Depois de um acalorado debate durante a 69ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) sobre a compra no Peru de mais da metade das ações da casa editorial Epensa pelo Grupo Comercio, um competidor, o grupo editorial La República anunciou que iniciará um processo por concentração midiática.
Gustavo Mohme Seminario, diretor do La República, disse que vai processar o Grupo Comercio perante o Tribunal Constitucional depois que este obteve cerca de 80% do controle do mercado peruano de venda de jornais ao comprar, em 21 de agosto, 54% das ações da Empresa Periodística Nacional S.A. (Epensa).
Durante a leitura do relatório sobre o Peru no evento da SIP –realizado de 18 a 22 de outubro em Denver, Colorado, EUA– Mohme Seminario disse: “Acredito que vamos recorrer ao Tribunal Constitucional, porque nós também temos opiniões de respeitáveis personagens que dizem que, efetivamente, aqui estão descumprindo (as leis)”.
Alejandro Miró Quesada Cisneros, ex-presidente da SIP, ex-diretor do diário El Comercio e membro do seu comitê editorial consultivo, sustentou na assembleia que não houve irregularidade legal nesta aquisição de ações e que isto não afeta a liberdade de imprensa. “É um tema comercial, de acionistas, não de liberdade de imprensa”, afirmou.
Mohme Seminario, que comemorou ter conseguido no encontro da SIP debater pela primeira vez este caso com representantes do El Comercio, considera, por su vez, que “a concentração de 80% permite deformar a concorrência, forçando os grandes anunciantes a não anunciaren nos 20% restantes". Acrescentou que isto já vinha acontecendo quando El Comercio tinha 50% do mercado e que agora, com 80%, constitui “uma ameaça latente”.
O grupo editorial La República possui 16,37% do mercado nacional de venda de diários, e foi outro dos concorrentes que pretendiam comprar as ações da Epensa antes de serem adquiridas pelo El Comercio.
Segundo o pesquisador e jornalista argentino Martín Becerra, o Peru tem atualmente um dos índices de concentração do setor de imprensa mais elevados do mundo. Em âmbito regional, é seguido pelo Chile, cujo mercado editorial conta com o duopólio de El Mercurio e La Tercera. Mas o problema que aponta Becerra é que o nível de concentração coloca estas empresas editoriais como patrocinadoras da agenda informativa e política do país, com um acesso privilegiado aos poderes estatais e econômicos, e com um alto grau de influência.
Para a jornalista e advogada peruana Rosa María Palacios, se 80% da informação de um país sai “de uma só boca”, há um problema, referindo-se ao caso do Grupo El Comercio. Palacios explicou no debate organizado pela PUCP “Meios, Ética e Poder”, que ao ser o conteúdo jornalístico dos meios de comunicação uma balança e um contrapeso ao poder, este não pode provir da mesma fonte.
Segundo o ponto 12 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH): “Os monopólios ou oligopólios na propriedade e controle dos meios de comunicação devem estar sujeitos a leis antimonopólicas pois conspiram contra a democracia ao restringir a pluralidade e diversidade que assegura o pleno exercício do direito à informação dos cidadãos”.
De acordo com uma pesquisa do jornalista peruano Ricardo Uceda, publicada na revista Poder, no Peru não existem limites legais à expansão dos meios impressos, diferentemente das emissoras de televisão e rádio, que só podem compartilhar um percentual do espaço radioelétrico. Uceda observa que, em todo caso, haveria uma brecha legislativa para a concentração de meios impressos.
Para Uceda, a campanha do La República contra a concentração de meios do El Comercio tem também um fundo político. Esta busca, segundo o jornalista, mais que ganhar uma ação no tribunal, “discutir o poder midiático de seu competidor”.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.