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Criadores brasileiros estão redefinindo a relação entre jornalistas e redações

A indústria de notícias está correndo para tentar definir, entender e até replicar o sucesso de criadores de conteúdo e influenciadores na tarefa de atrair e informar audiências nas redes sociais.

Pesquisadores estudam como eles operam, organizações jornalísticas avaliam se devem colaborar ou competir, e alguns jornalistas estão até deixando as redações para seguir carreira solo.

Um dos países onde o impacto desses novos atores sobre a indústria jornalística é sentido de forma mais intensa é o Brasil. E os números mostram isso.

Na busca por informação, usuários de redes sociais estão recorrendo mais a criadores e influenciadores do que a marcas de mídia tradicionais e seus jornalistas, segundo um estudo recente do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo.

 Os dados mostram que 33% dos entrevistados brasileiros dizem acompanhar criadores de conteúdo e influenciadores para se informar, enquanto 30% dizem seguir marcas tradicionais do jornalismo e jornalistas.

"Enquanto criadores de notícias e influenciadores atraem atenção considerável em países como México e Colômbia, o Brasil é o único país latino-americano em nossa análise onde os entrevistados disseram que prestam mais atenção a criadores individuais e personalidades para notícias nas redes sociais", disse Amy Ross Arguedas, uma das autoras do estudo, à LatAm Journalism Review (LJR)

A graphic listing the most mentioned news brands on social and video networks among Brazilian survey respondents. The ranking shows: 1. Globo/G1, 2. Record/R7, 3. CNN Brasil, 4. UOL, 5. SBT, 6. Band, 7. Jovem Pan, 8. Metrópoles. The source cited is the Reuters Institute.

As marcas de notícias mais mencionadas nas redes sociais e de vídeo pelos entrevistados brasileiros na pesquisa. (Crédito: Ilustração da Canva)

Arguedas disse que vários fatores ajudam a explicar esse resultado, como a alta dependência das redes sociais para consumo de notícias no Brasil. Ela disse que a pesquisa também mostrou que 54% dos entrevistados usam as redes sociais para se informar semanalmente, enquanto 35% disseram que as plataformas são a sua fonte principal de notícias. 

A jornalista acrescenta que o próprio tamanho do mercado brasileiro também tem um peso, já que sendo o maior país da América Latina, o público potencial para conteúdo jornalístico é muito maior do que em outros países da região. Outros fatores que influenciam esse cenário são a atração por conteúdos que ressoam com visões políticas específicas e a concentração de mídia. 

“​​Com opiniões divergentes em torno de figuras políticas controversas como [o ex-presidente] Bolsonaro, a polarização política também pode estar desempenhando um papel, com certos públicos recorrendo a influenciadores online em busca de conteúdo que esteja alinhado com suas visões de mundo”, disse Arguedas. “E por último, em um país com considerável concentração de mídia, alguns públicos podem encontrar uma maior diversidade de conteúdo fora dos veículos de notícias tradicionais.”

Arguedas também observa que, em ambientes de desconfiança institucional, indivíduos com nomes e rostos com os quais o público se identifica em um nível pessoal podem parecer mais autênticos ou confiáveis ​​do que marcas de notícias que alguns percebem como distantes ou desconectadas.

Os cinco nomes mais mencionados para conteúdo de notícias nas redes sociais pelos participantes da pesquisa no Brasil foram: o deputado federal Nikolas Ferreira; Alexandre Garcia, ex-TV Globo e atualmente comentarista no Youtube; Virgínia Fonseca, influencer de lifestyle e beleza; Leo Dias, jornalista de celebridades; e o ex-presidente Jair Bolsonaro. 

O papel crescente das iniciativas individuais

Sérgio Lüdtke, coordenador do Atlas da Notícia, que mapeia iniciativas de jornalismo no Brasil, disse que o crescimento do papel do indivíduo mostrado pelo estudo do Instituto Reuters coincide com o que sua própria pesquisa revela sobre a mídia no país.

“O ecossistema de informação está sendo redefinido por indivíduos”, disse Lüdtke à LJR.

No entanto, ele acrescentou: “Eles não são um grupo homogêneo que se possa classificar simplesmente como news influencers ou criadores de notícias.”

Lüdtke disse que o Projor, o Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo e responsável pelo Atlas da Notícia, criou um grupo de trabalho para entender e definir melhor os papéis dos criadores de conteúdo. Se necessário, o Atlas será atualizado para incorporar esse campo. 

“Creio que todos devemos ter a humildade de entender que temos muito a aprender uns com os outros”, disse ele. “Precisamos primeiro entender a diversidade de atores, seus processos e os resultados de suas atividades. Há um trabalho a ser feito de tipificação desse hibridismo, para a classificação dos papéis desses atores que estão na fronteira entre o jornalismo clássico e os comunicadores que atuam em plataformas de terceiros.”

