Esta história foi publicada originalmente pelo Reuters Institute for the Study of Journalism. Foi levemente editada para adequação de estilo e republicada aqui com permissão.
A maioria das pessoas não paga por notícias. De acordo com uma pesquisa do Reuters Institute, a proporção de pessoas que pagam por notícias online em 20 países é de apenas 17% – um número que não mudou nos últimos três anos.
Em nossa amostra de países, a maioria deles ricos e ocidentais, vemos um padrão de "o vencedor leva tudo", no qual alguns poucos grandes jornais dominam seus respectivos mercados. O New York Times, por exemplo, lidera mundialmente com mais de 10 milhões de assinantes, enquanto jornais como Le Monde e El País atingem o ápice em seus países com, respectivamente, 500 mil e 300 mil assinantes.
Isso torna a Argentina um caso interessante, já que é um país com duas publicações que atraem públicos pagantes em meio a uma crise econômica persistente. O jornal Clarín afirma ter mais de 700 mil assinantes pagos. Seu principal concorrente, La Nación, relatou mais de 375 mil assinantes digitais pagos, superando grandes publicações ao redor do mundo.
Em um país com alta inflação, como eles conseguiram convencer seus públicos a pagar por notícias? Conversei com os responsáveis pela construção das bases de assinantes pagantes desses jornais para responder a essa pergunta e entender como eles avançaram.
Os veículos utilizam diferentes modelos para controlar o acesso ao conteúdo digital, desde acesso totalmente gratuito até paywalls rígidos. Nossa pesquisa sobre o pagamento por notícias sugere que não há uma abordagem única que funcione para incentivar as pessoas a pagar, e o que dá certo varia de mercado para mercado e de marca para marca.
O La Nación emprega um paywall poroso, no qual os leitores têm uma cota de artigos gratuitos. Assim que essa cota é atingida, eles são incentivados a assinar para acessar mais conteúdos. Eles também utilizam o que chamam de “modelo de propensão”, em que o sistema analisa o comportamento da audiência e identifica seus interesses para incentivar a assinatura.
“Se uma pessoa lê matérias sobre política, economia e opinião e está dentro desse grupo, esse artigo conta em dobro, e o paywall aparece um pouco antes do que normalmente apareceria”, explica Agustina Roncaglione, gerente de aquisição de assinaturas digitais do La Nación.
Recentemente, o jornal redesenhou seu paywall para atrair mais leitores. Parte dessa reformulação envolve fazer com que os leitores se sintam parte do La Nación e enfatizar o valor do produto que já estão consumindo, em vez de seu preço. Roncaglione diz que a ideia é reduzir parte do atrito gerado por um paywall.
“Nós permitimos que escolham entre acesso digital ao La Nación ou um pacote que inclui o acesso ao Club La Nación [um programa de benefícios]”, diz Roncaglione. “Tentamos mostrar nossa proposta de valor completa.”
O Clarín adota um paywall poroso semelhante: artigos gratuitos com opção de assinatura para acesso ilimitado. Javier Kraviez, diretor digital, diz que, desde o lançamento das assinaturas digitais há sete anos, o jornal experimentou diferentes modelos para descobrir o que funciona melhor. À medida que começaram a monitorar o comportamento da audiência, passaram a entender melhor os leitores e a aplicar diferentes táticas.
“Conforme conhecemos melhor nossos leitores, passamos para um modelo mais dinâmico, com regras diferentes para usuários distintos. Paralelamente, temos artigos exclusivos para assinantes”, afirma Kraviez. “Hoje temos uma combinação de regras em que alguns leitores podem ler uma certa quantidade de artigos gratuitamente e outros conteúdos são só para assinantes.”
Tanto o Clarín quanto o La Nación oferecem conteúdo exclusivo para assinantes. Embora isso represente uma pequena porcentagem de sua oferta editorial geral, é outro incentivo para que o público pague.
A equipe comercial do La Nación trabalha em conjunto com sua redação para ver como o público se envolve com o conteúdo em si. Leonardo Leone, gerente de experiência do cliente para assinantes do jornal, explica que essas ofertas exclusivas vão além dos artigos exclusivos para assinantes e incluem recursos exclusivos de aplicativos, eventos e newsletters.
“Criamos uma série de eventos em que o foco é aproximar um pouco mais a redação dos assinantes e onde eles podem interagir com os entrevistados”, diz ele. “O objetivo é melhorar nossa proposta de valor. Por exemplo, criamos uma série de newsletters exclusivas para assinantes, nos quais você recebe suas colunas favoritas um dia antes de serem publicadas.”
No momento em que este artigo foi escrito, uma assinatura mensal do La Nación custava ARS $7.800 ($6,5 USD) para o pacote de acesso digital e ARS $11.800 ($9,8 USD) para o pacote com benefícios. Cerca de 75% dos assinantes pagam o preço total de qualquer um dos pacotes, enquanto o restante paga um desconto, principalmente devido aos pacotes corporativos.
O Clarín chama de “sólida” a porcentagem de pessoas que pagam o preço total da assinatura e tem uma oferta semelhante, com a assinatura de acesso digital custando aproximadamente US$ 6 por mês e US$ 10 para o programa de benefícios mais o acesso digital.
De acordo com o FMI, o valor mais recente da inflação na Argentina é de 229%. Então, como esses jornais lidam com os aumentos de preços em um ambiente tão hostil? O Clarín aumentou seus preços em resposta à inflação crônica persistente no passado. Em geral, ele aumenta os preços três ou quatro vezes por ano. Mas esse número pode variar dependendo da situação, me disse Kraviez.
