texas-moody

Pesquisa mostra que ativismo, transparência e democracia impulsionam adoção de tecnologias no jornalismo de dados na América Latinas

  • Por Víctor García Perdomo e María Isabela Magaña*
  • 18 setembro, 2024

Uma pesquisa recentemente publicada sobre 14 unidades de jornalismo de dados na América Latina revelou que a forma como repórteres e veículos adotam tecnologias digitais para coletar, processar e visualizar dados está não apenas redefinindo as práticas jornalísticas, mas também incentivando um profundo compromisso com a democracia, a transparência e a colaboração em ambientes particularmente desafiadores.

Essas mudanças nas práticas jornalísticas ampliam as fronteiras da profissão e, ao mesmo tempo, diluem os limites entre a reportagem e o ativismo.

Víctor García Perdomo

O pesquisador Víctor García Perdomo, professor da Universidade de La Sabana em Bogotá, Colômbia

O impacto da tecnologia digital permitiu a configuração de unidades multidisciplinares de jornalismo de dados, nas quais repórteres trabalham em pequenas equipes junto com especialistas em tecnologia, programadores e designers, mostra o estudo. Essa integração num mesmo ambiente das ciências da computação, do jornalismo e do design expande as fronteiras do jornalismo para produzir reportagens com dados.

Essas dinâmicas interdisciplinares permitiram que repórteres e unidades de dados adotassem lógicas estreitamente relacionadas com fontes e códigos abertos, garantindo a transparência e obtendo a liberdade que as plataformas gratuitas pré-desenhadas não oferecem.

Metodologia e descobertas principais

Por meio de entrevistas aprofundadas com 14 diretores ou editores de veículos de Brasil, México, Colômbia, Argentina, Peru, Venezuela, Costa Rica e Cuba, e análises de conteúdo de 210 especiais produzidos por essas unidades, a pesquisa mostra que o jornalismo de dados também está implementando práticas disruptivas para coletar informações.

Tentando superar a falta de bancos de dados transparentes e confiáveis na região, tanto governamentais quanto privados, as unidades e os jornalistas decidiram, em alguns casos, construir do zero seus próprios bancos de dados utilizando diferentes fontes e recursos. Por exemplo, o Rutas del Conflicto, da Colômbia, reconstruiu os dados relativos às vítimas da guerra civil do país a partir de líderes sociais, arquivos locais e comunidades como fontes de informação.

Screenshot from Rutas del Conflicto

Jornalistas da plataforma colombiana Rutas del Conflicto mapearam o conflito armado do país com base em depoimentos de cidadãos, arquivos locais e informações públicas do governo. Nesse mapa, eles documentaram 730 massacres ocorridos entre 1982 e 2012. (Captura de tela: Rutas del Conflicto)

A pesquisa analisa unidades de dados tanto de veículos tradicionais, como La Nación da Argentina, El Universal do México e a Folha de S.Paulo do Brasil, quanto de veículos nativos digitais, como Ojo Público do Peru, RunRunes da Venezuela e Proyecto Poder do México. Além disso, inclui veículos especializados em processamento e visualização de dados, como DataSketch da Colômbia, PostData.club de Cuba e LaData.mx do México.

Desafios e ativismo

Os dois obstáculos mais recorrentes para reportagens com dados na região – arquivos incompletos e acesso limitado a relatórios públicos – criaram uma espécie de ativismo entre os jornalistas de dados na América Latina. Eles precisam enfrentar diretamente poderes tanto governamentais quanto privados para realizar seu trabalho, o que reforça princípios fundamentais da profissão, como a reportagem de campo com comunidades e a interposição de recursos de liberdade de informação junto às autoridades para obter documentos públicos.

Os repórteres de dados do Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba e México reconhecem que, de modo geral, o acesso a dados públicos é intencionalmente restringido por governos e instituições na América Latina. Consequentemente, precisam constantemente enfrentar governos, servidores públicos, agências e outras organizações para obter informações legalmente e contar suas histórias.

Foco temático e compromisso social

A análise de conteúdo dos 210 especiais produzidos por essas unidades de dados revela um interesse particular em cobrir histórias relacionadas à corrupção, aos direitos humanos e aos problemas sociais da região. Essa tendência demonstra o compromisso dos veículos de dados com o engajamento social do jornalismo.

María Isabel Magaña

María Isabel Magaña, doutoranda na Universidade de Maryland

Apesar disso, a pesquisa mostra que os veículos nativos digitais tendem a cobrir esses aspectos sociais com maior intensidade do que os veículos tradicionais, que ainda permanecem focados em temas como política.

A pesquisa destaca a dinâmica entrelaçada entre tecnologia, valores jornalísticos e uma missão democrática profundamente enraizada entre os jornalistas latino-americanos, uma marca distintiva da região.

Para os pesquisadores, é fundamental compartilhar o estudo e dar visibilidade à singularidade do jornalismo de dados latino-americano, para "desocidentalizar" a literatura acadêmica e ampliar os espaços onde se destaque o corajoso trabalho de reportagem na região.

Com este esforço, os autores querem contribuir para uma análise integral das práticas de jornalismo de dados na América Latina, que muitas vezes são negligenciadas no discurso global. Ao incluir perspectivas regionais do Sul Global, o estudo enriquece a discussão e oferece uma visão mais holística do panorama global do jornalismo de dados.

*Víctor García Perdomo é professor da Universidade de La Sabana em Bogotá, Colômbia, e María Isabel Magaña é doutoranda na Universidade de Maryland

Regras para republicação

Artigos Recentes