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Candidatos e partidos políticos recorrem a ações judiciais para silenciar jornalistas durante as eleições: Uma tendência crescente no Brasil

2024 é um “superano eleitoral”, segundo a Unesco: 2,6 bilhões de pessoas vão às urnas neste ano ao redor do mundo. No Brasil, espera-se que cerca de 160 milhões delas votem nas eleições municipais que acontecem em outubro.

Um relatório recente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) aponta uma tendência em contextos eleitorais no Brasil com impacto direto na democracia e na liberdade de imprensa: processos judiciais movidos por candidatos e partidos políticos pedindo a remoção de conteúdo jornalístico e informativo relacionado ao processo eleitoral.

O relatório “Processos Judiciais contra Jornalistas nas Eleições 2022: como a censura e o assédio judicial afetam os processos políticos e a democracia brasileira?” foi publicado pela Abraji em meados de dezembro. O estudo foi realizado por meio do Ctrl+X, projeto da entidade que monitora a retirada de conteúdo e o assédio judicial contra jornalistas. As pesquisadoras Marianna Haug e Rachel Drobitsch se concentraram sobre os processos registrados na Justiça Eleitoral contra jornalistas e meios de comunicação com pedido de retirada de conteúdo e que “podem ter, de alguma forma, alterado o rumo da campanha eleitoral” em 2022, conforme escreveram no relatório.

O estudo constatou que, em comparação com as eleições gerais de 2018, houve um aumento de 14% no número de processos desse tipo em 2022 – de 218 para 249. Segundo as pesquisadoras, “a grande maioria dos processos tratou de temas como desinformação, liberdade de expressão, difamação de políticos e isonomia entre candidatos e no processo eleitoral”.

Pelo menos um terço dos conteúdos alvo dos processos foram retirados do ar. De acordo com as pesquisadoras, “cada vez mais cabe ao Judiciário definir os contornos da liberdade jornalística e o controle sobre o que pode ou não afetar o processo eleitoral”.

Letícia Kleim, assistente jurídica da Abraji e revisora do relatório, disse à LatAm Journalism Review (LJR) que o projeto Ctrl+X, que existe desde 2014, historicamente tem registrado um aumento no número dos processos pedindo retirada de conteúdo em anos eleitorais.

“Isso faz com que tenhamos um olhar mais enfocado sobre esses processos eleitorais, porque entendemos que o período eleitoral é quando as informações jornalísticas – as apurações, matérias e reportagens – têm mais impacto coletivo e social para a defesa da democracia. O fato de os cidadãos não terem acesso às informações jornalísticas nesse período eleitoral pode causar um prejuízo muito grande, porque isso pode afetar as decisões que a população vai tomar naquele momento”, disse Kleim.

Drobitsch observou que muitos desses processos não avançam na Justiça após o fim do período eleitoral, já que dizem respeito a disputas relacionadas ao pleito e perdem sua razão de ser depois das eleições. Portanto, decisões tomadas pela Justiça Eleitoral nesse contexto tendem a ser definitivas.

“Qualquer tipo de retirada [de conteúdo], seja no deferimento de uma decisão de mérito, numa sentença, ou mesmo em decisão liminar dentro de um Tribunal Regional Eleitoral ou do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] é importantíssimo, porque geralmente esse conteúdo vai ficar para sempre fora do ar”, disse Drobitsch à LJR.

Justiça do Amazonas defere mais processos

O estado do Amazonas, na região Norte, concentrou quase 25% do total dos processos analisados (62). Embora seja o maior estado do Brasil em extensão, contém menos de 2% da população do país, com a maior parte de seu território coberto pela Floresta Amazônica. Também foi o estado com a maior proporção de processos deferidos pela Justiça: 35,5%, acima do índice nacional de 33,7% de processos deferidos. Ou seja, foi onde a Justiça mais autorizou a remoção de conteúdo a pedido de candidatos e partidos políticos.

Amazonas também foi o estado com mais processos desse tipo nas eleições de 2018 (15,6%). Na ocasião, Jair Bolsonaro, que venceu o pleito presidencial, foi o político que mais acionou a Justiça contra meios de comunicação pedindo a retirada de conteúdo em todo o país. Já em 2022, três candidatos ao governo do Amazonas foram os políticos que mais pediram remoção de conteúdo no país: Carlos Eduardo de Souza Braga (11,4% do total), Amazonino Armando Mendes (4,5%) e Wilson Miranda Lima (2,8%), que se reelegeu e é hoje o governador do estado.

