Foi um ano turbulento para jornalistas na América Latina e no Caribe. À medida que crises políticas, sociais e econômicas atingiram muitas partes da região, a liberdade de imprensa frequentemente saiu prejudicada. Centenas foram forçadas ao exílio, dezenas foram presas ou processadas judicialmente e, mais grave ainda, quase 20 pessoas foram mortas. Outros enfrentaram cortes drásticos de financiamento que ameaçaram a sustentabilidade dos veículos.
Apesar disso, jornalistas e o jornalismo resistiram e inovaram em seus modelos de negócios, em suas narrativas e nos métodos de distribuição, além de repensarem como se conectar com o público.
Nossa missão no LatAm Journalism Review (LJR) é dar visibilidade a essas histórias e acompanhar as ações e os atores que tentam restringir o trabalho dos jornalistas.
Neste ano, publicamos 223 artigos, entrevistas e listas com referências sobre inovação jornalística e liberdade de imprensa na região. Também publicamos 615 notas no monitor de notícias.
Nossos artigos foram republicados por veículos como Global Investigative Journalism Network (GIJN), MediaTalks, IJNet, IDL-Reporteros, La Patilla e Prensa Comunitaria.
Como fazemos todos os anos, cada jornalista da LJR selecionou suas histórias mais memoráveis e destacou outras escritas por seus colegas.
Também listamos os artigos que mais cativaram nosso público e que figuraram entre os textos mais lidos do ano.
Silvia Higuera Flórez
Como frequentemente acontece na cobertura do LJR, este ano foi marcado por histórias sobre restrições à liberdade de imprensa na região, algumas vitórias também e, claro, por pessoas que inspiram por meio de seu trabalho.
Dois dos meus artigos que destaco este ano estão relacionados a isso. Por exemplo, assim que soube do caso da jornalista nicaraguense Fabiola Tercero em 2024, quando organizações de liberdade de imprensa relataram seu desaparecimento, comecei a acompanhá-lo. O silêncio das autoridades do país, somado ao próprio silêncio dela, gerou temores do pior. Quando, em 11 de novembro de 2025, a mídia estatal exibiu imagens dela viva, em sua casa, e participando de uma coletiva de imprensa na qual afirmou que sempre estivera ali, foi um alívio. No entanto, as circunstâncias de seu reaparecimento levantaram mais perguntas do que respostas e, na verdade, servem como evidência do que os jornalistas nicaraguenses têm enfrentado há décadas.
Com um espírito mais otimista e, apesar de uma história trágica, tive o prazer de conversar com e aprender sobre o historiador colombiano Daniel Chaparro. Ao longo de sua carreira profissional, de maneira bastante involuntária, ele se dedicou a manter viva a memória dos jornalistas assassinados na Colômbia, começando pela de seu pai, o jornalista Julio Daniel Chaparro. Quando Daniel ainda era criança, precisou enfrentar o assassinato de seu pai e, diante das poucas lembranças que tinha dele, iniciou sua primeira jornada de reconstrução da memória.
Meus colegas também escreveram histórias sobre jornalistas e iniciativas que os inspiraram por meio de seu trabalho criativo e inovador, mas, acima de tudo, pelo impacto social que causam. César López Linares, por exemplo, nos contou como veículos como Mongabay Latam e Rutas del Conflicto estão usando ferramentas de inteligência artificial e recursos como o “jornalismo stand-up” para alcançar públicos mais amplos e compartilhar os resultados de suas investigações. Nesta história em particular, ele descreve o processo que esses meios estão seguindo para relatar sua investigação sobre a violência na Amazônia peruana.
Outro colega, André Duchiade, publicou uma reportagem que ilustra o impacto que o jornalismo investigativo pode ter. Ele conversou com dois jornalistas brasileiros que desmascararam uma fraude de milhões de dólares no sistema previdenciário do país, a maior da história do Brasil. Como resultado de sua investigação, o ministro da Previdência foi afastado, e os pensionistas lesados tiveram seu dinheiro devolvido.
César López Linares
Gostei muito de escrever esta reportagem porque ela destaca como, em meio a um momento de emergência generalizada para a imprensa, jornalistas venezuelanos estão combatendo as lacunas de informação que persistem nas regiões de fronteira do país, usando abordagens inovadoras e baseadas na comunidade. A iniciativa Contar Fronteras demonstra um esforço altamente louvável dos veículos participantes para treinar jovens jornalistas a cobrir questões hiperlocais com foco em direitos humanos.
