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Colaboração transfronteiriça examina impacto da exploração de petróleo na Amazônia

Por décadas, comunidades amazônicas em diferentes países da América Latina conviveram com promessas de desenvolvimento econômico impulsionado pelo petróleo. O que muitos vivenciaram, no entanto, foram vazamentos de óleo, desmatamento, deslocamentos forçados e o aprofundamento de desigualdades sociais. Esta realidade é retratada pelo projeto "Até a Última Gota", investigação jornalística transfronteiriça e multidisciplinar que examina os impactos da exploração petrolífera no maior bioma tropical do planeta.

Coordenado pelo InfoAmazonia em colaboração com GK (Equador), Ojo Público (Peru) e Rutas del Conflicto (Colômbia), o projeto investigou extensas bases de dados, documentos inéditos de governos e empresas, e realizou dezenas de entrevistas em cinco países que concentram mais de 80% da floresta tropical: Brasil, Colômbia, Equador, Guiana e Peru. Depois de quase um ano de apuração, o trabalho combinado de jornalistas, fotógrafos, analista de dados, designers e cientistas resultou em seis reportagens sobre a exploração de petróleo na Amazônia. 

“A ideia surgiu da InfoAmazonia, a partir das polêmicas em torno da exploração de petróleo na foz do rio Amazonas na margem equatorial brasileira”, disse Flávia Milhorance, jornalista da InfoAmazonia responsável pela coordenação do projeto, à LatAm Journalism Review (LJR). “Em 2023, essa possibilidade voltou ao centro do debate. O governo Lula, com o discurso de fortalecer a diplomacia brasileira pela via ambiental e reverter os retrocessos ambientais do governo Bolsonaro, passou a pressionar fortemente pela exploração da área. Era um movimento contraditório, e, naquele momento, as discussões ainda estavam muito restritas ao campo político e retórico. Por isso, a ideia do projeto foi ampliar a base de dados e informações concretas sobre a região e sobre essa nova ofensiva petrolífera.”

Milhorance conta que viu-se a necessidade de compreender a exploração de petróleo na Amazônia como um todo, especialmente em países em que isso já era feito há muito tempo, o que não é o caso do Brasil. Assim nasceu a ideia de transformar a reportagem em uma investigação conjunta com jornalistas de outros países. 

“Os parceiros de veículos do Equador, Peru e Colômbia vieram com essa bagagem para acrescentar. Eles trouxeram um contexto histórico, as disputas territoriais, as estratégias empresariais e os danos ambientais – e como muitos não foram remediados”, acrescentou a jornalista. 

Desafios da colaboração transfronteiriça

A produção de uma série de reportagens que abrangesse uma área tão vasta como a Amazônia e com matérias sobre cinco países diferentes trouxe desafios como barreiras linguísticas, diferentes formas de trabalho entre os veículos parceiros e a complexidade de se fazer apurações direto da floresta amazônica. 

“A InfoAmazonia tem experiência em coordenar projetos e apurar histórias junto a veículos de outros países, mas cada caso é um caso,” lembra Milhorance. “Tínhamos reuniões semanais em espanhol – às vezes mais para portunhol – então havia uma barreira linguística, mas também de processos: a forma como a InfoAmazonia trabalha é diferente da forma como os outros veículos trabalham, que é diferente da forma como colaboradores individuais trabalham. E finalmente, fazer apurações na Amazônia sempre traz uma camada de complexidade, pela logística, pelas questões de segurança, pelo acesso a povos tradicionais. Às vezes temos um tempo jornalístico que não se adequa à realidade dessa região. Então temos que segurar nossa ansiedade com prazos para não atropelar as fontes e o tempo necessário de planejamento.”

Os diferentes níveis de acesso à informação e dados públicos em cada um dos países retratados na reportagem foram outro desafio significativo. A equipe lutou para ampliar seu acesso à documentos e números, mas de acordo com Milhorance, em alguns casos eles acabaram abandonando certas análises por falta de dados representativos. 

