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Bolsonaro ameaça não renovar concessão pública da TV Globo após reportagem sobre investigação do assassinato de Marielle Franco

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, ameaçou não renovar a concessão pública da TV Globo após a emissora exibir uma reportagem sobre menção ao nome do presidente na investigação do assassinato de Marielle Franco, vereadora executada no Rio de Janeiro em 14 de março de 2018.

Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo pelo Facebook às 4 da manhã do dia 30 em Riad, na Arábia Saudita, onde ele se encontra em viagem diplomática desde o dia 28. Ele classificou o jornalismo feito pela TV Globo como “podre”, “sem escrúpulos”, “patifaria”, entre outros insultos, e disse que trabalha para “tirar o Brasil do buraco apesar da imprensa porca, nojenta, canalha, imoral como é o Sistema Globo de Rádio e Televisão”.

“Vocês vão renovar a concessão em 2022. Não vou persegui-los. Mas o processo vai estar limpo. Se não estiver limpo, legal, não tem renovação da concessão de vocês, e de TV nenhuma”, disse o presidente em certo momento da transmissão. Minutos depois, ele voltou a falar sobre o processo de renovação da concessão, desafiando a emissora.

“Não vou conversar com vocês da TV Globo. Temos uma conversa em 2022. Eu tenho que estar morto até lá. Porque o processo de renovação da concessão não vai ser perseguição. Nem pra vocês, nem pra TV, nem rádio nenhuma. Mas o processo tem que estar enxuto, tem que estar legal. Não vai ter jeitinho pra vocês, nem pra ninguém. Essa é a preocupação de vocês? Continuem fazendo essa patifaria contra o presidente Jair Bolsonaro e sua família. Continua, TV Globo”, ameaçou.

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, ao vivo pelo Facebook, ameaçou não renovar a concessão pública da TV Globo

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, ao vivo pelo Facebook, ameaçou não renovar a concessão pública da TV Globo. (Captura de tela.)

As declarações do presidente foram em resposta a uma reportagem do Jornal Nacional veiculada na noite do dia 29 que afirmou que um dos suspeitos de assassinar Marielle Franco se reuniu com outro acusado do crime, que vive no mesmo condomínio em que mora Bolsonaro, no Rio de Janeiro, horas antes do assassinato. A reportagem da TV Globo teve acesso a depoimento do porteiro do condomínio em que ele afirma que o visitante disse que ia para a casa de Jair Bolsonaro, então deputado federal, e alguém na casa atendeu à chamada pelo interfone e autorizou a entrada. O porteiro teria acompanhado a movimentação do carro e visto que ele foi para a casa do outro suspeito do crime. Os suspeitos saíram do condomínio em outro carro e cometeram o crime horas depois, segundo a investigação policial.

Franco, vereadora do Rio de Janeiro pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), foi assassinada na noite daquele dia com nove tiros. O atentado também vitimou Anderson Gomes, motorista do carro em que ela estava.

A reportagem do Jornal Nacional também afirma que, no dia do assassinato de Franco, Jair Bolsonaro estava em Brasília, como apontam registros de presença do então deputado no plenário da Câmara e vídeos postados em suas redes sociais no dia 14 de março de 2018.

Uma canalhice, TV Globo. Uma canalhice fazer uma matéria dessas, no horário nobre, colocando sob suspeição que eu poderia ter participado do assassinato da Marielle Franco”, disse o presidente em sua transmissão ao vivo.

Em resposta às declarações do presidente, a Globo afirmou que “não fez patifaria nem canalhice. Fez, como sempre, jornalismo com seriedade e responsabilidade. Revelou a existência do depoimento do porteiro e das afirmações que ele fez. Mas ressaltou, com ênfase e por apuração própria, que as informações do porteiro se chocavam com um fato: a presença do então deputado Jair Bolsonaro em Brasília, naquele dia, com dois registros na lista de presença em votações.”

