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Governo do Brasil retira autonomia da EBC, empresa de emissoras estatais, e tenta de novo mudar seu presidente

ESTE POST FOI ATUALIZADO (*)

O governo brasileiro alterou a estrutura e as regras de nomeação e exoneração de presidentes da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que administra uma agência de notícias e as emissoras de rádio e TV do governo federal. As mudanças extinguem o Conselho Curador da estatal que tinha sido criado para dar à EBC autonomia em relação ao governo.

Junto com o pacote de mudanças publicado no dia 2 de setembro, o governo de Michel Temer exonerou pela segunda vez o jornalista Ricardo Melo e nomeou Laerte Rímoli como presidente da EBC, mas teve que voltar atrás de novo. Da primeira vez, Melo foi reconduzido ao cargo pelo Supremo Tribunal Federal porque a legislação em vigor dava autonomia à EBC e seu Consellho Curador. Desta vez, a demissão foi anulada antes de o STF se manifestar.

Mesmo assim, segundo a colunista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, Rímoli está recebendo o salário de presidente da EBC, embora sem exercer o cargo. O jornal afirma que ele recebeu R$29.757 em junho e R$ 21.895 em agosto. O jornalista disse, à Folha, que não há nada de irregular no pagamento. "Eu só não receberia se fosse demitido. Fui afastado [pela liminar]. Eu era presidente, como serei daqui a pouco de novo. Eu sou a Dilma da EBC", afirmou.

As medidas que mudam a estrutura da EBC foram assinadas pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que assumiu a Presidência da República enquanto Temer viajava para China.

Com as mudanças, o presidente da EBC pode ser nomeado e exonerado pelo presidente da República a qualquer momento. Antes, membros da Diretoria Executiva só podiam ser destituídos se recebessem dois votos de desconfiança do Conselho Curador, como estava previsto na lei 11.652, que criou a estatal.

A legislação, revogada por uma medida provisória (legislação temporária baixada pelo executivo sem aprovação do congresso), tinha por objetivo garantir certa independência para as emissoras estatais, mesmo no caso da troca de presidentes.

A medida provisória também estabeleceu que o mandato dos presidentes da EBC será de quatro anos, sem a possibilidade de renovação, como ocorria antes. Outra mudança, publicada em decreto, é que a EBC deixa de estar subordinada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República para estar vinculada à Casa Civil.

Ficou alterada também a composição do Conselho de Administração da empresa, que passa a ser formado por um diretor-presidente e um membro indicado pelo ministro-chefe da Casa Civil, que vai exercer a presidência do colegiado. Além disso, os ministérios da Educação; Cultura; Planejamento, Desenvolvimento e Gestão; Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações vão poder indicar um membro cada para o Conselho, que vai contar também com um representante dos empregados da EBC.

Dentre as medidas, a extinção do Conselho Curador foi uma das mais polêmicas. A ex-presidente do conselho, Rita Freire, disse que o fim do órgão é “muito grave”, segundo matéria publicada pela própria EBC, no mesmo dia do anúncio das mudanças. O texto, entretanto, foi retirado do ar.

Segundo a matéria, o conselho curador, formado por 22 membros, incluindo representantes da sociedade civil, tinha o papel de zelar pelos princípios e autonomia da EBC. "O conselho tem caráter deliberativo e consultivo e opina sobre a linha editorial e a programação dos veículos da casa", afirma o texto.

"Isso mostra que nós estamos de fato vivendo um estado de exceção no país, em que as medidas são tomadas em desrespeito total ao direito das pessoas e à existência de uma sociedade democrática. Sem direito à comunicação, sem a comunicação pública, nós não temos a possibilidade de uma sociedade democrática”, disse Freire, à EBC.

De acordo com uma coluna da Folha, o advogado do jornalista Ricardo Melo, Marco Aurélio de Carvalho, disse que vai entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal para que o governo mantenha o conselho curador da EBC.

A ARTIGO 19, organização internacional que defende a liberdade de expressão, lançou uma nota em que repudia as mudanças, em especial o fim do conselho.

"[A extinção do conselho] na prática significa o fim do caráter público da empresa. A medida viola o artigo 223 da Constituição Federal, que prevê a existência da complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal na radiodifusão brasileira, ferindo ainda os padrões internacionais que afirmam que emissoras efetivamente públicas devem ser protegidas de qualquer interferência política", disse a ARTIGO 19.

Segundo a ONG, o conselho tinha a missão de garantir a diversidade e a pluralidade na cobertura, e servia também como meio para preservar a autonomia da estatal em relação ao governo.

"A MP 744 afronta os princípios democráticos do pluralismo e da diversidade na midia, uma vez que sistemas públicos de comunicação são um instrumento-chave para expressar as diversas vozes da sociedade. Tal tarefa só pode ser desempenhada sob uma direção independente em relação ao governo, fato que fica impossibilitado com a extinção do Conselho Curador. Por tudo isso, a ARTIGO 19 lamenta a decisão da Presidência da República, que representa um sério prejuízo não apenas à comunicação pública, mas também à liberdade de expressão no país."

Além do conjunto de medidas, o governo também publicou, na sexta-feira, 2 de setembro, no Diário Oficial da União, a exoneração de Ricardo Melo do cargo de presidente da EBC e a nomeação de Laerte Rímoli para o posto. No mesmo dia, entretanto, a gestão voltou atrás e emitiu um decreto anulando a medida. De acordo com matéria da Folha, o governo alegou que a publicação da exoneração foi um erro.

O advogado de Melo, Marco Aurélio de Carvalho, disse que a decisão, tomada pela segunda vez, era uma demonstração de autoritarismo, de acordo com a Folha de S. Paulo.  "É uma medida absolutamente autoritária e mostra o desrespeito desse governo biônico com o STF", afirmou o advogado. Ainda segundo a Folha, antes do governo optar por anular o decreto, Melo chegou a recorrer novamente ao supremo para reverter a medida.

Essa foi a segunda vez que o governo Temer tentou retirar Melo do cargo. Na primeira, a mudança foi anulada por ordem do supremo por violar a lei que assegurava ao presidente da EBC um mandato de quatro anos.

Em maio de 2016, poucos dias depois de assumir interinamente como presidente do Brasil, Temer fez a troca de comando da EBC, substituindo Melo por Rímoli. Melo havia sido nomeado pela então presidente Dilma Rousseff dias antes de seu afastamento devido ao processo de impeachment.

Segundo a Folha de S. Paulo, Laerte Rímoli participou da campanha presidencial de Aécio Neves, do PSDB, adversário de Dilma Rousseff nas eleições de 2014, e chefiou a comunicação da Câmara dos Deputados na gestão de Eduardo Cunha (também adversário de Rousseff). Por outro lado, o partido de Rousseff, o PT, era acusado de "aparelhar" a EBC, contratando jornalistas alinhados à legenda, de acordo com o jornal Estadão.

 

ATUALIZAÇÃO: Este post foi publicado dia 5 de setembro e atualizado dia 6, com nova manchete e a informação da Folha de S. Paulo sobre o fato de o governo está pagando dois presidentes da EBC ao mesmo tempo.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog Jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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