A crise que afeta empresas jornalísticas mundo afora chegou ao mais antigo jornal em circulação na América Latina. Fundado em 1825, o brasileiro Diario de Pernambuco enfrenta uma crise financeira que limou um terço de sua redação e mantém seus funcionários em compasso de espera diante dos atrasos no pagamento dos salários e do suspense sobre o futuro do Diario.
No fim de março, foram demitidos 38 funcionários da redação, entre jornalistas, diagramadores e fotógrafos, conforme relatou ao Centro Knight Jaílson da Paz, que trabalha no jornal há 20 anos e é vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco (Sinjope).
“As editorias de Esportes, Viver [cultura] e Fotografia foram as que mais tiveram cortes”, disse Jaílson da Paz. “Esportes perdeu o editor, dois subeditores e três repórteres. Na Fotografia ficaram apenas três fotógrafos.”
Segundo nota assinada pelo Sinjope e pela Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), os profissionais foram demitidos em meio ao fechamento das páginas do jornal.
“Enquanto alguns tentavam desatar o nó do travamento da edição, profissionais dispensados deixavam a redação sob aplausos merecidos. Para quem ficava restava a expectativa se teria o nome chamado e a certeza de que o DP se esvaziava de competências enquanto a ineficiência reinava na demolição de uma empresa histórica”, escreveram as entidades em repúdio às demissões.
Essa foi a segunda demissão em massa no DP no período de um ano - em março de 2017, haviam sido dispensados 12 jornalistas. Os profissionais demitidos há um ano e aqueles demitidos recentemente ainda não receberam integralmente as indenizações a que têm direito segundo a legislação trabalhista brasileira, disse o jornalista.
“Para quem não conseguiu outro emprego, é uma situação muito difícil. É mais de um ano sem receber o que lhe é devido”, afirmou.
Segundo Paz, depois das demissões mais recentes ficaram na redação entre 60 e 70 pessoas. “Quando você tem uma redação com quase 100 você já trabalha um tanto; com 60 a 70, não dá para dar conta. Se dá conta, não fica no mesmo padrão”, disse Paz, editor-adjunto de Local.
Claudia Eloi, diretora do Sinjope e funcionária do Diario há 18 anos, afirmou que hoje na redação há acúmulo e desvio de funções, com os funcionários realizando atividades além daquelas para as quais foram contratados, como repórteres assumindo funções de editores. “As pessoas estão trabalhando 10, 12, 14 horas por dia”, disse.
Há atrasos no pagamento dos salários desde março de 2017, conta Paz. Ele explicou que no DP, os salários são pagos por quinzena, nos dias 5 e 20 de cada mês, mas há um ano os pagamentos atrasam ou são realizados em cotas, com algumas pessoas recebendo apenas parte do salário quando os pagamentos são feitos. No dia 22 de maio, os pagamentos dos dias 5 e 20 haviam sido realizados somente aos funcionários que recebem até R$ 2.000 - aqueles cujos salários estão acima disso ainda não haviam recebido o valor integral.
Eloi afirma que jornalistas e outros profissionais da redação estão “desmotivados”. “A gente pensou em paralisar, mas as pessoas estão sem forças para uma greve.”
Mediação do Ministério Público do Trabalho
Amparados pelo Sinjope, os trabalhadores do Diario de Pernambuco já recorreram duas vezes esse ano ao Ministério Público do Trabalho para tentar regularizar a situação trabalhista na empresa.
Na primeira audiência de mediação, em 16 de março, Alexandre Rands, presidente do jornal, sinalizou que planejava cortar um terço dos funcionários da redação e ressaltou que a empresa não tinha dinheiro para pagar as verbas rescisórias, conforme reportou Marco Zero.
No dia 3 de abril, em audiência realizada após as demissões, Rands disse novamente não dispor de recursos financeiros para o pagamento integral das rescisões contratuais e propôs parcelar o débito com os trabalhadores em até 18 meses, segundo informou o Sinjope. O procurador do Trabalho responsável pela mediação, Marcelo Crisanto, pediu que a empresa pagasse em até seis meses, o que seria, segundo ele, um prazo aceitável na Justiça do Trabalho.
