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Brasil ganha agência de jornalismo investigativo: Entrevista com Natália Viana

Propublica nos EUA, Bureau of Investigative Journalism na Inglaterra, Centro de Investigación Periodística (CIPER) no Chile. Os centros independentes de jornalismo investigativo, populares em alguns países do exterior, passam a ter um representante no Brasil. Natália Viana, jornalista e colaboradora do Wikileaks, anunciou na última sexta (18) a criação da Pública, primeira agência de jornalismo investigativo do país. Fazer jornalismo “puro” e elevar o nível de informação pública são as propostas da iniciativa, criada em parceria com as repórteres Marina Amaral e Tatiana Merlino.

Inspirada nas bem-sucedidas experiências internacionais, a Pública se prepara para iniciar as atividades no próximo mês. Apesar de recente, a agência já conta com apoiadores importantes, como o jornalista britânico Andrew Jennings e a organização Wikileaks.

As três jornalistas, dedicadas a produzir reportagens de fôlego ao longo das suas carreiras, se conheceram na redação da revista Caros Amigos e, anos depois, se uniram para continuar o trabalho investigativo que já faziam, mas agora em uma agência própria.

Natalia Viana começou como repórter na Caros Amigos e colaborou com veículos nacionais e internacionais como BBCGuardianIndependentSunday TimesFolha de São PauloO GloboCarta CapitalOpera MundiPacifica NetworkCanadian Broadcast Corporation. Recentemente, ganhou destaque pela colaboração com o Wikileaks. Em entrevista para o blog Jornalismo nas Américas, a jornalista contou as motivações, os planos e os desafios do projeto pioneiro.

Centro Knight: Como surgiu a ideia para a criação da Pública?

Natalia Viana: A inspiração surgiu em minha viagem a Londres, em 2006, quando conheci alguns centros de jornalismo investigativo. Eu e Marina já pensávamos em ter um projeto juntas, desde a nossa saída da Caros Amigos. E ai veio a ideia de montarmos uma organização semelhante a esses centros internacionais, que conseguem trazer o jornalismo pra sua essência: o interesse público. Neles o jornalismo é feito com o mínimo de partidarismo possível e com uma consciência da sua importância para o funcionamento da democracia. O papel é investigar os poderes, sejam empresas ou governos, estando a serviço do público.

No Brasil ainda não há nada do tipo. Existem algumas ONG's que fazem investigações, mas com um foco mais ativista. Greenpeace e Repórter Brasil são bons exemplos. A Transparência Brasil também vai nesse sentido. Os centros investigativos são mais focados em produtos jornalísticos, com projetos curtos e longos. Nossa ideia era trazer isso pro Brasil e achamos o momento propício para lançar, com os debates em torno do Wikileaks. Voltou à pauta por aqui a discussão do jornalismo investigativo, as pessoas começaram a entender um pouco melhor o que é e o que faz um jornalista investigativo.

CK: O que diferencia as propostas de investigação da agência das já realizadas pelas mídias tradicionais?

NV: A investigação dos veículos tradicionais é muito boa, nós temos ótimos jornalistas investigativos. Mas há uma crise financeira nos jornais. Faltam recursos e os jornalistas estão sendo demitidos em massa, no Brasil e no mundo. Então começa a diminuir a quantidade de profissionais disponíveis pra esse tipo de trabalho nas redações. Apesar disso, como se percebe em congressos como o da Abraji, há muito interesse em fazer a investigação jornalística aprofundada. Mas ela é cara, exige dedicação e tempo. Então acaba não sendo comum na rotina dos que trabalham para produzir notícias pro dia seguinte. Os jornais são produtos e precisam de rapidez para chegarem todos os dias às bancas. Alguns jornalistas ficaram até frustrados quando houve o vazamento de informações do wikileaks, pois não tiveram tempo suficiente de checar com mais profundidade todos os documentos. Na reportagem o tempo é fundamental, mais importante até do que os recursos. Com os instrumentos tecnológicos que nós temos hoje dá pra fazer reportagem com baixo orçamento.

CK: A agência já tem algum modelo de financiamento?

NV: Nós estamos em contato com um centro de investigação jornalística no Chile, o Centro de Investigación Periodística (CIPER), que tem um modelo interessante, que pretendemos seguir. É um financiamento que envolve diversas fontes. Podemos ter tanto financiamentos de organizações não governamentais e organismos internacionais que militam na área do objeto a ser investigado como de empresas jornalisticas que também se interessam pela investigação em profundidade de determinado assunto. Esse modelo é adotado não só no Chile, mas também na Inglaterra, no Bureau of Investigative Journalism. É uma forma de tornar possível a reportagem independente. E isso a gente já vinha fazendo, antes mesmo da Pública.

CK: Como vai ser a relação da Pública com os veículos de imprensa?

NV: Nós queremos ser parceiros dos veículos de imprensa. Não viemos substituir o trabalho que eles já fazem, viemos somar. Ainda estamos na fase de montar o escritório, finalizar o site e escrever os nossos projetos de reportagem, mas já buscamos algumas parcerias e em breve vamos apresentar projetos para os veículos de imprensa. Somos parte do chamado jornalismo empreendedor, uma tendência mundial de um jornalismo que sai do gabinete e vai procurar a história. Nós já temos algumas em mente e agora vamos buscar parcerias pra conseguir ir atrás delas.

CK: Você acredita que a agência pode estimular uma nova forma de fazer jornalismo no Brasil?

NV: Eu sempre acreditei no jornalismo independente, apartidário e de interesse público. Eu acho que no Brasil, como na América Latina, há um problema sério de partidarização dos veículos. A cobertura fica muito atrelada a interesses, tanto na mídia mais tradicional como na mais alternativa. O que a Pública pretende fazer e estimular é um jornalismo puramente de interesse público, doa a quem doer.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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