Folha de S. Paulo, diário de maior circulação do Brasil, surpreendeu a indústria jornalística no dia 8 de fevereiro ao anunciar que deixaria de publicar conteúdo no Facebook. A direção do jornal acredita que mudanças recentes no algoritmo da rede social diminuem a visibilidade do jornalismo profissional e favorecem a propagação de conteúdo mentiroso. O editor-executivo do jornal, Sérgio Dávila, afirma que há notícias de movimentações semelhantes em outras redações.
“Quanto mais [redações] tomarem decisão parecida, melhor para o jornalismo profissional”, disse ele, por e-mail, ao Centro Knight.
Ainda que a mídia estrangeira não pareça estar fazendo um movimento similar de retirada do Facebook, Dávila indicou a atenção que seu jornal tem recebido desde o anúncio que deixaria a plataforma de mídia social.
“O interesse da mídia estrangeira que nossa decisão despertou mostra que há outras redações pensando de maneira semelhante”, disse o editor.
Em janeiro deste ano, o Facebook avisou que seu algoritmo passaria a dar mais relevância a conteúdos de interação pessoal, produzido por amigos ou familiares. Isso em oposição aos posts compartilhados por empresas – como os veículos de mídia, que passaram a aparecer menos nas timelines dos usuários.
No anúncio da quinta-feira, a Folha afirma que a estratégia da rede social facilita a distribuição em massa de conteúdo deliberadamente mentiroso. Além disso, não há garantias de que o leitor vai receber posições contraditórias às compartilhadas por seus contatos do Facebook.
“Isso reforça a tendência do usuário a consumir cada vez mais conteúdo com o qual tem afinidade, favorecendo a criação de bolhas de opiniões e convicções, e a propagação das fake news", afirmou o texto que anunciava a decisão do jornal.
Um levantamento feito pela Folha indicou que o engajamento de usuários com páginas de jornalismo profissional já estava em declínio frente ao crescimento da interação com páginas de fake news. Curtidas, reações, comentários e compartilhamentos de 21 páginas produtoras de conteúdo falso cresceram 61,6% entre outubro de 2017 e janeiro de 2018. Já entre 51 páginas de empresas de mídia brasileiras, o engajamento caiu 17% no mesmo período.
Em um post que adiantava a mudança no algoritmo, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg afirmou que a mudança buscar melhorar a experiência dos usuários na plataforma.
“Recentemente, tivemos feedback da nossa comunidade que conteúdo público – posts de empresas, marcas e mídia – está excluindo os momentos pessoais que nos levam a nos conectar mais uns com os outros", escreveu ele.
Procurada para comentar a saída da Folha do Facebook, a assessoria da rede social informou por e-mail ao Centro Knight que que a empresa está comprometida “em construir uma comunidade informada, e trabalhamos em parceria com empresas de mídia na América Latina para que elas possam usar nossa plataforma para se conectar com suas audiências de maneira significativa”.
Ainda de acordo com a declaração do porta-voz da empresa, a rede social está adotando “uma série de medidas para garantir que as notícias que as pessoas veem no Facebook sejam informativas e de alta qualidade.”
Desde o ano passado, a rede social tem promovido tentativas de se aproximar dos atores da indústria jornalística com o Facebook Journalism Project. A iniciativa busca encontrar maneiras para empresas de mídia utilizarem melhor a plataforma e tornarem sua presença mais rentável, segundo a revista AdAge. No Brasil, por exemplo, o Facebook lançou, em parceria com o site de fact-checking Aos Fatos, o projeto de uma bot verificadora de fatos para combater fake news, especialmente durante as eleições brasileiras.
A empresa também tem experimentado com o Instant Articles. Lançado em 2015, trata-se de uma forma de acelerar o carregamento de matérias de mídias parceiras, diretamente no app do Facebook. Grandes empresas de mídia, no entanto, têm abandonado a plataforma, que foi infestada por produtores de fake news – segundo uma reportagem recente do Buzzfeed, pelo menos 29 páginas usavam o Instant Articles para publicar notícias falsas. A Folha nunca aceitou as condições de uso da ferramenta.
“[No Instant Articles], os veículos transferem gratuitamente seu conteúdo para a rede social, sem direito a cobrar pelo acesso a ele, em troca de acelerar o carregamento das páginas. A única remuneração oferecida pelo Facebook diz respeito à venda de anúncios dentro de sua plataforma”, escreveu o jornal no anúncio desta quinta-feira.
Para o editor Dávila, pagar as empresas produtoras de jornalismo profissional pelo conteúdo publicado na mídia social é uma das principais medidas que o Facebook deveria tomar para privilegiar jornalismo de qualidade na plataforma.
“Estudos indicam que um terço do conteúdo compartilhado no Facebook vem do jornalismo profissional. Quanto o Facebook fatura com tal conteúdo? Quanto está disposto a remunerar por ele?”, questionou ele.
Menos leitores
Mesmo antes de uma mudança no algoritmo, a Folha já vinha experimentando queda na importância do Facebook como canal de distribuição, como afirmou o jornal em seu anúncio. São 5,95 milhões de seguidores na fanpage do veículo – o maior número entre jornais brasileiros.
Dados de um levantamento feito pelo próprio veículo paulistano apontam que o engajamento dos 10 principais jornais brasileiros na plataforma social caiu 32% de janeiro a dezembro do ano passado. O Instituto Verificador de Comunicação (IVC) informou ao The Guardian que o acesso aos 10 maiores sites de jornais pelo Facebook caiu de 9% para 7% nos últimos sete meses de 2017. Números do próprio Facebook mostraram que os usuários passaram 50 milhões de horas a menos por dia na rede social no último bimestre do ano passado, como reportou o Telegraph..
Em relação à receita, o Facebook, junto com o Google, representa apenas 5% da receita digital das publicações, de acordo com um relatório do Digital Content Next reportado pela Digiday. No entanto, a rede social era em 2017 a plataforma individual que mais gerava recursos para publishers (renda US$ 1,5 milhão, 59% de todo o dinheiro gerado de mídias sociais), segundo a ANJ.
Para a Folha, a saída do Facebook não representa grande preocupação com a diminuição de leitores. “Alguma queda de audiência está prevista –mas não grande, uma vez que a audiência gerada pelo Facebook é declinante”, afirmou Dávila. “Pretendemos investir mais em newsletters e em outras redes sociais e aplicativos de compartilhamento”.
Segundo Dávila, a discussão que culminou no abandono do Facebook pelo jornal começou em 2016. Em 2017, a Folha lançou um novo projeto editorial, no qual se posiciona como “praça pública” frente ao “condomínio fechado das convicções autorreferentes das redes sociais”. No documento, o jornal é crítico à “reiteração estéril de hábitos e opiniões preexistentes” na internet.
O jornal continua a atualizar os perfis no Twitter (6,2 milhões de seguidores), LinkedIn (726 mil) e Instagram (727 mil). A estrutura da Folha mantém ainda a editoria de redes sociais – segundo Dávila, sua atribuição segue sendo “tornar nosso conteúdo atraente para quem quiser consumi-lo”.
“Mas, como diz nosso novo Projeto Editorial, não queremos o clique pelo clique”, disse Dávila. “Interessa a nós o leitor que venha para ler uma reportagem e continue em nosso ambiente [...] O momento é de audiência qualificada que aceite pagar por conteúdo de qualidade”.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.