Wendy Funes, jornalista hondurenha diretora do veículo Reporteros de Investigación, soube por amigos que sua foto circulava pelo WhatsApp como parte de uma suposta investigação jornalística que a acusava de pertencer à gangue Mara Salvatrucha (MS-13). A imagem, que viralizou, fazia referência a uma suposta investigação da fundação InSight Crime publicada pelo site argentino Infobae, inventando um vínculo entre organizações defensoras dos direitos humanos em Honduras e grupos criminosos.
O InSight Crime logo desmentiu a publicação. "Isso é FALSO. O InSight Crime não publicou tal informação nem tem evidências a respeito. Condenamos esses falsos ataques", escreveram em sua conta no Twitter.
Para Dina Meza, jornalista e defensora dos direitos humanos em Honduras, a situação foi um pouco diferente. Embora ela não fosse acusada de integra um grupo criminoso, seu nome aparecia em uma espécie de pôster criminal intitulado "Redes de Corrupção DDHH Honduras Vol. 1", que primeiro circulou no WhatsApp e depois em redes como Facebook e Twitter. No pôster, várias pessoas aparecem conectadas entre si, supostamente lideradas pelo ex-presidente do país, Juan Orlando Hernández, atualmente preso em Nova York condenado por narcotráfico.
Não é a primeira vez que Funes ou Meza se viram vítimas de ataques para deslegitimar o seu trabalho jornalístico. Ambas, assim como muitos jornalistas de Honduras, tiveram que exercer sua profissão em um ambiente hostil que inclui ameaças, assédio e intimidação, entre outras agressões.
Diferente das outras, contudo, as novas campanhas de difamação parecem fazer parte de uma estratégia planejada para silenciar o jornalismo especializado em denúncias de corrupção ou de mau funcionamento das autoridades estatais. Embora também tenham vivido problemas em governos anteriores, Funes e Meza viram uma coincidência entre o surgimento desse tipo de campanha e a chegada à presidência de Xiomara Castro, que tomou posse em 27 de janeiro de 2022.
"No caso específico dos Reporteros [de Investigación], o fato de estarmos investigando e denunciando nos pôs direto na linha de fogo, de forma que tem havido um aumento dos ataques toda semana. Cada semana há um novo ataque", explicou Funes à LatAm Journalism Review (LJR).
Tanto jornalistas quanto defensores dos direitos humanos que têm sido alvos dessas campanhas compartilham o fato de fazerem um trabalho no qual manifestam críticas à gestão do Mecanismo de Proteção contra grupos vulneráveis, ao aumento da militarização, assim como denúncias de corrupção e narcopolítica.
Desde 2022, Funes e sua equipe têm publicado reportagens nas quais detalham os planos do governo de aumentar a segurança no país por meio do aumento da militarização. No mínimo a partir de abril deste ano, imagens falsas do Reporteros de Investigación têm sido usadas para promover notícias falsas. Embora a equipe saia constantemente para desmentir as publicações, as denúncias formais perante o Ministério Público não têm sido recebidas por esta entidade, segundo Funes.
Em meio a tanto, foi a cobertura do massacre de 46 mulheres dentro de uma prisão em Támara que fez aumentar as campanhas de difamação. "Começaram a nos vincular a grupos de maras e gangues", explicou Funes. "Ao dizer que trabalhamos com esses grupos, poderiam estar justificando uma narrativa para a violência física. Isso é preocupante".
Posteriormente, veio o estranho desaparecimento de seu site de uma investigação sobre a "lucrativa indústria de transporte de migrantes", que havia gerado descontentamento nas autoridades. A equipe que tinha um backup conseguiu republicar a investigação, mas ainda não sabe se ela saiu do ar em decorrência de um ataque ao site. Por esta mesma publicação, a governadora do departamento de Choluteca enviou uma carta a Funes solicitando a retirada de seu nome, imagem e qualquer outra menção a ela, sob risco de enfrentar um processo judicial.
Meza, que, além de dirigir o meio Pasos de Animal Grande, trabalha como defensora dos direitos humanos, tem pressionado particularmente para que o Mecanismo de Proteção funcione adequadamente. Ela, que tem sido beneficiária por medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vê um "desmantelamento" do mecanismo após a chegada da presidente Castro, conforme denunciado por organizações como a RSF. Demissões e falta de recursos para seu funcionamento estão entre as denúncias.
Em função deste mau funcionamento do mecanismo, Meza se tornou uma espécie de “pedra no sapato”: renunciou do Conselho Nacional de Proteção do Mecanismo, apresentou queixas contra a Secretaria de Direitos Humanos (entidade responsável pelo Mecanismo), fez pedidos de informação pública e, segundo explicou à LJR, vai diariamente à sede do Mecanismo exigindo proteção a jornalistas e defensores de direitos humanos.
“Pensamos que pode vir uma avalanche de coisas para nos destruir completamente", disse Meza, listando todas as ações que ela vê o governo tomando para silenciar meios de comunicação e organizações defensoras dos direitos humanos. Meza observou uma "cooptação da sociedade civil", somada a um controle cada vez maior do Executivo sobre os outros poderes do Estado.
