo com a nota de janeiro, a edição diária ficou reduzida a apenas oito páginas, em preto e branco. "O custo por exemplar de cada diário impresso do La Prensa é provavelmente, na atualidade, não só o mais caro do mundo, mas talvez o mais caro da história", afirma o texto. "Mas a medida não está só golpeando economicamente o La Prensa, mas também, ao forçar o jornal a reduzir sua edição a apenas oito páginas, o regime está violando a liberdade de acesso à informação e a liberdade de expressão dos nicaraguenses", concluiu a nota.

A restrição também obrigou o La Prensa a demitir mais da metade dos seus profissionais, segundo matéria do Infobae.

O site Confidencial, que também noticiou as negociações para liberar o material do La Prensa, lembrou que o regime nicaraguense mantém a censura a canais de televisão e, há mais de um ano, a polícia do país ocupa as redações do 100% Noticias e do próprio Confidencial. "Mais de 70 jornalistas foram obrigados a sair para o exílio pelas agressões e ameaças de policiais e paramilitares", afirma o texto do Confidencial.

O governo nicaraguense e seus apoiadores têm reprimido a imprensa independente desde que os protestos contra o atual regime começaram, em abril de 2018. Segundo relatório organização Artigo 19, lançado em dezembro de 2019, a Nicarágua é um dos países que mais perderam em liberdade de expressão nos últimos anos em todo o mundo.

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