A Globo lamenta que o presidente revele não conhecer a missão do jornalismo de qualidade e use termos injustos para insultar aqueles que não fazem outra coisa senão informar com precisão o público brasileiro. Sobre a afirmação de que, em 2022, não perseguirá a Globo, mas só renovará a sua concessão se o processo estiver, nas palavras dele, enxuto, a Globo afirma que não poderia esperar dele outra atitude. Há 54 anos, a emissora jamais deixou de cumprir as suas obrigações”, disse a Globo em nota.

Entidades repudiam ameaça à liberdade de imprensa

Organizações de defesa das liberdades de imprensa e de expressão repudiaram as declarações do presidente brasileiro, que tem um histórico de hostilidades contra jornalistas desde a campanha eleitoral que o levou à Presidência.

O Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ) pediu em nota que Bolsonaro “se abstenha de insultar e ameaçar os meios de comunicação”.

“As ameaças e insultos do presidente Bolsonaro contra a maior emissora de notícias do Brasil não têm lugar na democracia”, disse Natalie Southwick, coordenadora do programa do CPJ para as América Central e do Sul, de acordo com a nota da organização. “Os brasileiros têm o direito de acessar notícias sem restrições do governo, e a capacidade do governo de emitir licenças nunca deve ser usada como uma forma de censura.”

A Repórteres Sem Fronteiras (RSF) disse em nota que “repudia os ataques [de Bolsonaro], marcados por um discurso de ódio extremamente perigoso e preocupante”. A organização lembrou que, dois dias atrás, o presidente postou um vídeo em seu Twitter que o caracterizava como um leão sob ataque de hienas que representavam seus supostos adversários, entre os quais estavam a TV Globo, o jornal Folha de S. Paulo, a revista Veja e a rádio Jovem Pan, assim como a ONU e o Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro depois se desculpou e apagou o post, que classificou como um erro.

Os ‘erros’ do presidente Bolsonaro, assim como suas declarações, têm peso. Ao insultar e humilhar alguns do mais importantes veículos da imprensa nacional, a mais alta autoridade do país contribui e estimula o clima de ódio e de desconfiança generalizada para com o jornalismo”, disse Emmanuel Colombié, diretor do escritório para a América Latina da RSF, segundo a nota da organização. “A frequência desses ataques é particularmente preocupante, e as ameaças de Jair Bolsonaro de não renovar a concessão da TV Globo em 2022 são por sua vez extremamente graves e se assemelham à censura.”

Edison Lanza, relator especial para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), comparou a ameaça de Bolsonaro ao que Hugo Chávez fez na Venezuela em 2007, quando não renovou a concessão pública da emissora RCTV.

“Bolsonaro responde a cobertura de @OGloboPolitica que vai analisar com lupa a renovação da frequência televisiva em 2023. No caso RCTV vs Venezuela, a @CorteIDH entendeu ameaças de Chávez por linha editorial, seguida de não renovação [da concessão] como censura indireta”, escreveu Lanza em seu perfil no Twitter.

Daniel Bramatti, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), classificou as declarações de Bolsonaro como “agressão descabida” em nota enviada à Folha de S. Paulo.

“A mais recente agressão de Jair Bolsonaro a jornalistas e ao jornalismo, reforçada por seus filhos, é descabida. Ao insinuar possível retaliação a um veículo e a jornalistas por contrariedade em relação a uma reportagem, o presidente promove mais um grave ataque à liberdade de imprensa”, afirmou.

Não nos causa espanto, mas nos causa indignação”, disse Maria José Braga, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), também à Folha. “Mais uma vez Bolsonaro não se comporta como um presidente, não respeita a liturgia do cargo, usa sua posição para desacreditar a imprensa e disseminar hostilidade entre seus seguidores contra os seus jornalistas. É muito grave.”

Conforme estabelece o artigo 223 da Constituição Federal do Brasil (1988), “compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”.

Segundo reportou a Folha, a concessão da TV Globo vence em 15 de abril de 2023, mas o presidente da República pode decidir sobre a concessão até um ano antes de seu vencimento, que neste caso seria o último ano do mandato de Bolsonaro. No entanto, de acordo com a Constituição, “a não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal”.

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