Além disso, a reportagem aborda como os jornalistas venezuelanos se adaptam às limitações e à censura para levar informações relevantes às comunidades, chegando a usar ferramentas básicas, como papel e canetas.
A proposta de Jazmín Acuña, do El Surti, no Paraguai, sobre o “Jornalismo Centrado na Mudança”, em reportagem da minha colega Marta Szpacenkopf, é altamente relevante para jornalistas latino-americanos. Em uma região em que a desinformação manipula o debate público e a confiança na mídia está em declínio, a abordagem de Acuña nos convida a repensar nosso papel, passando de meros produtores de conteúdo a facilitadores da transformação social.
A reportagem apresenta uma forma de como nós, por meio do nosso trabalho jornalístico, podemos contribuir para reconstruir os alicerces da vida pública e fortalecer a democracia.
Enquanto líderes autoritários na América Latina insistem em descreditar e criminalizar a imprensa, este artigo deu aos jornalistas que têm sido repetidamente atacados e perseguidos a oportunidade de explicar por que as acusações desses líderes são infundadas e visam apenas enfraquecer a mídia e dificultar seu trabalho de responsabilizar os detentores do poder.
No contexto da retirada do apoio financeiro da USAID, ordenada pelo presidente Donald Trump no início de seu mandato, a reportagem também ofereceu a oportunidade de esclarecer que o financiamento para cooperação internacional não implica em manipulação da pauta da mídia, mas sim uma convergência de objetivos na promoção da democracia e da transparência.
Este artigo de Katherine Pennacchio é particularmente relevante para o jornalismo na região porque destaca uma realidade atual que muitos colegas enfrentam, mas que raramente é reconhecida: a vulnerabilidade migratória de jornalistas que dependem de sua mobilidade para exercer seu trabalho. Os depoimentos apresentados mostram como decisões políticas recentes nos Estados Unidos afetam diretamente a liberdade de circulação, a segurança no emprego e até a integridade pessoal dos jornalistas.
A reportagem serve como um lembrete de que, na América Latina, o jornalismo também é profundamente afetado por fatores migratórios que influenciam a capacidade de exercer a profissão.
Marta Szpacenkopf
Em 2025, uma das reportagens que mais me marcou revelou que mais de 900 jornalistas da América Latina foram forçados a ir para o exílio para proteger suas vidas e sua segurança. O número impressiona, mas o impacto real aparece nos relatos de quem teve que deixar tudo para trás devido a perseguições políticas, ameaças e restrições à liberdade de imprensa. A matéria, escrita pelo meu colega César López Linares, mostra o aumento da repressão contra a imprensa nos últimos anos na região, e a resiliência de profissionais que seguem comprometidos com o jornalismo mesmo longe de casa, muitas vezes sem garantias de segurança, estabilidade ou reconhecimento.
Também considero fundamental a reportagem que falou sobre a violência sofrida por mulheres jornalistas na Argentina e como isso está ligado à redução da liberdade de expressão no país. A matéria mostrou como ataques físicos, digitais e psicológicos afetam desproporcionalmente profissionais mulheres, criando camadas adicionais de risco em uma profissão já marcada pela hostilidade. A reportagem buscou trazer visibilidade para um problema estrutural na Argentina que continua sendo subtratado por autoridades e organizações da imprensa e reforça a urgência de mecanismos de proteção para as mulheres, questão que também afeta outros países da região.
Entre as reportagens sobre inovação no jornalismo, destaco a minha matéria sobre o curso no Rio de Janeiro que ajudou pessoas idosas a identificar golpes e desinformação. Em um país onde esse público é frequentemente alvo de fraudes e fake news, iniciativas que fortalecem a sua autonomia digital são essenciais. A reportagem mostra como parcerias entre a imprensa, a universidade e o poder público podem criar modelos eficazes e replicáveis de educação midiática voltados para um público que não costuma ser priorizado para esse tipo de iniciativa.
Por fim, a matéria sobre jornalistas que usam podcasts para mostrar os bastidores do trabalho destacou uma tendência importante no esforço por reconstruir a confiança com o público. Ao abrir seus processos editoriais, explicar decisões e dialogar diretamente com a audiência, esses profissionais ajudam a reduzir a distância entre redações e cidadãos. Em um ambiente marcado por desinformação e ceticismo, transparência e conversas abertas têm se mostrado ferramentas valiosas para fortalecer o vínculo entre jornalistas e a sociedade.
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