“Aprendemos que o acesso a dados no Brasil, mesmo com muitas críticas, ainda é muito mais transparente e abrangente do que em outros países, por exemplo na Colômbia e no Equador,” disse Milhorance. Nesses países, os pedidos via lei de acesso à informação muitas vezes ficam sem resposta. Mas houve bastante insistência da equipe para ampliar esse acesso. Foram muitas e muitas reuniões, revisões, cobranças a autoridades e consultas a especialistas para chegarmos aos materiais publicados.”

Protocolos de segurança na floresta 

Garantir a segurança das equipes que participaram da reportagem também foi uma questão importante. Milhorance contou que a InfoAmazonia aplicou o mesmo protocolo de segurança desenvolvido por um especialista que foi usado para o trabalho de campo no projeto Amazon Underworld, que buscou entender o impacto das atividades criminosas sobre a região amazônica. 

O protocolo envolve, segundo a jornalista, o uso de GPS para comunicação via satélite; horários de check-ins diários, listas de insumos básicos e recomendações para situações de risco. 

“Os repórteres passaram ainda algum tempo avaliando os níveis de risco da viagem, com fontes e com pesquisas sobre a região”, disse Milhorance. “E separamos parte do orçamento para resgates, que felizmente não foram necessários. Mas esse tipo de protocolo está cada vez mais comum entre veículos locais, não podemos fugir disso nas atuais circunstâncias.”

Na Colômbia, a reportagem enfrentou riscos adicionais. Pilar Puentes, do Rutas del Conflicto, contou que a presença permanente do grupo armado Comandos de la Frontera foi um dos principais desafios. 

"Tivemos que reforçar o protocolo de segurança e nos comunicar com as fontes locais, que nos ajudaram a selecionar as áreas por onde podíamos caminhar, fazer entrevistas e trabalhos de campo sem correr perigo," disse Puentes à LJR.

A reportagem sobre a exploração de petróleo na Amazônia colombiana mostra como comunidades indígenas enfrentam pressões de petroleiras e grupos armados, enquanto veem seus rituais se enfraquecerem pela deterioração de seus rios. A história se passa no Rio Putumayo, e a única rota de acesso às comunidades é pela água, o que significou que a equipe não tinha serviço telefônico em parte do tempo. Puentes contou que foi necessário o uso de telefones via satélite e uma rotina rígida do que seria feito em campo.

"Meses antes de viajarmos ao território, vários líderes e porta-vozes das comunidades foram deslocados por grupos armados. Eles foram proibidos de falar com meios de comunicação. Muitas das entrevistas que fizemos foram fora do território e, para evitar intimidações de grupos armados, viajamos com a comunidade o tempo todo. Sabíamos que nossa presença no território era um risco não só para a nossa segurança, mas também para as fontes," acrescentou Puentes.

Em função da situação crítica de segurança, Puentes disse que eles optaram por não incluir o nome de nenhuma pessoa entrevistada nos territórios. Segundo ela, a contrastação das informações foi feita através de documentos, do trabalho de organizações da sociedade civil e de especialistas. 

"No caso das pessoas que tinham medo de falar, buscou-se, primeiro, fazer com que confiassem no jornalista e no objetivo da investigação e, segundo, mostrar a elas como suas intervenções apareceriam no texto final”, disse Puentes. 

Resistências no Equador

Um planejamento detalhado foi parte imprescindível do processo de preparação de Isabela Ponce, Emilia Paz y Miño e Diego Lucero, do site equatoriano GK. A reportagem publicada pela equipe, com fotos de Lucero, diz que as três empresas que operam a área de extração de petróleo no Equador adotaram estratégias para fragmentar as comunidades locais e torná-las dependentes de suas atividades. Porém, eles têm encontrado resistência de líderes e organizações indígenas. A equipe acompanhou Rosa Aranda, líder indígena da região, numa incursão pela Amazônia equatoriana.

