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Fórum de Jornalismo Argentino denuncia ‘ataque organizado’ na redes e ‘hostilidade crescente’ de Javier Milei contra jornalistas

O presidente da Argentina, Javier Milei, tomou parte em um ataque digital contra o Fórum de Jornalismo Argentino (Fopea, na sigla em espanhol) nos dias 27 e 28 de junho na rede social X. O Fopea relatou ter sofrido uma “clara campanha de difamação por parte de operadores digitais ligados ao governo”, que incluiu a disseminação de prints de um chat “absolutamente falso”, segundo a organização, e ataques diretos do próprio mandatário.

O incidente marca mais um episódio tenso do presidente argentino, que assumiu o cargo em dezembro do ano passado, com jornalistas e com a imprensa. Milei investiu contra meios jornalísticos públicos da Argentina, foi processado por injúria contra um jornalista e, segundo organizações do setor de comunicação na Argentina, segue políticas que incentivam a concentração midiática.

De acordo com o Fopea, a nova onda de ataques começou em 27 de junho. No dia anterior, o Ministério de Capital Humano da Argentina publicou em seu perfil no X um chamado para a Matrícula Nacional de Jornalistas, um registro dos profissionais na Secretaria de Trabalho, Emprego e Segurança Social. A página da Secretaria afirmava que o registro era obrigatório, conforme reportaram meios argentinos.

No dia 27, o Fopea se pronunciou contra a medida, destacando que desde 1985 a Corte Interamericana de Direitos Humanos considera a obrigatoriedade do registro uma restrição ilegítima ao direito universal à liberdade de expressão.

"O Fórum de Jornalismo Argentino (Fopea) condena e deplora a decisão do Ministério do Capital Humano da Nação de reintroduzir a matrícula obrigatória de jornalistas, uma prática obsoleta [...] O Fopea exige que o Ministério do Capital Humano corrija seu erro e elimine a obrigatoriedade da aplicação de uma regra que caiu em desuso devido à incompatibilidade com a ordem jurídica e à falta de uso concreto e contínuo por décadas", afirmou o comunicado.

Os jornais La NaciónClarínPágina 12 foram alguns dos meios argentinos que repercutiram a declaração do Fopea. A presidente do Fopea, Paula Moreno, disse à LatAm Journalism Review (LJR) que enviou a declaração por WhatsApp ao secretário de imprensa do governo Milei, Eduardo Serenellini, com quem já tinha tido reuniões sobre outros temas.

“Ele [Serenellini] esclareceu: [a matrícula] ‘não é obrigatória’. Ele me diz isso algumas vezes por escrito em um chat e depois me liga e diz que não, não é obrigatória”, afirmou Moreno. “Minha resposta foi ‘bem, então vocês mesmos publiquem isso, em seus canais, de forma oficial, negando essa situação’, e eles não o fizeram.”

O post do Ministério do Capital Humano sobre a matrícula de jornalistas foi apagado. Em entrevista ao jornal La Nación, Serenellini confirmou a conversa com Moreno e disse que a publicação do Ministério afirmando que a matrícula era obrigatória foi um “erro involuntário”. No entanto, não houve até o momento um esclarecimento oficial do governo argentino em seus canais institucionais sobre o tema.

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O post na rede X com os prints falsos, segundo o Fopea, de suposta conversa da organização. (Captura de tela)

No fim da tarde de 27 de junho, um usuário do X próximo ao governo Milei publicou um suposto vazamento de uma conversa entre membros da comissão diretora do Fopea no WhatsApp. As mensagens tratam do YouTuber libertário Mariano Pérez, um apoiador do presidente, que naquele mesmo dia, pela manhã, havia ido a uma marcha de opositores de Milei em frente ao Congresso argentino. Pérez postou um vídeo em seu canal do YouTube que mostra que ele foi reconhecido por manifestantes como “militante de Milei” e expulso aos empurrões da manifestação.

Segundo os prints da suposta conversa compartilhada no X, a comissão diretora do Fopea teria debatido se a organização deveria ou não se solidarizar com o YouTuber, que é credenciado como jornalista na Casa Rosada, sede do governo argentino. “Que #FOPEAComplice sea tendencia YA” (“Que #FOPEACúmplice seja trending topic JÁ”), escreveu o usuário que postou os prints.

