A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) decidiu admitir o caso do jornal El Universo contra o Estado do Equador. Depois que o jornal foi processado pelo então presidente Rafael Correa, com base em uma coluna de opinião de 2011, um colunista e três executivos receberam sentenças criminais.
Em 2012, o colunista Emilio Palacio Urrutia e três executivos do jornal, Carlos Pérez, César Pérez e Nicolás Pérez, foram condenados, como autores contribuintes, a três anos de prisão e a pagar US$ 40 milhões em indenizações, segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). A Justiça equatoriana os condenou judicialmente no processo de injúria movido por Correa contra a coluna de Palacio, intitulada "No a las mentiras", publicada em 6 de fevereiro de 2011.
Na coluna, Palacio falou sobre a atuação de Correa em uma suposta tentativa de golpe de Estado das forças policiais, que ocorreu em 30 de setembro de 2010 e desencadeou o caos e uma série de protestos e confrontos no país, segundo a Fundação Andina para a Observação e Estudo de Mídia (Fundamedios).
Quanto ao processo por injúria, César Pérez Barriga, vice-diretor do El Universo, disse ao Centro Knight que este "era um processo cheio de irregularidades e nas quais houve interferência política do governo nos tribunais". "Na primeira instância, o juiz nunca explicou como ele conseguiu escrever uma sentença de 156 páginas em poucas horas", disse Pérez.
“A Relatoria entendeu que o processo foi irregular, que o direito penal foi usado para sancionar uma opinião contra um presidente, que é precisamente um dos mais altos funcionários públicos, e que a liberdade de expressão protege essas críticas e opiniões”, disse o Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Edison Lanza, ao Centro Knight.
“Numa sociedade democrática, desacato ou a ofensa a um presidente por suas ações ou pelas decisões que ele toma não devem estar sujeitas a sanções criminais. E a sanção econômica era absolutamente desnecessária e desproporcional, tanto para ele como para o meio de comunicação ”, acrescentou.
O caso foi admitido pela Corte porque o Estado equatoriano não cumpriu, dentro do prazo regulamentar, as recomendações que a CIDH enviou em 2019 em seu relatório de mérito, explicou Lanza. Lanza acrescentou que as recomendações pediam ao Estado do Equador que anulasse a sentença contra os executivos e o jornalista do El Universo, que lhes pagasse reparação pelos danos causados e que realizasse uma série de reformas legais em seu sistema judicial, como a descriminalização dos delitos de desacato e injúria.
Em relação à admissão do caso pela Corte IDH, o vice-diretor do jornal enfatizou que é um passo muito importante na busca por justiça no caso do El Universo, mas que “ainda há um longo caminho a percorrer.”
"Ainda há um longo caminho a percorrer na Corte, e isso levará alguns anos, até que a Corte tome uma decisão final que possa reverter o absurdo que está inculcado nesta sentença que Correa conseguiu aqui no Equador", Pérez disse.
No final de fevereiro de 2012, Correa anunciou que perdoou o jornalista e executivos do El Universo com a remissão de suas sentenças, conforme publicado pela CNN em espanhol. "Existe perdão, mas não esqueço", disse o então presidente equatoriano.
"Rafael Correa perdoou a condenação. Ou seja, a sentença ainda está viva, mas ele perdoou a execução da sentença, que significava a prisão e o pagamento desses 40 milhões de dólares ”, afirmou Pérez.
“A sentença ainda está em vigor. Tanto que, quando me perguntam se tenho antecedentes criminais, tenho que informar que essa sentença existe no Equador, onde fui condenado. Então, claro, o que queremos é que isso seja reparado, ainda mais pelo precedente que isso deixa, para o futuro exercício da liberdade de expressão no Equador. Que isso seja revertido e que essa sentença não exista como referência para qualquer outro juiz poder cometer essa barbárie novamente, certo?”, explicou Perez.
Para o relator da CIDH, o fato de o caso do El Universo ir à Corte mostra que se trata de um caso emblemático.
“Como o governo de Rafael Correa foi um dos governos que pressionou a imprensa de diferentes maneiras, utilizando, entre outros, a via penal, usando um judiciário que não possuía garantias de independência, de autonomia, e normas legais restritivas, então o caso vai além da anedota pontual e terá repercussões, acredito que enormes, para todo o jornalismo da região ”, afirmou Lanza.
"A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos de ouvir o caso El Universo é um passo importante rumo à Justiça há muito esperada neste caso, que foi um dos exemplos mais extremos dos abusos cometidos contra a imprensa sob o governo Correa", disse a coordenadora do Programa da América Central e do Sul do CPJ, Natalie Southwick. "Este caso também pode servir para destacar como leis penais antiquadas de difamação do Equador foram sistematicamente usadas para punir jornalistas críticos".
César Ricaurte, diretor do Fundamedios, disse ao Centro Knight que, tanto para o Equador quanto para países da região, é muito significativo que o caso chegue à Corte Interamericana. “Para nós, é realmente um marco. É o primeiro caso de liberdade de expressão em que o Estado equatoriano é réu e deve ser responsabilizado. Para nós, isso realmente estabelece um precedente extremamente importante ”, afirmou.
“[No nível nacional e regional] pode marcar limites muito claros contra o abuso de poder, contra como o poder político pressiona e até manipula o Judiciário, como aconteceu neste caso, para finalmente obter sentenças a seu favor. Isso aconteceu no Equador, mas vemos que é o mesmo modus operandi que vem se espalhando nos últimos anos em muitos países da região ”, afirmou Ricaurte.
Em relação ao atual estado de liberdade de expressão no Equador, com o governo de Lenín Moreno, Pérez disse que o presidente deu uma mensagem muito clara de querer mudar as coisas, ao liderar o processo de mudar a controversa Lei de Comunicação criada por Correa, e ao eliminar a Superintendência de Comunicação (Secom), a entidade responsável pela emissão de “multas exorbitantes” contra a mídia.
"É preciso reconhecer isso. Há um exercício mais livre do jornalismo no Equador, mas também há [um caminho] para percorrer. Ainda há leis remanescentes, artigos de leis muito específicas que proíbem, por exemplo, a publicação de qualquer tipo de informação que favoreça ou prejudique qualquer candidato durante as eleições ”, disse Pérez.
No entanto, Ricaurte disse que as coisas não mudaram tanto com o novo governo.
O governo Moreno propôs uma reforma judicial sobre a sanção para quem cometer o crime de injúria ou contra a honra de uma pessoa, segundo publicou o El Universo. O Executivo propõe que esse crime não seja punido com pena de prisão, mas com horas de trabalho comunitário, multa ou prisão por no máximo 30 dias, publicou o El Universo.
Com essa reforma, "a difamação não é mais um crime em si, mas se tornou uma contravenção", disse Ricaurte, que lamenta que agora isso esteja sendo usado contra qualquer voz crítica, não apenas contra jornalistas.
“Com a contravenção, você tem sentenças máximas de 30 dias de prisão, mas, por outro lado, o que temos visto é que, como o processo é mais acelerado –basicamente é resolvido em uma delegacia e muito rapidamente, em questão de horas– se pode colocar rapidamente na prisão [qualquer pessoa] por insultar alguém, e isso é usado com mais frequência”, explicou.