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Bem recebida por Bolsonaro, CNN Brasil estreia, mas ainda há expectativa sobre sobre sua linha editorial em relação ao governo

Após mais de um ano de expectativa, a estreia da CNN Brasil teve muita comemoração e repercussão nas redes sociais, mas também recebeu críticas por conteúdo frio, pouco questionamento em entrevista com o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, além de falhas de som. O canal de TV por assinatura e o site foram ao ar no domingo, 15 de março.

Nos primeiros minutos, Monalisa Perrone e Evaristo Costa, que trabalhavam na TV Globo, apresentaram o novo canal e exibiram vídeos institucionais. Em seguida, Perrone e Reinaldo Gottino (ex-apresentador da TV Record), sentados em uma bancada tradicional, iniciaram o CNN No Ar, que durou mais de 3h.

Em um dia de notícias quentes no Brasil, o canal tratou de temas como a pandemia de coronavírus e as manifestações pró-governo. No domingo, Bolsonaro contrariou recomendações médicas e do ministro da saúde e compareceu aos atos, apertando a mão de apoiadores e fazendo selfies. Bolsonaro esteve em comitiva que viajou aos Estados Unidos em março, da qual participaram diversos ministros e funcionários que foram diagnosticados com o coronavírus.

Um dos momentos da programação que mais gerou polêmica foi a entrevista ao presidente. Ele tinha uma entrevista marcada com um dos principais nomes do novo canal, William Waack, mas cancelou após saber que seu secretário de comunicação estava com coronavírus. No domingo, no entanto, o presidente apareceu de surpresa, segundo a CNN Brasil, na porta do Palácio da Alvorada, onde um repórter da emissora fazia uma transmissão ao vivo, e concedeu uma entrevista.

"Postado à porta do Alvorada para atualizar ao vivo as notícias sobre a mobilização popular, o repórter Leandro Magalhães foi abordado às 20h54 pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, com pedido de responder às críticas dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Ambos deram entrevistas exclusivas a William Waack, que entraram nas plataformas digitais às 18h e foram exibidas na TV", disse por email Douglas Tavolaro, CEO e fundador da CNN Brasil, ao Centro Knight.

Para a jornalista Cristina Padiglione, que cobre TV há mais de 30 anos e mantém o blog TelePadi, a entrevista era uma espécie de teste sobre a linha editorial do novo canal, e o resultado não foi positivo. Segundo ela, faltou deixar claro para o telespectador que a atitude do presidente foi um risco para a saúde pública e questioná-lo de forma mais incisiva.

"Com todas as excentricidades do presidente, esse é um dia que deve ser lembrado até o fim do seu mandato, porque ele, monitorado por um vírus que preocupa todo o mundo, sai na rua e cumprimenta as pessoas. De repente eles tinham esse personagem na mão –não era esperado, mas ele aparece– dá declarações e não é confrontado", disse ela em entrevista ao Centro Knight.

A jornalista afirma que, nesse caso, não se deve culpar o repórter. "Ele não vai conseguir encostar o presidente na parede, até por ser uma entrevista inesperada. Mas aí volta para o estúdio, os dois apresentadores que são super experientes não falam nada", explica ela.

Tavolaro respondeu que "todos os ângulos sobre o tema foram colocados para o telespectador". Ele afirma que a CNN exibiu reportagens sobre as manifestações, destacando as críticas de Alcolumbre e Maia ao ato do presidente. E, ao ser procurada por Bolsonaro, era preciso dar espaço para a sua defesa.

"Ouvir os dois lados e dar direito de resposta são princípios básicos do bom jornalismo e fazem parte do manual de práticas da CNN em todo o mundo. Nessa entrevista ao vivo, então, nosso repórter questionou o presidente sobre essa postura em 3 minutos de conversa e ele apresentou sua defesa. Momentos depois a CNN exibiu a entrevista com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, condenando a atitude de Bolsonaro", afirmou o CEO.

CNN Brasil

Elenco da CNN Brasil. Foto: Divulgação

Para Padiglione, a entrevista com Bolsonaro foi decepcionante. "Pode ser que eu esteja errada. Mas o primeiro momento que eu tive para ver qual era o nível de isenção deles eu me frustrei", diz ela.