“Essa conversa é absolutamente falsa. De modo algum nós tivemos uma conversa com essas características. Nem sequer tínhamos começado a discutir e nunca teríamos discutido nesse tom”, disse Moreno. “Chega a ser bizarro, de certo modo. E bem, isso foi rapidamente compartilhado e o que entendemos é que há uma situação maliciosa, um assédio organizado”.

A partir disso, usuários do X – entre eles, o presidente argentino – começaram a republicar a mensagem original com os prints e a postar novos ataques com a hashtag.

Segundo Moreno, foi um “ataque organizado muito difícil de responder” e “muito volumoso”.

“De fato, a hashtag que eles propuseram se tornou trending topic em poucos minutos, e isso também mostra a capacidade de resposta e organização para instalar [o ataque]”, disse ela.

Pouco depois do post original com os prints da suposta conversa entre membros da diretoria do Fopea, a organização se pronunciou afirmando que os prints eram forjados e que tal conversa “jamais existiu”.

“Sua divulgação tem a clara intenção de desacreditar essa organização”, afirmou o Fopea, que atribuiu a “falsa acusação” ao fato de o alerta anterior sobre a matrícula obrigatória para jornalistas ter recebido ampla atenção midiática no país.

Na manhã seguinte, Moreno concedeu uma entrevista a um programa de rádio sobre os ataques ao Fopea. Questionada sobre por que a organização não se solidarizou com o YouTuber no dia anterior, Moreno respondeu que o Fopea trabalha “pelo jornalismo profissional” e que Pérez “se define como militante de Milei”.

As declarações de Moreno motivaram uma nova onda de ataques nas redes sociais na manhã do dia 28. Milei escreveu então em seu perfil no X: “FOPEA ES UNA VERGÜENZA” (“Fopea é uma vergonha”).

Até o dia 8 de julho, o post do presidente argentino havia acumulado mais de 880 mil visualizações, 16 mil curtidas e dois mil compartilhamentos. Milei seguiu repostando mensagens de outros usuários atacando a organização e usando a hashtag #FOPEAComplice.

Contexto de ataques

Os ataques contra o Fopea se inserem em um contexto de “hostilidade crescente do governo em geral e do presidente em particular em relação aos jornalistas”, disse Moreno.

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O presidente argentino, Javier Milei, escreveu na rede X que o Fopea "é uma vergonha". (Captura de tela)

“O nível de hostilidade é muito grave. E é muito grave o fato de estar na cabeça do próprio presidente da nação”, afirmou a presidente do Fopea. “Mesmo o jornalista de maior credibilidade em um país não tem o alcance e a responsabilidade institucional do presidente da nação. Ele não fala por si mesmo, ele fala por um país.”

O Fopea é uma associação fundada em 2002 e que reúne mais de 600 jornalistas argentinos. Em março, a organização publicou um balanço de seu monitoramento dos ataques ao jornalismo no país nos primeiros 100 dias de governo Milei. Segundo o Fopea, 40% das agressões à imprensa no período foram perpetradas por Milei ou por seus ministros.

Moreno disse que esse ataque contra o Fopea não tem precedentes por seu volume e nível de intensidade. Também foi a primeira vez que Milei mencionou diretamente a organização em sua investida, disse ela.

A presidente do Fopea lembrou que, além das reuniões que a organização já realizou com o secretário de imprensa do governo, o fórum também participou de uma reunião convocada pela ministra de Segurança, Patricia Bullrich, em fevereiro.

“Não estamos e não queremos estar em nenhuma situação de conflito” com o governo, disse ela. “Apostamos no diálogo. Não faz sentido gritarmos de um lado e eles gritarem do outro. Não podemos construir nada assim”.

“Parece que o jornalismo profissional, o jornalismo que se aprofunda, o jornalismo que investiga, é incômodo. E esse é o lugar que, tristemente digo, quer eles gostem mais ou menos, nós vamos trabalhar para preservar. Porque é isso que entendemos que precisa acontecer para que uma sociedade e um país sejam verdadeiramente democráticos”, disse Moreno.

LJR enviou à a Secretaria de Imprensa do governo argentino perguntas sobre a matrícula nacional para jornalistas e os ataques de Milei ao Fopea e à imprensa. A Secretaria respondeu que não seria possível responder em 24 horas, prazo dado originalmente. A LJR informou que estendia o prazo para receber as respostas, e a Secretaria respondeu que os “prazos para a definição da agenda do Presidente da Nação são estabelecidos pela Secretaria Geral. De qualquer forma, a questão que a senhora subscreve já foi esclarecida pelo Secretário de Imprensa em declarações públicas”.

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