Entre os exemplos citados no relatório estão as “ações repetitivas” movidas por Mendes solicitando a remoção de conteúdo sobre seu estado de saúde. O então candidato, com larga trajetória política no Amazonas, estava com 82 anos de idade durante a campanha eleitoral e alguns meios amazonenses publicaram matérias sobre sua suposta “saúde debilitada”. No banco de dados dos processos analisados no estudo, a LJR identificou pelo menos 10 dessas ações.

Mendes não foi eleito. No fim de novembro, menos de um mês depois do segundo turno das eleições, ele foi internado em São Paulo. Em fevereiro de 2022, Mendes morreu no hospital, aos 83 anos.

Além de Amazonas ter tido os três políticos que mais moveram esse tipo de ação judicial nas eleições de 2022, as pesquisadoras também destacaram o fato de o estado ter um Judiciário “que se penetra mais no controle midiático”, como disse Drobitsch.

“O que tentamos destacar [no relatório] é o fato de que não é só a ação unilateral dos políticos, mas também o Judiciário no Amazonas tem um número maior de pedidos deferidos”, disse a pesquisadora. “Se fosse uma ação só dos políticos que mais processam, poderíamos falar que é por conta de algum localismo (...), mas vemos a postura de um Judiciário que também defere e acaba atuando como um monitor maior da imprensa, quase como um censor do conteúdo midiático”, afirmou.

Haug observou que em comparação com outros estados, inclusive São Paulo, o estado mais populoso do Brasil, o Judiciário no Amazonas parece ter um peso maior para “definir os rumos das eleições”. Além disso, “disputas sobre a floresta [Amazônica], sobre meio-ambiente, foram muito pautadas nessas eleições e foram um campo real de disputa de estratégia política, então talvez [Amazonas] fosse um espaço mais sensível a isso”, disse ela.

Tendências para 2024

Kleim disse que os resultados apresentados no relatório acendem o alerta para o potencial uso de processos judiciais para silenciar a imprensa durante as eleições municipais em 2024.

“Temos observado números mais altos de processos em anos eleitorais, ou seja, a tendência é ter um grande número de processos também [em 2024]. Acho que as discussões a respeito de desinformação e uso de inteligência artificial podem aparecer nessas ações, que a cada ano vão se complexificando”, disse ela.

O debate sobre desinformação esteve presente nos argumentos dos magistrados dos tribunais eleitorais para deferir ou indeferir os processos relacionados ao pleito de 2022, observou o relatório.

Nos casos em que a Justiça autorizou a remoção de conteúdo, a principal alegação dos magistrados foi de que se tratava de “desinformação ou fake news”. Já nos casos em que a Justiça negou a retirada de conteúdo, a principal justificava foi de que não consistia em “notícia comprovadamente falsa ou desinformação”. Nas alegações dos juízes também apareceu com frequência, segundo o relatório, “o argumento de que é necessária a defesa à liberdade de expressão e que o Judiciário não pode ocupar o papel de monitoramento e fiscalização da imprensa, pois fere um direito constitucional”.

Esses processos deslocaram “para o âmbito do Judiciário debates políticos sobre função social da mídia”, afirma o relatório.

Para Drobitsch, o Judiciário brasileiro precisa de “balizas claras” para julgar casos que afetam as liberdades de imprensa e expressão.

“Toda vez que se leva [à Justiça] um caso que é permeado de subjetivismos, não se julga a partir de balizas claras e tiram esse conteúdo do ar, estão afetando as liberdades jornalística, de expressão, de informação, de imprensa. E aí temos que pensar: que tipo de eleitor queremos para os próximos anos?”, questionou ela.

“Acredito que o TSE vai ser cada cada vez mais incisivo, inclusive [em 2024] depois dos atos antidemocráticos [de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram e depredaram o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio Presidencial]. Acho que a tendência é ter um TSE mais atuante, e precisamos nos perguntar de que forma isso é bom e de que forma isso é ruim.”

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