A jornalista gostaria que a CNN Brasil seguisse o exemplo da CNN nos Estados Unidos. "Precisamos ver se vai ter essa carta branca para ser incisivo quando for necessário e fazer um pouco o que CNN americana faz. Ela desagrada o Trump porque dá às atitudes deles o nome que elas têm, não tem eufemismo. Ela cobra os poderes públicos desde sempre, do Obama ao Trump. Falta provar que, em um momento de saia justa, eles [CNN Brasil] podem ser duros, críticos e questionar o que tem que ser questionado", afirma a jornalista.

Ela destaca, como ponto positivo, que o canal fez uma entrevista no dia seguinte com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), em que ele fez duras críticas ao governo Bolsonaro. "E a CNN Brasil tem um time muito bom, por isso espero mais. Na minha percepção o Bolsonaro foi super poupado [naquela entrevista] e isso corrobora um pouco essa ideia de que o canal 'vai ser diferente da Globo', assim como o presidente esperava", conta ela.

Nos últimos meses, o presidente e muitos dos seus apoiadores comemoraram a vinda do canal para o Brasil. "Está para ser inaugurada uma nova TV no Brasil, a CNN Brasil. Pelo que estou sabendo vai ser uma rede de televisão diferente aí da Globo", disse o presidente, em fevereiro. Ao iniciar a entrevista à CNN Brasil, o presidente deu parabéns ao canal e completou: "a gente espera que seja uma imprensa realmente isenta e que produza verdade".

Antes do lançamento, também se especulou muito sobre os fundadores da CNN Brasil. O empresário Rubens Menin, dono da construtora MRV, é sócio e investidor. Tavolaro é ex-vice-presidente de jornalismo da TV Record, ligada ao bispo Edir Macedo. Macedo declarou voto em Bolsonaro, e a Record passou a dar mais espaço para o candidato durante a campanha eleitoral de 2018, levantando suspeitas de que se tornaria uma “Fox News do Brasil”, em alusão ao canal de cabo americano que apoia o presidente Trump.

Em entrevistas nos últimos meses, Tavolaro tem reiterado que a CNN Brasil não será nem de direita nem de esquerda e que há teorias opostas na Internet sobre a linha editorial da emissora. No dia do lançamento, havia reclamações e acusações contra o canal de seguidores dos dois lados do espectro político.

Sobre a estreia, Tavolaro disse que foi feita uma ampla cobertura. "Produzimos uma abordagem política com amplo contraponto e diversos ângulos dos nossos âncoras, analistas e repórteres durante as três horas e meia de transmissão do “CNN no Ar” e em toda a programação multiplataforma".

Mauricio Stycer, jornalista especialista em TV desde 2009, diz que a linha editorial do canal só vai ficar clara com o tempo e ainda é cedo para julgar. "Acho precipitado concluir qualquer coisa por aquela estreia, fazer um julgamento assim baseado em 3 horas. A entrevista com o Bolsonaro foi muito criticada. Mas foram 3 minutos, em pé, em dia de estreia, não foi planejado. De fato o repórter não botou ele contra a parede, mas é uma situação muito difícil, e a entrevista acabou gerando conteúdo relevante", disse Stycer, que é crítico do UOL e colunista da Folha, ao Centro Knight.

Ele avalia que, nesses poucos dias do canal, a CNN Brasil tem feito bom jornalismo. "Tem algumas críticas, mas de um modo geral eles estão fazendo jornalismo stricto sensu, ouvindo todos os lados, com cobertura quente, comentando", afirma.

Para ele, o maior problema na estreia foi a quantidade de conteúdo frio, em um dia atipicamente quente. Ele afirma que o material preparado para o domingo de estreia era muito bom, mas "a realidade engoliu um pouco o planejamento deles".

"Acho que eles ficaram tentando adaptar aquele programa frio à realidade quente do domingo, mas é difícil isso. É uma ironia, é um canal de notícias 24h e começou frio, atrapalhado pelas notícias. Mas considero esse episódio menor, porque havia muita expectativa", disse.