Há apenas dois anos, o jornalismo de dados começava a amadurecer no Brasil, obtendo reconhecimentos e premiações como um método efetivo de revelar tendências e produzir matérias que antes não seriam possíveis. Hoje, o país celebra uma comunidade consolidada e crescente. O Brasil se tornou um ponto de encontro para profissionais de todo o mundo.
Isso ficou claro quando mais de 300 jornalistas e pesquisadores de vários países se reuniram nos dias 25 e 26 de novembro em São Paulo para a Conferência Brasileira de Jornalismo de Dados e Métodos Digitais, a Coda.Br. Eles passaram o fim de semana repensando processos de trabalho em mesas de discussão e oficinas dinâmicas, ministradas por mais de 40 profissionais. Participantes também compartilharam experiências, inclusive a nível internacional.
Natália Mazotte, diretora da Open Knowledge do Brasil, afirma que a conferência criou um espaço para jornalistas de dados trocarem experiências e obterem mais conhecimento.
“O Coda deste ano mostrou que existe uma comunidade no campo de jornalismo de dados interessada e engajada em fazer avançar esse campo e em compartilhar conhecimento”, diz Mazotte ao Centro Knight. “Foi fundamental até mesmo para avançar a qualidade do jornalismo, além de ter esse espaço de encontro, compartilhamento e criação de comunidade.”
Por ser uma área multidisciplinar, o jornalismo de dados enfrenta o desafio de reunir profissionais de diferentes backgrounds. Entre os palestrantes do Coda, estavam pesquisadores de instituições como Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD) e IBOPE Inteligência, e de universidades do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. Além de jornalistas, é claro.
“Vimos no evento um engajamento entre jornalistas e pesquisadores. É algo que a gente também tem a avançar e contribuir muito para o conhecimento do jornalismo do país”, aponta Mazotte.
Reflexão e mão na massa
Jornalistas e pesquisadores descobriram nos workshops ferramentas úteis e novidades. Um exemplo é a plataforma Workbench, apresentada pelo jornalista computacional da Universidade de Columbia Jonathan Stray. Um ambiente online que combina raspagem, análise e visualização de dados, a ferramenta, ainda em fase beta, teve um de seus primeiros testes durante o Coda.Br.
A repórter da BBC Brasil Amanda Rossi falou sobre a importância de uma boa apresentação dos dados no workshop "#sexysemservulgar: Como tornar sua história de dados atraente". Segundo a jornalista, uma visualização interessante é fundamental em uma época em que o jornalismo disputa a atenção de seus leitores com vários outros tipos de conteúdo. “Temos que ter essa constante busca para que a informação que vamos apresentar seja interessante, relevante o suficiente para contarmos as informações humanas que os dados destacam.”
Em outro workshop, Florência Coelho, editora do La Nación Data, compartilhou suas experiências no jornal argentino montando bases de dados com colaboração cidadã por meio da plataforma VozData. Um exemplo de aplicação foi na checagem de telegramas eleitorais.
“Poderíamos ter contratado uma empresa para digitalizar os telegramas, mas quisemos chamar os estudantes, as pessoas que dariam seu primeiro voto. Queríamos um sentimento de "we are all in this together" [estamos todos juntos], como diriam no [filme] High School Musical”, brincou Coelho durante a oficina.
A britânica Jennifer Stark, fundadora de uma empresa de visualização de dados Foxling, deu dicas sobre como escrever códigos mais transparentes, ao compartilhá-los na plataforma GitHub. As vantagens, segundo ela, incluem ajudar colegas e você mesmo a aprender a programar melhor.
“Lendo o código pensando que alguém mais vai ler te ajuda a programar melhor. Além disso, te ajuda a ver furos de lógica que você não veria antes. Quem nunca olhou para um código antigo e pensou: o que eu tava fazendo?”, disse ela durante a oficina.
Além de colocar a mão na massa, os participantes do Coda.Br também pararam para refletir sobre os desafios da prática. O combate às fake news e aos bots que espalham informações falsas foi o tema do debate de abertura da conferência. Os vieses subjetivos de códigos e a opacidade de algoritmos que mediam conteúdos foram outros problemas discutidos. A mesa de encerramento olhou para o futuro, com o objetivo de identificar quais os caminhos que o jornalismo de dados deve percorrer.
Uma das palestrantes da mesa de encerramento, a jornalista espanhola Mar Cabra, lembrou que o jornalismo de dados não se trata apenas de “fazer gráficos legais”. Para a líder da Unidade de Dados e Pesquisa do International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ) durante a investigação dos Panama Papers, é preciso desenvolver melhor o storytelling nas reportagens de dados.
Cabra lembrou que a investigação da Operação Lava Jato aumentou a cooperação entre jornalistas de diferentes países latino-americanos, mas também ressaltou que é preciso fazer mais do que reagir a vazamentos de documentos. Com vazamentos cada vez mais volumosos, repórteres precisam trabalhar para conectar os pontos a fim de formar uma perspectiva maior. “Estamos jogando bingo no jornalismo de dados”, disse ela.
Jonathan Stray reafirmou durante sua fala a necessidade de contextualização e de uma nova linguagem para o jornalismo de dados. Ele destacou, no entanto, que o uso de vazamentos evoluiu muito desde os Wikileaks. “O Wikileaks é como o ex-namorado da internet”, brincou ele.
O diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, professor Rosental Alves, fez uma apresentação sobre a ênfase no jornalismo de dados nos MOOCs (cursos online massivos e abertos) que organiza. "Mais da metade dos nossos cursos online dos últimos cinco anos foram sobre jornalismo de dados. Tivemos a 56.073 alunos em nossos cursos", disse Alves.
"Um sinal incontestável do crescimento do jornalismo online no Brasil é o sucesso do MOOC 'Introdução à Programação: Python para Jornalistas' que o Centro Knight está oferecendo atualmente, graças ao apoio do Google News Lab. Temos mais de 2.500 inscritos, de todos os estados brasileiros", disse Alves.
Segundo Mazotte, a organização já planeja o Coda.Br do ano que vem. O objetivo é repetir a fórmula de workshops ‘mão na massa’, mesas de reflexão e espaço de networking.
“Vamos ter um conselho curador que vai ajudar a estruturar e pensar o conteúdo. Vamos pegar o feedback do que funcionou e do que não funcionou”, diz a diretora da Open Knowledge Brasil. .
O evento foi feito em parceria com o Google News Lab e conta com o apoio do Centro Knight para Jornalismo nas Américas, além da Abraji, do La Nación Data e da Python Software Foundation.
*Nota da editora: Natália Mazotte também é colaboradora do Centro Knight para Jornalismo nas Américas. Alessandra Monnerat, autora deste post, trabalhou no Coda.Br.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.