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Diário de Pernambuco: apesar do reconhecimento histórico do acervo, jornal enfrenta crise financeira e ações trabalhistas

  • Por Marta Szpacenkopf
  • 14 janeiro, 2025

Enquanto o jornal mais antigo em circulação na América Latina se prepara para celebrar seu aniversário de 200 anos em meio a crise do setor e suas próprias dificuldades financeiras, jornalistas locais esperam que o recente reconhecimento do acervo do Diário de Pernambuco como patrimônio cultural material possa ajudá-lo a sobreviver.

“É o primeiro jornal dos países de língua portuguesa a ser reconhecido como patrimônio nacional de um país, é muito importante. O jornal viu a monarquia, viu a monarquia cair, viu pandemias, viu guerras. Contou e conta a história do Brasil e das pessoas que estão aqui”, Múcio Aguiar, ex-diretor de jornalismo do Diario de Pernambuco e presidente da Associação de Imprensa de Pernambuco (AIP), disse à LatAm Journalism Review (LJR).

Diario de Pernambuco edition from

(Photo: Agência Senado)

Apesar de sua longa história, o veículo não foi poupado de desafios financeiros e jurídicos. Dezenas de jornalistas foram demitidos nos últimos anos e o jornal enfrenta processos judiciais de ex-funcionários que dizem não ter recebido salários e benefícios contratuais, e uma investigação do Ministério Público do Trabalho de Pernambuco por denúncias de irregularidades trabalhistas.

O reconhecimento como patrimônio cultural não garante proteção legal ao seu acervo. No Brasil, uma coleção pode ser reconhecida como patrimônio por sua relevância histórica e cultural, mas para receber proteção legal completa, precisa ser oficialmente tombada, e a lei atribuída ao jornal não inclui o tombamento.

Ainda assim, o reconhecimento é visto por jornalistas locais e pela administração do jornal como uma possível tábua de salvação para garantir a sobrevivência do Diario de Pernambuco e de seu acervo por meio da busca de incentivos financeiros, parcerias e apoio de órgãos públicos.

A coleção do acervo do jornal possui 2.690 volumes, e desde 2022 está passando por um processo de conservação e digitalização como parte do Programa de Curadoria do Patrimônio Memorial de Jornais Centenários de Pernambuco, uma parceria entre a  AIP e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O projeto é supervisionado pelo professor Marcos Galindo, da UFPE, e a expectativa é que leve 10 anos para todas as etapas serem concluídas. Segundo Galindo, há uma necessidade urgente de mais financiamento para acelerar a conservação dos exemplares mais antigos que estão se deteriorando rapidamente.

“A declaração do acervo como patrimônio é importante, mas a gente precisa efetivamente de verbas”, disse Galindo à LJR. “A cada dia que passa é um dia a menos na vida desse material. Não estamos falando de um jornal qualquer, é um dos primeiros da América Latina, fundado por liberais, e que mostra a entrada do pensamento liberal no Brasil que culminou na República. Tem muita coisa sobre a escravidão, a revolução industrial, fascículos culturais com escritores da época. Imagina o valor que isso tem.”

O Diario de Pernambuco foi fundado em 7 de novembro de 1825 pelo tipógrafo Antonino José de Miranda Falcão em Recife, capital de Pernambuco, na região Nordeste do Brasil. Inicialmente, foi criado como uma folha de anúncios, com avisos de compra e venda de imóveis, objetos, leilões, aluguéis, roubos, achados e perdidos, fugas e apreensões de escravos, viagens, além de informar a hora de entrada e saída de embarcações no Porto do Recife.

Eight people working in special suits to preserve newspapers

Professor Marcos Galindo and his team work to restore the archive of Diario de Pernambuco. (Photo: Federal University of Pernambuco)

“Durante 300 anos, Pernambuco foi motor da economia do país e também foi um porto importante, o primeiro de chegada da Europa para cá, então as notícias chegavam primeiro aqui. Esse material é um retrato do Brasil”, contou Galindo.

O projeto de lei que resultou no reconhecimento do acervo como patrimônio nacional é de autoria do deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE), que também destinou R$ 300 mil em emendas parlamentares para o projeto de memória da UFPE em 2023. Estão em andamento leis semelhantes de reconhecimento do acervo na esfera municipal, em Recife, que aguarda apenas sanção do prefeito, e na estadual, pela Assembleia dos Deputados.

A atual diretora de jornalismo do Diario de Pernambuco, Paula Losada, também vê com bons olhos as iniciativas em prol da preservação e reconhecimento do acervo do arquivo. Segundo ela, o jornal recebe diversos pedidos de acesso ao arquivo para livros, filmes e pesquisas acadêmicas de todo o Brasil e também internacionais.

“O nosso arquivo é riquíssimo, tanto a fotografia quanto as informações. Tivemos pedidos de fotos da visita da rainha Elizabeth ao Recife, que completou 50 anos. Também cedemos uma capa dos anos 1970 para o último filme do Kleber Mendonça Filho. É uma referência da história do país e de Pernambuco. Essa medida é muito importante para a manutenção e preservação desse acervo, que está numa sala, catalogado e acondicionado”, disse Losada à LJR. 

