Depois de ter sido condenado a sete meses de prisão por uma crônica ficcional, o jornalista Cristian Góes foi condenado também a pagar R$ 30 mil de indenização por danos morais ao desembargador Edson Ulisses, vice-presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe. A decisão foi emitida na última sexta-feira (28/11) pelo juiz Aldo de Albuquerque Mello, da 7ª Vara Cível de Aracaju, de acordo com a organização Artigo 19.
A crônica, intitulada “Eu, o coronel em mim” e publicada em um blog em maio de 2012, é uma espécie de confissão de um homem da época do coronelismo brasileiro e que ainda mantém poder. Apesar de o texto ser em primeira pessoa e não ter indicação de locais, datas ou nomes, o desembargador, cunhado do ex-governador Marcelo Déda (PT), alegou ter se sentido ofendido pela expressão “jagunço das leis” e entrou com ações nas esferas penal e cível contra o jornalista.
Esta é a segunda sentença desfavorável a Góes. No âmbito penal, o Tribunal de Justiça confirmou a condenação do jornalista à prisão por ter escrito a crônica, usando o argumento que não precisa dizer nomes e nem usar qualquer identificação, basta “meia palavra”. A pena foi convertida em prestação de serviços à comunidade, mas ainda é alvo de recurso. A decisão foi considerada pela organização Repórteres sem Fronteiras como "uma loucura judicial" e um insulto aos princípios fundamentais da Constituição democrática de 1988.
"São duas sentenças absurdas sob todos os aspectos. O texto é literário e nele não há nem nome de pessoas e nem fato real. Os julgamentos não tiveram a mínima isenção. Não houve o pleno direito de defesa. Os procedimentos foram parciais, políticos, irregulares e ilegais", declarou Góes
Segundo o jornalista, as ações são uma clara demonstração do atraso, autoritarismo, das relações de compadrio, da sensação de poder absoluto que alguns têm e que pensam que são Deus. “É um claro e direto ataque à liberdade de expressão”, disse Cristian, que chama atenção para o teor da sentença do juiz que pode soar como ameaça ao direito à expressão de outras pessoas. Na decisão, o magistrado diz que a condenação não é uma “imposição de vingança”, mas um ato para “educar o agressor”, um exemplo e um desestímulo para que não se cometa o mesmo crime depois.
A perseguição judicial vem se tornando um entrave à liberdade de imprensa no Brasil. Organizações internacionais já alertaram para o risco de censura togada. Os mais recentes relatórios da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e do Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) demonstram preocupação com o uso de tribunais como instrumentos de censura a jornalistas no Brasil. Para a Artigo 19, que acompanha o caso do Cristian Góes desde seu início, ele é só um exemplo dos problemas que os crimes contra honra causam ao direito de liberdade de expressão no país.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog Jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.