“As reclamações são inevitáveis, mas temos a capacidade operacional de avaliar o nível de insatisfação e agir de acordo, usando ferramentas apropriadas para retenção”, diz Kraviez.
O La Nación também usou aumentos trimestrais. Em fevereiro de 2024, eles foram forçados a ir além do habitual, aumentando os preços em 50%. “Esses foram os meses em que aplicamos descontos maiores para conter o aumento da rotatividade”, explica Roncaglione. “Nos últimos dois meses, observamos uma estabilização na rotatividade em aproximadamente 2,10%, mas ainda temos altas taxas de intenções de rotatividade e a equipe de retenção está gerenciando isso.”
Tanto o La Nación quanto o Clarín oferecem o que eles descrevem como um clube de benefícios para os assinantes. Além de ter acesso a conteúdo ilimitado e exclusivo, os assinantes também recebem vantagens adicionais.
O Clarín oferece uma variedade de descontos por meio de seu programa de benefícios: de transporte a gasolina e "escape rooms". Kraviez me disse que eles têm milhares de marcas que aderem ao programa, o que é um motivo a mais para o público se inscrever.
O programa de benefícios do La Nación inclui descontos em supermercados, restaurantes e cinemas. “Isso nos permite alcançar públicos que estão mais distantes do La Nación”, diz Roncaglione.
Essa oferta ajuda os leitores a justificar sua assinatura. Eles podem sentir que estão recebendo parte de seu dinheiro de volta por meio dos benefícios que o programa oferece. “É por isso que temos uma proposta de valor muito ampla”, diz Roncaglione. “Isso nos ajuda a explicar a eles por que devem se inscrever”, diz Roncaglione.
“Aprendemos que estar errado faz parte do processo. Você precisa se sentir confortável com a ambiguidade, com os constantes testes beta”, diz Kraviez. “Todos os dias testamos milhões de coisas e a maioria delas não funciona. Mas temos orgulho disso porque significa que estamos testando. Se não testarmos, não poderemos avançar.”
Ambos os jornais estão constantemente testando táticas para ver o que funciona (ou não funciona) ao atrair novos assinantes. O Clarín, por exemplo, teve que repensar quais são os “artigos” que transformam um leitor em assinante e se apoiar neles. Esses artigos, diz Kraviez, geralmente são artigos de opinião ou artigos sobre política ou economia e artigos que ajudam o público a tomar decisões em sua vida cotidiana.
O La Nación também passou por alguns experimentos, alguns mais bem-sucedidos do que outros. Por exemplo, eles perceberam que o Facebook não é mais um canal para gerar novos públicos e que seus assinantes não estão interessados em eventos de vendas de luxo presenciais.
“Estamos constantemente medindo canais em que você vai muito longe para tentar atrair assinantes. É muito mais difícil conseguir engajamento, então tudo é mais complexo, mas isso tem a ver com esse crescimento”, diz Leone. “Você precisa ir a lugares onde as pessoas não estão tão próximas de você. Isso traz suas próprias dificuldades e é mais difícil gerar engajamento nesses lugares. Mas estamos analisando os dados e tomando decisões sobre isso.”
O ponto principal de todas essas lições, entretanto, é que nenhuma dessas táticas importa se o jornalismo não for bom e relevante para o público. Ambos os jornais afirmam que seu jornalismo é mais importante do que qualquer uma das vantagens que oferecem.
“O que oferecemos aos nossos assinantes é nossa proposta de valor jornalístico: ter informações rigorosas, confiáveis, verificadas e bem estruturadas”, diz Kraviez. “Essa é a nossa promessa.”
Apesar do alto custo de vida e do aumento da inflação na Argentina, esses jornais estão atraindo mais assinantes do que nunca, superando o número de jornais em economias mais ricas e estáveis.
“A chave para nós é entender qual parte de nossa proposta de valor pode apoiar você, atender você e ser valiosa a qualquer momento na situação econômica do país”, diz Roncaglione. “Estar informado é muito importante e nosso conteúdo é de qualidade.”
Kraviez aponta para a importância duradoura dos jornais argentinos na definição da agenda da esfera pública, apesar do domínio das grandes empresas de tecnologia.
“Quando a agenda pública de uma sociedade está sob a vontade de algoritmos, a democracia começa a se romper e isso é muito arriscado”, diz Kraviez. “O jornalismo deve ser preservado. Deixar tudo nas mãos dos algoritmos é extremamente perigoso.”
A porcentagem de pessoas que confiam nas notícias na Argentina é de apenas 30%, de acordo com nosso último Relatório de Notícias Digitais. O país, além de seus problemas econômicos, também luta contra uma profunda polarização sociopolítica, conhecida pelos argentinos como la grieta, que foi exacerbada pela eleição do presidente Javier Milei no ano passado.
Apesar da inflação e da polarização, ambos os jornais mantêm firmemente sua missão, evitando pressões externas. “O dever moral da mídia é mais relevante do que nunca: desafiar o poder e representar os interesses dos leitores em face das campanhas de desinformação”, diz Kraviez.
*Gretel Kahn é uma jornalista panamenha. Anteriormente, ela trabalhou para a Canadian Broadcasting Corporation (CBC) em Montreal, cobrindo notícias diárias para rádio e web.