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Estratégias para crescer audiência e gerar receita com newsletter jornalísticas

Com o avanço da fragmentação do consumo de notícias e a crise do modelo tradicional de mídia, newsletters voltaram ao centro das estratégias de jornalismo

Jornalistas independentes e veículos de comunicação usam newsletters para compartilhar notícias diárias, suas últimas investigações, matérias exclusivas, análises e opiniões. Para muitos, elas são essenciais para a formação e manutenção de sua marca.

Mas transformar uma newsletter em um produto sustentável exige mais do que escrever regularmente e esperar crescimento orgânico. 

Especialistas afirmam que crescimento de audiência exige estratégia, consistência e olhar de negócio, três elementos que muitos jornalistas ainda não tratam como parte do trabalho editorial.

Principais desafios

A transição de um projeto pessoal de sucesso inicial para um negócio sustentável é o desafio mais comum enfrentado por jornalistas empreendedores, disse Liz Kelly Nelson, fundadora do Project C, iniciativa focada em capacitar jornalistas e criadores independentes a construir negócios de mídia sustentáveis.

“A maioria dos jornalistas começa bem porque já tem uma rede pessoal que acredita no seu trabalho: amigos, colegas, antigos leitores. O desafio é crescer além desse círculo”, disse Nelson à LatAm Journalism Review (LJR). “Jornalistas sabem fazer reportagem, mas nem sempre sabem distribuir conteúdo.”

Outro empecilho para o crescimento é que muitos jornalistas não pensam no que o mundo dos negócios chama de ajuste produto-mercado, conforme explicou Blair Hickman, estrategista digital e especialista em desenvolvimento de audiência. Ela disse que quando a newsletter fica estagnada, é preciso avaliar se o conteúdo realmente se adequa ao público que se pretende alcançar. 

“Se estiver adequado e o jornalista tiver atingido o seu limite de público-alvo, então começar a pensar em novos públicos-alvo e em quais conteúdos ele precisaria criar para atingir esse objetivo”, disse Hickman à LJR. “O conteúdo é o principal impulsionador do crescimento. E talvez fazer mais promoção cruzada com criadores alinhados editorialmente.”

Woman with long brown hair looking at the camera, wearing a patterned jacket and sitting against a neutral background.

Blair Hickman ajuda organizações de notícias e jornalistas independentes a construir estratégias de audiência e receita. (Foto: Cortesia)

Hickman também alerta para o foco excessivo em táticas voltadas para a parte mais técnica desde o início da criação de uma newsletter. Como as plataformas mudam seus algoritmos a cada seis meses, ela acredita que isso não deve ser uma grande preocupação até a newsletter estar maior. 

"O tempo de postagem e a escolha de plataformas serão importantes, claro. Mas fundamentalmente você precisa entender para quem está falando e como essas pessoas passam de saber que você existe a se tornarem superfãs”, disse. “Apenas foque em criar o melhor conteúdo possível para sua audiência.”

Nelson e Hickman são instrutoras de um próximo curso do Knight Center sobre como profissionalizar operações de receita de newsletters. O curso pago “Revenue 201: A Hands-On Course to Turn Your Newsletter into a Thriving Business” inclui estratégias para crescer assinaturas e patrocínios, além de ferramentas práticas como kit de mídia e campanhas de fim de ano prontas para uso. Oferecido em inglês, o curso começa em 3 de novembro e as inscrições já estão abertas.

Dicas e conselhos práticos 

Em termos práticos, Nelson diz que as barreiras mais comuns são identificar quem realmente é o próximo público para a newsletter e entender com o que eles se importam e onde passam o tempo; equilibrar a criação de conteúdo com o marketing; e criar sistemas para o crescimento, como programas de indicação, parcerias e calls-to-action consistentes. 

“Muitos ainda acham que a autopromoção é desconfortável ou ‘antijornalística’”, disse. “O crescimento exige intencionalidade na estratégia de audiência, pensar não só no que é valioso dizer, mas em quem precisa ouvir e como essa pessoa vai encontrar seu conteúdo.” 

Hickman disse que pensar como fundador é uma das mudanças de mentalidade que jornalistas precisam adotar que ajudam na sustentabilidade de uma newsletter no longo prazo. Ela também reforça a importância de saber lidar bem com as adversidades que serão encontradas ao longo do caminho. 

 "Você tem que tomar ação rapidamente, fazer coisas que são desconfortáveis e aprender o que o mercado vai pagar”, disse. “O LinkedIn só mostra histórias de sucesso brilhantes. Ser um empreendedor solo é desgastante e envolve muita falha. Ressignificar a falha como sucesso, porque significa que você tentou, ajuda muito.”

Woman sitting on a wooden bench with legs crossed, wearing a black outfit and brown boots, smiling at the camera.

