Desde o início de suas formações, jornalistas são ensinados que a profissão é importante para a sociedade e para a manutenção da democracia. Mas como indicar, de forma mensurável, essa relevância na vida das pessoas?
Para responder a essa pergunta, o jornalista, desenvolvedor e pesquisador brasileiro Pedro Burgos desenvolveu o Impacto.Jor, um programa que mede os diferentes efeitos reais que uma reportagem pode causar – do simples agradecimento de um leitor até a derrubada de um secretário ou a mudança de uma lei.
A ferramenta, criada em parceria com o Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor) e o Google News Lab Brasil, já está em uso em cinco redações brasileiras: Gazeta do Povo, Folha de S. Paulo, Veja, Nexo e Nova Escola.
O funcionamento é simples. Um bot lê páginas de sessões de câmaras legislativas municipais, estaduais e federais procurando menções ao veículo e as registra. Ele também verifica as redes sociais de personalidades cadastradas como influenciadoras na área da cobertura, assim como outros blogs e sites de notícias. Além disso, é possível registrar ‘impactos’ manualmente – a ideia é que todo repórter registre, em um formulário digital, as repercussões que recebeu de suas reportagens.
Posteriormente, um ‘editor de impacto’ vai verificar os efeitos registrados pelas reportagens e classificá-los como positivos ou negativos, além de informar o tamanho da repercussão gerada - de uma a três estrelas.
Depois de algum tempo coletando estatísticas, os jornais podem enviar ‘relatórios de impacto’ a seus leitores, apoiadores e anunciantes. Os números podem ajudar a ter uma noção qualitativa do jornalismo produzido por um veículo, em oposição às métricas quantitativas de curtidas, compartilhamentos, acessos na página e vendas. A ideia é de que os dois pólos de medição criem um índice híbrido de sucesso no jornalismo.
O projeto se encaixa no pilar de Credibilidade e Verificação do Google News Lab para o Brasil e a América Latina. “Não tem nada como isso acontecendo em lugar nenhum do mundo”, assinalou o líder do Google News Lab para a região, Marco Túlio Pires, ao Centro Knight, durante o 12º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, em São Paulo.
“Sempre achei que o Brasil é um país muito inovador. Temos que reconhecer e dar espaço para isso aparecer. O Brasil é um player muito importante para o jornalismo, mas como não falamos inglês temos que dar mais visibilidade aos nossos projetos”, acrescentou Pires.
Burgos aponta que várias organizações de jornalismo non profit já adotam a prática de informar a suas comunidades as mudanças que provocaram na vida real. O jornalista passou dois anos e meio em Nova York, com experiências na City University of New York e na Columbia University. Ele estudou o caso de instituições como ProPublica e The Marshall Project, onde trabalhou por um ano como editor de engajamento. Da mesma forma, destaca Burgos, empresas com fins de lucro usam slogans como ‘Democracy Dies in Darkness’ (A democracia morre na escuridão), do Washington Post, que ressalta a importância da atividade jornalística e, consequentemente, o apoio dos leitores.
“A ideia é entender como a reportagem reverbera no debate público”, explicou Pedro Burgos ao Centro Knight. “Queremos provar ao leitor que temos importância na democracia, e isso é importante inclusive para a auto-estima do jornalista. Não se trata de ganhar apenas assinaturas, mas sim ganhar apoio à nossa missão, membros para a comunidade”.
Para Cristina De Luca, editora at large da IDG Brasil, o projeto se encaixa em uma tendência geral de vivência digital do jornalismo, de colocar o leitor em foco - e não mais os anunciantes.
“A mídia precisa conhecer muito bem o seu leitor. E para isso, tem que entender o impacto na vida dele, inclusive as mudanças de comportamentos e atitudes. Cada vez mais sabemos que a reputação e a credibilidade não estão ligadas ao ‘clique’”, analisou De Luca, em entrevista ao Centro Knight.
A experiência da Gazeta do Povo
O jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, no Paraná, implementou o software na redação há cerca de dois meses e registrou quase 150 impactos, cerca de três por dia. O diretor de redação, Leonardo Mendes Júnior, garante que a nova ferramenta já trouxe empolgação entre os jornalistas, com investimento zero para a empresa. O Impacto.jor se apresentou em um momento crucial para o veículo: recentemente, o tradicional diário do sul do país mudou o foco para o digital e passou a publicar seu ua versão impressa apenas nos fins de semana.
“Temos mais repórteres e editores se engajando. Antes, falávamos muito em métricas de audiência. Como deixamos de ter o jornal diário, é natural que tenha um temor na redação de um ‘vale-tudo’ pela audiência. Com o impacto, podemos medir a relevância, a qualidade. É um reforço na nossa estratégia de negócios”, disse ao Centro Knight.
Na adaptação dos jornalistas à nova rotina de registrar repercussões das matérias, a direção da Gazeta se preocupou em reforçar a diversidade das dimensões de um impacto.
“Cada editoria teve autonomia para definir o que é um impacto. A seção de Gastronomia, por exemplo, pode impactar no sucesso de um restaurante. Também podemos aguçar o debate sobre um tema. Isso reflete bem o desenho do jornal, que cobre todas as áreas”, disse Mendes.
O diretor de redação adiantou que a ferramenta pode servir para administração interna, no sentido de medir a produtividade de cada profissional e seção do veículo. “Ainda estamos formatando como medir o impacto quantitativo e o qualitativo. Vamos aos poucos calibrando a medida de sucesso de cada editoria”, afirmou Mendes.
Para Burgos, as reverberações da medição de impactos no jornalismo vão gerar mudanças a longo prazo. “Eventualmente, isso pode mudar a própria linha editorial do veículo. Trabalhar pensando no impacto é muito mais uma mudança de cultura nas redações. Não adianta ter um software se você não tem uma mentalidade para isso”, analisou Burgos.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.