Duas pessoas conversam sentadas em uma área aberta de uma comunidade amazônica, com casas de madeira ao fundo e vegetação típica da floresta.

Ponse durante apuração na Amazônia equatoriana. Crédito: Diego Lucero / GK

“Quando você vai para a Amazônia, especialmente nas profundezas da floresta tropical, você precisa sempre de um guia. Neste caso foi Rosa Aranda”, Ponce, cofundadora e diretora editorial da GK, à LJR. “Havia muitas coisas logísticas para pensar de antemão. Compramos barraca, repelente, protetor solar, toalhas de secagem rápida, coisas típicas de ir à Amazônia, mas também coisas básicas como água. Levamos muita água, então o barco ficou bem pesado. Neste caso a preparação foi mais logística do que por questões de segurança, pois sabemos que não é um território inseguro como outros mais na fronteira com a Colômbia, onde vivem outras comunidades indígenas.”

Ponce disse que a equipe no Equador não enfrentou ameaças diretas, mas as divisões dentro das comunidades locais foram um desafio. A jornalista contou ainda que eles também tiveram dificuldades de acesso às empresas petrolíferas, mesmo com reiterados pedidos. 

“O que enfrentamos foram pessoas [nos territórios] não querendo responder às nossas solicitações de entrevistas, ou dizendo 'sim, podemos nos encontrar' e depois simplesmente cancelando repetidamente”, disse Ponce. “A companhia de petróleo nos respondeu meses depois, apenas por e-mail, com respostas muito curtas. É muito difícil ter acesso à versão deles. Não nos permitiram entrar no campo de petróleo, alegando que não era seguro, e nós pedimos por meses.”

Ainda assim, a segurança desempenhou um papel central na escolha da pauta que a GK acabou produzindo para a série de reportagens. Ponce disse que ao escolher o foco da apuração, ela conscientemente decidiu evitar temas que poderiam trazer riscos adicionais para a equipe. 

"A gente tinha que escolher como explicar e contar sobre as relações entre as comunidades e o petróleo. Descartei histórias que poderiam ter preocupações extras de segurança relacionadas à mineração ilegal ou ao narcotráfico”, disse ela. “Questões de segurança estão sempre presentes, mas podem ser mais profundas. Tentei não escolher um lugar onde eu sabia que os perigos seriam piores."

Os riscos do jornalismo ambiental 

Tanto na Colômbia quanto no Equador, as jornalistas relatam uma piora nas condições para se fazer jornalismo ambiental. Entre os principais riscos e desafios listados pelas profissionais atualmente estão o crime organizado, a falta de segurança, que antes não era tão relacionada a esse tipo de cobertura, e a consequente dificuldade de acesso a certas regiões. 

"É impossível viajar para áreas da Amazônia devido à presença e disputa de vários grupos armados”, disse Puentes. “As comunidades têm medo de falar. O Estado [colombiano] não entra em territórios; 15 Parques Nacionais Naturais não têm funcionários devido às constantes ameaças dos grupos armados. É um desafio para jornalistas confrontar os perigos no território, e devem fazer isso com a ajuda das comunidades e organizações que trabalham lá. Caso contrário, estarão colocando suas vidas e as vidas das pessoas que entrevistam em risco.”

Ponce disse que atualmente não há um tema que os jornalistas acompanhem sem riscos. Especificamente, ela disse que o jornalismo ambiental pode abranger uma série de crimes, como mineração ilegal e tráfico de combustíveis, o que aumenta o perigo. 

"Todo jornalista agora enfrenta mais riscos do que tínhamos dois ou três anos atrás por causa do crime organizado”, disse ela. “O crime organizado não é como antes. Cinco, seis, dez anos atrás, se você cobrisse questões de segurança como polícia ou assassinatos, você estava obviamente próximo dessas fontes ou riscos. Agora sinto que não há tema que você cobriria sem risco”

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