Esses ataques, que por si só são graves, vulnerabilizam cada vez mais os jornalistas. Somando-se ao Mecanismo de Proteção enfraquecido, isto cria o cenário perfeito para intimidar o exercício jornalístico.
Isto foi reconhecido por um grupo de organizações internacionais defensoras da liberdade de expressão, que em 25 de julho emitiram um comunicado no qual, além de denunciar a situação, instaram as autoridades do país a investigá-la e pôr fim a ela.
"Há uma tendência a minimizar ou deslegitimar denúncias sobre o impacto que esse tipo de campanhas pode ter sobre o exercício profissional. Estamos falando de um país com uma história muito séria de violência e ameaças contra jornalistas e defensores”, disse à LJR Artur Romeu, diretor do escritório na América Latina da RSF, uma das organizações que assinou o comunicado. "Esse tipo de campanhas contribui de forma muito séria para a consolidação de um ambiente hostil, um ambiente de precarização, de desvalorização do trabalho que essas pessoas, organizações e movimentos fazem. Mesmo que não sejam ameaças de morte, assassinato, sequestro, desaparecimento forçado, a carga simbólica desse tipo de ataques é muito, muito forte".
Com isso concorda Funes, para quem, em um país onde os assassinatos de jornalistas ficam quase sempre impunes, "qualquer coisa pequena assusta". "Eu sinto que qualquer um ataca um jornalista e não há intenção de proteger a imprensa. Ou seja, o primeiro indicador de que a imprensa é protegida são os discursos internos do poder", acrescentou Funes, referindo-se ao discurso utilizado por diferentes funcionários públicos.
No entanto, ela considera que o principal objetivo dessas campanhas é que o trabalho de jornalistas e defensores perca credibilidade. "A intenção é desacreditar e desqualificar a imagem diante da opinião pública. É tratar os jornalistas como inimigos. E uma forma de destruir esse inimigo é destruir a sua imagem", disse Funes.
De fato, para Mikaelah Drullard, pesquisadora do programa para a América Central e o Caribe da Artigo 19, outra das organizações que assinou o recente comunicado, este é um dos temas que foram analisados.
“Identificamos várias coisas. A primeira é o discurso estigmatizante que acompanha as campanhas de difamação. Ou seja, estratégias para silenciar e censurar não se resumem a fechar um meio de comunicação e prender as pessoas. Outra forma de silenciar vozes é desacreditando a sua voz”, disse Drullard à LJR. “Vemos uma forma que funcionou não apenas em Honduras, mas que também se espalhou por toda a região: a construção dessas narrativas estigmatizantes nas quais os jornalistas deixam de ser essas vozes legítimas e autorizadas que fazem investigação, e são construídos como opositores”.
Para Romeu, da RSF, é especialmente preocupante que esta estigmatização levada pelas campanhas de difamação seja promovida pelos próprios governos. Segundo ele, embora não sejam necessariamente os responsáveis por essas campanhas, o fato de que “não se manifestam de forma clara e contrária a esta informação” é grave em países como Honduras, com altos níveis de violência contra jornalistas.
Segundo Romeu, em Honduras o que se busca é acabar com as denúncias e críticas, colocando-as no mesmo nível de uma “oposição”. “E isso é o mais grave, porque no final o que o governo está tentando fazer é se desvincular do conteúdo das críticas que são feitas para reforçar uma dinâmica de um discurso público de polarização e ter um maior controle do debate público e da agenda pública no país”, afirmou.
“É uma tendência de autoritarismo, do mau uso do poder que está se prolongando de forma muito significativa na região centro-americana”, disse por sua vez Drullard.
As autoridades hondurenhas, por sua parte, não se manifestaram publicamente após a publicação do comunicado ou em reação às denúncias de jornalistas e outras organizações. A LJR solicitou uma entrevista com a Secretaria de Direitos Humanos e com o Ministério Público do país, mas até o fechamento deste artigo não havia recebido resposta.
Jornalistas e meios de comunicação que foram alvo destas campanhas optaram por adotar outras medidas de segurança, que vão desde os seus hábitos digitais até as suas rotinas de trabalho e de mobilidade. Além disso, eles usam grande parte do seu tempo em reuniões com atores internacionais – em busca de proteção e para denunciar o que acontece – e com autoridades do seu próprio país em busca de pessoas que acolham as suas denúncias formais.
Embora não deem muitos detalhes sobre suas rotinas de segurança e reuniões, Funes e Meza concordam que isso lhes tira muito tempo que poderiam estar usando em seu trabalho. Um dos objetivos daqueles que promovem estas campanhas, dizem, é conseguir deixá-las cansadas para trabalhar. Em vista disso, ambas estão convencidas de que não é hora de parar.
“Sim, é cansativo se defender com os pouquíssimos recursos que temos neste momento, ou ficar se adaptando devido a medidas de segurança”, disse Meza. “Isso acaba desgastando a gente. Mas o que nos faz levantar diariamente é que não podemos deixar passar arbitrariedades passarem em branco, além da emoção de escrever o que estão fazendo e denunciar isso. Para mim, isso é emocionante. Isso me dá impulso para seguir em frente”.