Cursos renomados de jornalismo em todo o Brasil vão abrir disciplinas sobre empreendedorismo, gestão e negócios até 2018 e muitas já inseriram o conteúdo em suas grades curriculares.
É o caso de universidades públicas, como a Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de Uberlândia (UFU), bem como de particulares como a Cásper Líbero, ESPM e PUC do Rio Grande do Sul. A Universidade de São Paulo (USP), ligada ao governo do Estado de São Paulo, também dará uma matéria sobre empreendedorismo em jornalismo, prevista para começar até 2020.
Em parte, a inclusão dessas disciplinas na grade é motivada pelas novas diretrizes curriculares para o curso de jornalismo – aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação em setembro de 2013. O documento serve de orientação para as graduações de jornalismo, mas cada faculdade tem autonomia para montar o seu próprio currículo.
De acordo com a resolução, as universidades tinham dois anos – até 2015 – para se adequar às novas diretrizes, o que levou várias faculdades a reformularem o currículo de jornalismo recentemente. Outras, no entanto, se atrasaram e ainda não implementaram as mudanças.
Uma das recomendações das novas diretrizes trata do empreendedorismo. A resolução afirma que a faculdade deve "enfatizar, em sua formação, o espírito empreendedor" do aluno, para que ele seja capaz de, entre outras coisas, "conceber, executar e avaliar projetos inovadores".
"A tendência é que os cursos adotem essas disciplinas para se adequar às novas diretrizes, principalmente de empreendedorismo na internet. É um momento de mudança na grade", disse ao Centro Knight a professora de jornalismo da UFU, Mirna Tonus, que era presidente do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ) quando as diretrizes foram aprovadas, em 2013.
Além de atender às novas orientações, a inclusão dessas matérias no currículo é fundamental para preparar o aluno para as novas realidades do mercado, defendem professores e coordenadores consultados pelo Centro Knight. Em um cenário de redações cada vez menores e com vagas mais precárias, os estudantes têm dificuldade de encontrar um emprego formal. Mais de 500 profissionais da imprensa foram demitidos em 2016 no Brasil, segundo levantamento do site Comunique-se.
Entretanto, muitos cursos ainda preparam os estudantes para serem funcionários de grandes empresas de jornalismo. "Só que esse é um mercado que não existe mais, pelo menos não da maneira como as faculdades enxergam", disse ao Centro Knight o jornalista Jorge Tarquini, professor da ESPM, Metodista e Cásper Líbero na área de negócios, empreendedorismo e gestão em jornalismo.
Tarquini, que teve cargos executivos na editora Abril, afirma que o conhecimento de empreendedorismo e gestão é importante para qualquer jornalista, mesmo como funcionário de uma empresa. Ele cita o caso dos editores, que precisam contratar colaboradores, comprar fotos e textos e gerenciar um borderô editorial (orçamento).
"Eu aprendi tudo isso na marra, lamento não ter tido isso na faculdade. Um jornalista não sabe nem quanto custa para fazer uma matéria, isso é um absurdo. Nós ainda estamos formando pessoas que dizem: 'eu só faço texto, eu só crio, só reporto'", afirma ele, também criador da empresa Scribas.
As disciplinas de empreendedorismo são vistas como uma forma de ampliar os horizontes de atuação profissional e de dar mais autonomia aos alunos. Para a professora Ana Cecília Nunes, que dá aula de empreendedorismo e inovação no curso de jornalismo da PUC-RS, a faculdade tem a obrigação de apresentar um amplo leque de oportunidades aos estudantes.
"Nós pensamos na faculdade como algo que fecha portas: vou fazer jornalismo e ser repórter. Mas ela tem que abrir caminhos. O aluno tem que sair pensando: 'eu posso fazer tudo isso, o que eu quero?'", afirmou ela ao Centro Knight.
Nunes diz que as universidades precisam mudar de um conceito de empregabilidade para "trabalhabilidade". "Nós sempre debatemos a independência editorial, mas precisamos pensar na independência do jornalista, para que ele possa ter voz fora das empresas tradicionais. Jornalista não é só produtor de conteúdo, ele pode ser um criador, um analista, um gestor."
Crise do modelo de negócio
Além das vantagens para os alunos, a criação de disciplinas de empreendedorismo e gestão nas faculdades pode fomentar soluções para a atual crise no modelo de negócios do jornalismo.
"Quando houver muitos profissionais com essa formação e perfil, isso vai facilitar o surgimento de novos projetos. Até porque esses jovens já nasceram no ambiente digital e têm muita criatividade nessa área", disse ao Centro Knight a coordenadora do curso de Jornalismo da ESPM, Maria Elisabete Antonioli.
Da mesma forma, Tarquini destaca que os alunos atuais já consomem notícias de uma forma diferente e, por isso, não são apegados aos modelos tradicionais de jornalismo, como outras gerações. "Só precisamos sensibilizá-los para enxergar oportunidades de negócio nesse universo em que eles já trafegam com naturalidade", diz.