Liz Kelly Nelson, cofundadora do Project C e estrategista de newsletters, argumenta que o crescimento requer uma estratégia de público intencional. Foto: Cortesia

Em relação à viabilidade financeira, Nelson diz que é importante começar definindo o seu valor para a comunidade, não apenas os tópicos que serão abordados na newsletter. Ela também recomenda misturar modelos de financiamento, como apoio dos leitores (através de assinaturas ou planos pagos), patrocínios, eventos, consultorias, ou colaborações com ONGs e marcas alinhadas aos seus valores. 

“Que lacuna você está preenchendo que ninguém mais preenche? Construa uma receita gradual e diversificada em torno dessa missão. Estabeleça parcerias desde o início, especialmente com organizações locais ou outras mídias independentes”, disse ela. “E o mais importante: proteja sua independência sendo dono da sua lista e da identidade da sua marca. A jornada do criador-jornalista não é sobre seguir sozinho. Trata-se de construir um ecossistema pequeno e sustentável em torno das suas reportagens.”

Hickman reforça que encontrar o ajuste produto-mercado é essencial. 

"Escute qual conteúdo sua audiência mais ama, as palavras que eles usam para descrever seu trabalho e se aprofunde nisso”, disse ela. “E mantenha a mente aberta sobre quem essa audiência pode realmente ser. Essas são as pessoas que vão pagar. E a receita de leitores é frequentemente muito mais fácil de alcançar do que patrocínio, que pode exigir uma escala imensa."

A estratégia por trás de uma newsletter de sucesso

Lançado em 2016, o brasileiro  Meio nasceu justamente com essas premissas: resolver um problema de consumo de notícias e encontrar uma forma eficiente de distribuição. O que começou como uma newsletter diária hoje também se transformou numa plataforma com canal no YouTube, podcast e streaming para assinantes.

Liz Kelly Nelson, cofundadora do Projeto C e estrategista de newsletters, argumenta que o crescimento requer uma estratégia de público intencional. Foto: Cortesia

Pedro Doria e Vitor Conceição lançaram o Meio em 2016 (Foto: Divulgação)

"Você tem que adaptar as suas estratégias ao momento em que a internet está e a internet é realmente uma coisa muito fluida”, disse Pedro Doria, um dos fundadores do Meio à LJR

A estratégia inicial foi estudar os novos hábitos digitais da audiência. Ele disse na época, a publicidade para o jornal impresso estava caindo na mesma medida que as pessoas estavam perdendo o hábito de consumir jornais e revistas impressos. Ele e o sócio, o empreendedor Vitor Conceição, começaram a pensar que tipo de negócio relacionado ao jornalismo poderiam criar e optaram por testar um produto mínimo viável. 

“Toda a nossa lógica sempre é olhar para os hábitos digitais que as pessoas já criaram, que já consolidaram, e como que a gente consegue botar o jornalismo nesse momento da pessoa”, disse Doria. “Na época, a lógica era: o que que a gente consegue fazer muito barato. E uma newsletter entra no hábito das pessoas."

Nos primeiros dois anos, Conceição disse que o Meio focou exclusivamente em construir audiência antes de pensar em monetização. Quando eles alcançaram a audiência pretendida, o primeiro desenho foi ir atrás de publicidade, mas logo viram que não seria suficiente e se voltaram também para as assinaturas. 

“Publicidade é um mercado que flutua muito. Você vai ter aquele momento que vende bem e vai passar meses sem vender nada. E aí a gente teve uma longa discussão, que passou muito por propósito”, disse Conceição à LJR. “A gente já pensava muito que um dos problemas que o mundo está tendo é que as pessoas não têm informação, perderam o hábito de se informar. Uma democracia não funciona sem um leitor bem informado. Se todo jornalismo de qualidade está atrás do paywall, como é que as pessoas vão se informar?.”

A solução foi manter a newsletter diária gratuita e criar conteúdo adicional para assinantes pagos: uma edição especial aos sábados, recebimento prioritário da newsletter diária e, na época, acesso a ferramentas internas de monitoramento de notícias. 

Hoje, o Meio funciona em um tripé estratégico. A newsletter reforça a marca, o Youtube atua como boca de funil, atraindo uma audiência de massa que procura jornalismo em vídeo, e o streaming serve para converter o público de volume em assinantes com conteúdo premium. 

"A newsletter nos dá prestígio. Pela newsletter a gente é lido por um público que é altamente qualificado: executivos das maiores empresas, políticos, economistas, jornalistas, publicitários, gente muito influente", explicou Doria. "Se você me perguntar daqui a cinco anos como é que o Meio vai funcionar, vai ser de outro jeito. A gente vai fazer 10 anos no ano que vem e a gente já teve uns três modelos. E está tudo bem.”

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