O Brasil viu surgir nos últimos anos dezenas de iniciativas independentes de jornalismo, muitas delas lançadas com a proposta de inovar no conteúdo e nas formas de apresentar sua produção. Um desafio que perpassa a maior parte destas iniciativas é a sustentabilidade financeira: como gerar a renda necessária para aprimorar a qualidade jornalística mantendo o conteúdo acessível ao maior número de pessoas possível?
O Libre, uma nova tecnologia de microfinanciamento para o jornalismo digital, pretende ajudar veículos brasileiros a solucionar este impasse. A ferramenta usa um mecanismo similar ao das curtidas e compartilhamentos em redes sociais, mas propõe a transformação destas manifestações de apreço pelo conteúdo em apoio financeiro para os veículos e para os jornalistas.
“Número de cliques e repercussão nas redes se tornaram, perigosamente, sinônimo de sucesso”, disseram Bruno Torturra, do estúdio Fluxo de jornalismo, Ariel Kogan, da Open Knowledge Brasil, e Thiago Rondon, da AppCivico, responsáveis pelo Libre, que responderam em conjunto às questões do Centro Knight sobre a tecnologia lançada em meados de setembro.
“Embora likes e compartilhamentos determinem essa nova relevância, eles não criam uma relação direta entre audiência e retorno financeiro. A ideia é oferecer uma nova métrica, uma ponte que permita um pequeno e direto reconhecimento econômico aos conteúdos que o público determina como os que têm mais valor”, explicaram.
A ferramenta aparece como um botão nas páginas editoriais convidando a leitora ou o leitor a clicar e, em vez de curtir a matéria ou compartilhá-la em seus perfis nas redes sociais, colaborar com o veículo doando um Libre. Para poder doar, a leitora ou leitor deve se cadastrar na plataforma do Libre e contratar um plano mensal pré-pago entre os disponíveis no site, que vão de R$ 20 a R$ 500 por mês. Uma vez cadastrada, a leitora ou leitor pode distribuir seus Libres entre os sites que aprecia.
O valor de um Libre começa em R$ 1 e pode subir caso a pessoa distribua menos Libres do que o teto do plano mensal contratado. Como exemplificado na plataforma, se uma leitora tem um plano de R$ 30 e doou 30 Libres em um mês, cada Libre vale R$ 1, mas se o plano é de R$ 30 e foram doados 10 Libres, cada Libre vale R$ 3.
“Acreditamos que o Libre oferece uma solução especialmente simples e direta para testar o público e a relevância atribuída a seu conteúdo. E um tipo de interface intuitiva e familiar nesse ambiente de timeline e consumo de informação post a post”, disseram os criadores da tecnologia.
Torturra, Kogan e Rondon disseram que a expectativa inicial com o Libre é “testar a hipótese fundamental da plataforma: a de que existe um público interessado em jornalismo de qualidade e que se dispõe a participar da criação de uma nova viabilidade econômica para a imprensa”. A segunda “é criar entre os veículos e jornalistas digitais um sentido de campo, de comunidade através de soluções econômicas compartilhadas”, assim como “aproximar público e veículos em uma relação de apoio e confiança mútua”.
O Aos Fatos, um veículo de fact-checking, é um dos primeiros veículos a adotar a ferramenta. “O Aos Fatos apoia o Libre nessa primeira fase porque acredita que precisa abraçar projetos inovadores, testá-los, entendê-los, ajudar seus criadores a adaptá-los”, disse Tai Nalon, diretora do veículo, ao Centro Knight. “Se os novos empreendimentos jornalísticos não servem para experimentar novas fórmulas de narrativa, tecnologia, gestão e financiamento, para que servem, então?”, questionou.
Os criadores da ferramenta também aludiram à explosão recente do jornalismo digital no Brasil, celebrando o experimentalismo em modelos de negócio. Eles criticaram, porém, o que consideram como repetição de “modelos de financiamento disfuncionais para o jornalismo”.
“Crowdfunding funciona bem para projetos específicos, mas não para o sustento mensal. Assinaturas demandam uma base ampla, fiel e uma produção de conteúdo alta. Paywall restringe o impacto do jornalismo e só funciona para veículos com muita solidez e volume”, acreditam. “Não queremos que nenhum veículo mude seus planos de negócio ou tenha o Libre como única fonte de receita. Mas pode ser uma ferramenta complementar e muito útil para gerar mais receita e uma relação mais direta e tangível com o público.”
Para Nalon, do Aos Fatos, “as novas iniciativas jornalísticas têm formas muito diferentes de se financiarem, então é difícil saber qual é o modelo ideal e se há modelos que funcionam mais do que outros.” Ela acredita, porém, que algo pode ser dito sobre todos os empreendimentos jornalísticos: “nenhum veículo pode se dar ao luxo de viver apenas de uma fonte financeira. O Libre pode vir a ser uma delas”, afirmou.
Além do Aos Fatos, o Libre também já foi adotado pelo site com foco em ciclismo urbano Vá de Bike e pelo site de gastronomia Gastrolândia. Os criadores da ferramenta dizem estar abertos para veículos e jornalistas de qualquer área que queiram adotá-la.
“Reportagens bem apuradas, matérias de grande esforço e relevância podem não ser grandes sucessos de audiência, mas têm o potencial de gerar retorno financeiro alto. E também acreditamos que a ferramenta pode ser especialmente interessante para temas de interesse mais específico”, afirmaram.
“Nessas primeiras semanas, todos os testes deram certo e estamos realizando as primeiras transferência em reais aos veículos pelos apoios aos conteúdos correspondentes. Estamos prontos para cadastrar mais veículos e aumentar a base de apoiadores.”
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.