A possibilidade de os estudantes pensarem em alternativas para essa crise também coloca em questão o papel das universidades. Para a coordenadora do curso de jornalismo UFRJ, Cristiane Costa, as faculdades devem funcionar cada vez mais como laboratórios de boas práticas, onde os alunos possam experimentar, errar e acertar.
"O jornalismo pode ser reinventado dentro das universidades, mas, para isso, elas têm que se repensar. O aluno tem que poder experimentar na faculdade, sem a pressão de tempo e dinheiro. No mercado, se você ficar errando, a sua empresa quebra", afirmou ela ao Centro Knight.
A UnB, UFU e UFSC já implementaram o novo currículo e terão pelo menos uma disciplina obrigatória sobre empreendedorismo até 2018. Em entrevista ao Centro Knight, o diretor da Faculdade de Comunicação da UnB, Fernando Oliveira Paulino, disse que a faculdade vai estimular o debate sobre o tema "de maneira transversal também em outras disciplinas, atividades de pesquisa e de extensão".
A UFSC segue a mesma linha. "Vamos dar noções de administração e desenvolvimento de projetos, incentivar os alunos a usar a tecnologia a favor do jornalismo. Isso também será trabalhado nas disciplinas de webdesign e webdesign avançado", afirmou ao Centro Knight a coordenadora de jornalismo da universidade, Rita Paulino, que é doutora em Engenharia e Gestão do Conhecimento e se candidatou para dar a nova matéria.
Na USP, o novo currículo começou no primeiro semestre de 2017. Como a disciplina sobre empreendedorismo está prevista para final do curso, deve ser implementada somente em 2020. "Hoje isso é vital para o jornalismo, que é uma profissão que se faz cada vez mais de forma individualizada, você pode ter um blog, fazer freelas e gerenciar a sua própria carreira", disse o coordenador do curso de Jornalismo da USP, André Chaves de Melo Silva, ao Centro Knight.
A UFRJ ainda não implementou o novo currículo, o que deve ocorrer só em 2018 – a nova grade deve incluir uma disciplina obrigatória e algumas eletivas sobre o tema, segundo Costa.
A Cásper Líbero também não realizou a sua reforma curricular, mas uma nova disciplina sobre empreendedorismo está prevista para 2018. Atualmente o conteúdo é abordado na matéria "Administração de Produtos Editoriais".
A faculdade planeja abrir uma incubadora em 2018 e estimular o empreendedorismo no TCC (trabalho de conclusão de curso), de acordo com a coordenadora de jornalismo, Helena Jacob. "Queremos incentivar que os alunos façam projetos no final da graduação que possam se tornar realidade e gerar renda", disse ela em entrevista ao Centro Knight.
"Ecossistema empreendedor"
No caso da ESPM, como o curso é recente (foi criado há seis anos), a grade já incluía duas obrigatórias sobre gestão, empreendedorismo, negócios e planejamento. A faculdade oferece ainda um laboratório optativo, o EmpreendaJor. "Se o aluno tem uma ideia, ele é assessorado por um professor por seis meses. Em seguida, pode levar o projeto para a incubadora da ESPM", afirma Antonioli.
A graduação de jornalismo da PUC-RS segue um conceito de "trilha de empreendedorismo", com conteúdo e atividades em toda a grade curricular, de acordo com Nunes. A faculdade já passou pela reestruturação e tem há um ano duas disciplinas obrigatórias sobre o tema.
A primeira procura estimular o aluno a ter ideias. "Ele tem o primeiro contato com a possibilidade de criar algo. Ensinamos ferramentas de inovação, mapa de empatia, design thinking", diz Nunes. Já na segunda disciplina, os estudantes colocam a ideia no papel e desenvolvem a parte financeira. "Mostramos os modelos de negócio, crowdfunding de notícias, o mercado de leitores e anunciantes, o modelo grátis, entre outros", conta a professora.
O conteúdo, no entanto, está presente em outras disciplinas. "Em assessoria de imprensa, por exemplo, eles trabalham na criação de uma assessoria própria. Em jornalismo convergente, aprendem o básico de programação e desenvolvem um aplicativo. O objetivo é formar um caminho para o aluno, por isso as matérias se conectam", afirma Nunes.
Além da grade obrigatória, os alunos podem participar do Idear, centro de empreendedorismo multidisciplinar da PUC-RS lançado em 2016. No centro, eles passam por seis meses de mentoria e workshops. Depois, vão para a incubadora da universidade, a Raiar.
"O projeto pode ficar dois ou até três anos em incubação. Temos vários laboratórios, de criatividade e inovação, de prototipagem, de transferência de tecnologia...", afirma Nunes. "É um ecossistema de empreendedorismo".
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.