O confronto que o presidente do Equador, Rafael Correa, mantém com a maioria dos meios de comunicação em seu país não é um segredo. Desde a aprovação da Lei Orgânica de Comunicação (LOC) em 2013, diversas organizações nacionais e internacionais têm denunciado restrições à liberdade de expressão e de imprensa no país.
Neste contexto, a Internet se tornou o espaço em que jornalistas equatorianos, e até mesmo a sociedade civil, encontraram para exercer este direito livremente. No entanto, o governo, seus membros e apoiadores parecem ter desenvolvido uma estratégia para restringir esse direito também no mundo online.
Assim disseram em uma carta enviada ao Centro Knight para o Jornalismo nas Américas em 17 de maio representantes dos meios digitais nacionais Plan V, 4 Pelagatos, Fundación Mil Hojas, Focus Ecuador, Ecuador en Vivo, o portal La República e a ONG equatoriana Fundamedios.
O comunicado salienta que estes meios têm sofrido várias ações por parte do governo e de seus funcionários que procuram "censurar" publicações em páginas digitais e em redes sociais. Tais ações, acrescenta, vão desde ataques hackers até banimento de serviço (conhecido como ataque DDOs) e aplicação de leis de propriedade intelectual dos Estados Unidos.
"Estas ações têm sido tão sistemáticas que têm deixado em evidência que obedecem a uma política governamental que tenta silenciar quem pensa de forma diferente", diz a carta, que descreve as ações que têm ocorrido nos últimos meses.
Por exemplo, desde março de 2015, quando o portal Foco Equador foi lançado, o portal já recebeu pelo menos três ataques, que o deixaram fora de serviço. Em 9 de maio, pouco antes da publicação de uma reportagem sobre um caso de suposta corrupção no setor de petróleo do país, um tema anunciado anteriormente, o site sofreu um ataque, diz a carta.
A reportagem foi publicada pelos portais Plan V e Mil Hojas. No entanto, "em questão de horas oscites desses meios sofreram ataques semelhantes", disse o comunicado.
De acordo com o relatório técnico do administrador web do Plan V, o portal recebeu mais de 400 pedidos de entrada por segundo nesse 9 de maio, o que ultrapassou em 300% sua capacidade. Foram detectados ao menos 29 endereços IP a partir dos quais vieram a maior parte dos pedidos de acesso, 20 deles estão registrados na China, diz a carta.
"Além de afetar o fluxo de informações e impedir o acesso de leitores ao conteúdo, esses ataques também têm impactos econômicos adicionais para um portal desse tipo", assegurou o textp, que observou que a história mais lida foi precisamente o que era para ser publicada pelo Focus Equador.
Além disso, a página do Facebook do portal Ecuador en Vivo foi eliminada após um ataque virtual em 23 de abril, que os levou a perder 26 mil seguidores. De acordo com o diretor do site, sua página no Facebook foi hackeada, seus contatos foram excluídos e, em seguida, a página foi removida.
De acordo com o comunicado, LaRepúlblica.ec sofreu ao menos uma dúzia de ataques DDOs nos últimos dois anos. O portal, dedicado à transmissões via streaming, tem notado que quando está prestes a transmitir marchas, manifestações, entrevistas coletivas de imprensa ou eventos previamente anunciados, é quando começam os ataques.
Para controlar o conteúdo do 4 Pelagatos, além de ataques cibernéticos, tem se utilizado a lei de direitos autorais ou copyright. Segundo a carta, em 17 e 18 de fevereiro, o portal recebeu notificações de seus servidores, CloudFlare e Amazon, sobre uma queixa apresentada pela Secretaria Nacional de Comunicação (Secom) por suposta violação de direitos autorais. A denúncia foi baseada no uso de 43 fotografias publicadas na conta do Flickr da presidência do país.
Em 30 de março, um vídeo do Youtube do veículo também foi removido por uma queixa de violação de direitos autorais movida pela Secom. No vídeo, havia um fragmento de um Enlace Ciudadano - transmissões semanais feitas pelo presidente Correa. Em 5 de maio, CloudFlare anunciou outra queixa aberta pela Secom para a uso na MashiMachine, criada pelo portal, que usa imagens dos Enlaces Ciudadanos. Em 6 de maio, a Secom pediu que a Amazon também removesse um artigo por "apropriação indevida de documentos públicos". Em 10 de maio, devido a uma nova denúncia da Secom, o portal teve de retirar 10 mensagens da sua conta do Twitter por uso de fotos da conta do Flickr da Presidência.
Focus Ecuador também foi sofreu processos por suposta violação de copyrght pela empresa Ares Rights em nome do governo. No dia 6 de maio ocorreu a mais recente, desta vez, quando a Secom e o movimento governista Alianza País o denunciaram por utilizar imagens postadas em redes sociais da Presidência.
O uso de leis de propriedade intelectual com o propósito de remover informações e outros conteúdos, foi denunciado anteriormente por várias organizações nacionais e internacionais tais como a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, em seus relatórios anuais.
O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) publicou em janeiro passado a pesquisa "Como a lei sobre direitos autorais é usada para silenciar os críticos do presidente Correa”. Há poucos dias, o CPJ informou que tweets com links para o estudo também haviam sido eliminados usando a lei de direitos autorais.
Os fatos alegados na carta também foram divulgados numa conferência de imprensa realizada no Equador. Nela, os meios de comunicação disseram que não descartam levar seus casos aos tribunais dos EUA, onde os seus servidores estão alojados e, assim, identificar os responsáveis pelos ataques cibernéticos.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.