Êxodo das redações?

Recentemente, conforme o estudo do Instituto Reuters, jornalistas de renome em diversos países têm deixado organizações de notícias para se estabelecer por conta própria, seja porque querem mais controle ou porque acreditam que podem ganhar mais dinheiro, ou os dois. Essa tendência é impulsionada pelo fato de que criadores independentes agora operam com uma base de custos mais baixa, levando a um êxodo de talentos de muitas organizações de notícias. 

A graphic listing the most mentioned individuals for news on social and video networks among Brazilian survey respondents. The ranking shows: 1. Nikolas Ferreira, 2. Alexandre Garcia, 3. Virgínia Fonseca, 4. Leo Dias, 5. Jair Bolsonaro. The source cited is the Reuters Institute.

As personalidades mais mencionadas em notícias nas redes sociais e de vídeo pelos entrevistados brasileiros em uma pesquisa. (Crédito: Ilustração Canva)

Lüdtke disse que essa transição de jornalistas de redações para produção autônoma ocorre tanto por oportunidade quanto por necessidade. 

"O fechamento ou a redução do tamanho das redações abre as portas para um campo mais amplo, sem barreiras de entrada e no qual o jornalista pode aproveitar suas redes como capital social", disse. 

Ele acrescenta que ter desenvoltura e ser um bom comunicador fazem parte do caminho para o sucesso, mas ressalta que isso não é o único perfil presente hoje. Lüdtke diz que também há profissionais que produzem reportagens e informações típicas do jornalismo tradicional e que optam por usar as plataformas como principal canal de distribuição.

Pedro Doria, jornalista que trabalhou por anos em redações tradicionais antes de se estabelecer também na internet, onde fundou o canal de YouTube Meio, que tem 356 mil inscritos. 

Ele disse que, enquanto no jornalismo tradicional a imparcialidade é valorizada e os jornalistas políticos não devem revelar preferências partidárias, na internet o cenário é um pouco diferente.

"O problema é que quando você vai para internet, por conta da natureza dos algoritmos, o público que tá interessado em notícia, tem lado e quer saber a notícia pelo ponto de vista do lado dele", disse Doria à LJR. “A internet, me parece, exige que você se posicione politicamente com transparência. Então, eu me posiciono claramente. Eu sou liberal e falo isso, inclusive entre outras coisas, porque acho que esse é um espaço para você educar as pessoas politicamente.”

Outra mudança crucial que Doria aponta é que a notícia virou commodity na internet. Ou seja, a notícia propriamente dita, como a fala de um deputado, ou um projeto de lei aprovado, já está em toda parte, então ele diz que compartilhar puramente essas informações não dão destaque para ninguém. 

"Não é dando notícia que você vai se destacar. Você vai se destacar com análise", disse Doria. “E essas análises precisam surpreender, não repetir argumentos que já circulam amplamente.”

Adaptações e desafios

O estudo do Instituto Reuters identificou que criadores de conteúdo estão tendo impacto especialmente significativo em áreas como comentário político, conteúdo explicativo e conteúdo especializado. 

No caso do conteúdo explicativo, os criadores traduzem notícias em formatos mais simples e acessíveis, frequentemente para audiências mais jovens, dependendo e remixando fontes tradicionais. 

Já no campo do conteúdo especializado, criadores constroem negócios pequenos, mas sustentáveis, em nichos como tecnologia, futebol e finanças, frequentemente com uma base de custos mais baixa que as organizações tradicionais.

Arguedas disse que os criadores têm sido mais hábeis que organizações tradicionais em adaptar narrativas e tom às exigências das plataformas sociais e aos gostos das audiências. Ela também salienta que eles abraçaram um conjunto mais amplo de necessidades da audiência relacionadas à entretenimento, lifestyle e conteúdo especializado que a mídia mainstream costuma prestar menos atenção. 

"Em geral, eles também se mostraram melhores em atrair e manter atenção em espaços de mudança rápida, impulsionados por algoritmos", disse ela. “Todas essas são áreas em que as organizações de notícias podem potencialmente aprender com criadores de conteúdo e influenciadores.”

Doria, no entanto, é cauteloso sobre a ideia de que veículos tradicionais devam simplesmente copiar influenciadores. Ele cita a revista The Atlantic, que encontrou seu espaço na internet aproveitando uma acidez que já tinha em seu DNA desde o século XIX.

"Os jornais não podem, simplesmente, porque existe a internet, jogar fora o público que ainda espera esse trabalho de jornais", disse Doria. “A solução passa por diversificar redações e ter abertura à experimentação, mas sem reinventar a voz do veículo. Você precisa encontrar na internet como você encaixa aquela voz."