Apesar da solicitação do procurador, nada aconteceu, disse Claudia Eloi. Ao Centro Knight, Crisanto afirmou que “o Ministério Público está atento aos desdobramentos do caso concreto, com a instauração de Inquérito civil, tendo sido realizadas inúmeras audiências, tanto com o sindicato denunciante, bem como com empresa representada, numa tentativa de solucionar da melhor forma possível os impasses noticiados”.
Jaílson da Paz afirmou que os trabalhadores e o sindicato planejam apresentar em breve um novo recurso ao MPT, na tentativa de acelerar o pagamento das indenizações a quem foi dispensado e a regularização dos salários dos funcionários.
Segundo ele, o novo projeto “Diario nos bairros” tem rendido uma receita publicitária significativa ao jornal. Lançado em abril, trata-se de um caderno especial que sai a cada 15 dias com a edição impressa do jornal e é voltado para um bairro da cidade de Recife, capital de Pernambuco e sede do Diario desde sua fundação. O caderno traz reportagens de todas as editorias e veicula anúncios direcionados ao bairro em questão.
Os trabalhadores querem o compromisso de que esta receita será revertida para o pagamento das pessoas que foram demitidas. “Quem fica [na redação] recebe um pedaço aqui, outro acolá, mas quem saiu não tem nada”, disse Paz.
Fluxo de receita ‘equilibrado’
O Diario de Pernambuco foi fundado em 7 de novembro de 1825 pelo tipógrafo Antonino José de Miranda Falcão em Recife, capital do Estado da região Nordeste do Brasil. Dois anos depois, no Chile, foi fundado El Mercurio de Valparaíso, que continua em circulação e disputa o título de mais antigo da região com o DP.
Até o começo de 2015, o Diario de Pernambuco era de propriedade do grupo Diários Associados, fundado em 1924 por Assis Chateaubriand, histórico magnata da mídia no Brasil. Naquele ano, o grupo Hapvida, por meio do Sistema Opinião de Comunicação, adquiriu o controle do jornal, para pouco depois vendê-lo ao grupo R2, dos irmãos Alexandre Rands, empresário, e Maurício Rands, advogado, Secretário de Acesso a Direitos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e ex-deputado federal (2003-2012). Os dois são os atuais presidente e vice-presidente do Diario, respectivamente.
O jornal, cuja versão impressa circula seis dias por semana com cerca de 26 mil exemplares, tem como fontes de renda a venda de assinaturas, de exemplares avulsos e de anúncios publicitários. Segundo afirmou Alexandre Rands ao Centro Knight, o Diario acumula quase 30% de perda de receita desde o fim de 2015. A queda na venda de anúncios é a principal responsável por essa perda, especialmente a diminuição do investimento publicitário de governos - municipal, estadual e federal -, disse ele. Isso contribuiu para o acúmulo de R$ 14 milhões de prejuízo nos últimos dois anos, acrescentou.
O presidente do jornal também afirmou que a empresa já estava em más condições financeiras quando foi comprada e a situação se agravou com a queda na receita.
“É necessário fazer um ajuste grande”, disse Rands. “O jornal foi formulado para uma época em que a divulgação era muito maior e a gente tinha menos fontes de informações diretas, como a internet.”
O ajuste necessariamente passava pelo corte de pessoal, segundo o empresário. “Formamos algumas ações para recuperação de receita para evitar demissões, mas não deu certo. O mercado piorou muito, caiu muito a arrecadação com publicidade. O que não conseguimos pela receita, vamos fazer pela despesa”, afirmou.
De acordo com Rands, após as demissões de quase 40 profissionais em abril, o fluxo de caixa da empresa está equilibrado, e são “prioridade” a regularização dos pagamentos aos funcionários e o pagamento integral das indenizações aos demitidos. “Só que a gente precisa de um superávit para começar a pagar essas despesas”, disse. “Estamos com uma série de ações para melhorar, gerar um superávit e ter caixa suficiente para pagar aquilo que foi acumulado de dívidas ao longo desses meses.”
Uma dessas ações é o projeto “Diario nos bairros”. “Estamos tentando trazer o jornal mais próximo da população”, disse Rands. “Nosso objetivo é pôr o jornal de pé e pagar as dívidas, afinal de contas esse é um grande patrimônio de Pernambuco, um patrimônio nacional, que a gente não pode deixar se acabar. Então é um pouco responsabilidade cívica garantir que se mantenha funcionando.”