Atualmente, o Diario de Pernambuco conta com 45 profissionais na redação, incluindo repórteres, editores, fotógrafos, diagramadores, profissionais de mídias sociais e estagiários, que trabalham em regime híbrido. O jornal tem uma tiragem de 10 mil exemplares e circula de terça a domingo, impresso por uma gráfica terceirizada. Às segundas-feiras, é disponibilizado apenas o arquivo em PDF da versão impressa. Com a pandemia, o jornal teve seu formato reduzido, levando a uma diminuição do espaço publicitário.

O Diario de Pernambuco também mudou de dono. Em setembro de 2019, foi comprado pelo advogado Carlos Frederico Vital das mãos dos irmãos Alexandre Rands e Maurício Rands, do grupo R2, que administravam o veículo desde outubro de 2015. A troca na gestão veio na esteira da acentuação da crise financeira do jornal, que se agravou em 2018, quando 38 funcionários foram demitidos da redação.

De acordo com Vital, o reconhecimento do acervo como patrimônio cultural material é uma vantagem para a empresa em termos de consolidação da marca no país. O advogado também defende as mudanças que foram feitas no jornal desde que ele assumiu como o dono, como a redução no quadro de funcionários e o foco no digital e nas redes sociais. Para 2025, ele disse à LJR que quer implantar uma nova plataforma para o site, “mais moderna”, e focar cada vez mais no digital.

Front page of Diario de Pernambuco's Jan. 13, 2025 edition

Diario de Pernambuco continues to publish after almost two centuries. (Screenshot of front page)

“A grande sacada da gente é o site, porque dá retorno na visualização,” ele disse. “Estou há cinco anos como dono e a gente vem batalhando muito. Quando a gente assumiu teve muita dificuldade, mas são coisas que estão sendo bem contornadas atualmente, como uma redação enxuta, que era uma coisa absurda e que não dava para sustentar, incompatível com a realidade da empresa.”

Uma nova leva de demissões aconteceu em setembro de 2023, com cinco profissionais dispensados. Segundo o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Pernambuco (Sinjope), um deles tinha 17 salários em atraso. Na mesma ocasião, o Sinjope reportou que o presidente do sindicato, Jailson da Paz, e o ex-presidente, Osnaldo Moraes, foram afastados de suas funções dentro da redação para integrar o grupo comemorativo no jornal para os 200 anos do Diario de Pernambuco. Atrasos no pagamento de salários também continuam sendo relatados entre os funcionários.

“Eu mesmo estou há quatro meses sem receber. O último salário que recebi foi do dia 22 de agosto, disse Paz à LJR. “A última informação que obtivemos, em novembro, era de R$32 milhões em dívidas trabalhistas. O Diario de Pernambuco hoje é uma caixa de irregularidades trabalhistas, infelizmente. Muita gente continua trabalhando lá porque o mercado está ruim e as pessoas precisam sobreviver.”

Em novembro, o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-6) aprovou a adoção de uma medida especial para agilizar o pagamento de dívidas trabalhistas do Diario de Pernambuco. São mais de 300 ações trabalhistas contra a empresa já em fase final, e a corte irá concentrar todos em um único procedimento. O objetivo é garantir que os trabalhadores recebam o que lhes é devido.

De acordo com Flavio Koury, vice-presidente jurídico do Diario de Pernambuco, o jornal está em negociações para começar a fazer aportes mensais em uma conta judicial para gradualmente reduzir o passivo trabalhista até conseguir vender o prédio sede e quitar toda a dívida.

“Nós estamos pretendendo começar com R$ 80 mil para amortizar o débito, começando em janeiro ou fevereiro, a depender do fluxo de caixa. E a nossa previsão e pretensão é quitar todo o passivo trabalhista com a venda do imóvel onde era a gráfica, em Santo Amaro, aqui no Recife, que está avaliado em R$ 27 milhões”, explicou Koury.

O Ministério Público do Trabalho em Pernambuco (MPT-PE) abriu, em julho, uma processo contra o Diario de Pernambuco por suspeita de "pejotização", acusando o jornal de contratar funcionários como pessoas jurídicas para evitar vínculos empregatícios e os direitos trabalhistas previstos em lei, como FGTS, 13º salário e férias. A ação busca obrigar o jornal a regularizar a situação dos trabalhadores.

Abel da Hora, advogado trabalhista do Diario de Pernambuco, disse que existe uma resistência do MPT para “situações novas” no mercado de trabalho.

“O Ministério Público está colhendo provas, nós apresentamos a nossa defesa. A gente defende que o que estamos fazendo é normal e legalizado, baseado em diversas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) desde a reforma trabalhista de 2017, que definiu que a terceirização é legal em determinadas situações”, disse da Hora à LJR. 

Para o futuro do Diario de Pernambuco, Vital quer implantar uma nova plataforma para os repórteres trabalharem e subirem matérias no site, “mais moderna” e semelhante às usadas por redações maiores. Ele também quer focar cada vez mais no digital, contando com publicidade digital e acessos online para garantir sustentabilidade financeira, e sonha em criar um aplicativo para a publicação.

“É uma luta constante, uma empresa de 200 anos que está viva, está respirando. Quando eu entrei a ideia era fechar com um passivo impagável. Eu ainda peguei dois anos de pandemia, com uma quantidade de funcionários fora da realidade da empresa, que precisava ser saneada”, defendeu Vital, que apesar de focar no digital, quer manter o impresso em circulação.

“Vai circular! Apesar de não dar lucro e não sustentar a operação da redação, o impresso se paga. Se o jornal não circular perde justamente o que ele tem. Os 200 anos têm importância porque ele é um jornal em circulação”.

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