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Jornalista nicaraguense dá declaração em TV estatal após 16 meses desaparecida, mas sua liberdade ainda é incerta

Após 16 meses sem qualquer informação pública sobre o paradeiro de Fabiola Tercero, a jornalista nicaraguense foi apresentada à mídia estatal e pró-governo na terça-feira, 11 de novembro. Tercero e sua mãe, Rosalina Castro García, prestaram depoimentos negando seu desaparecimento, conforme havia sido noticiado pela mídia independente e por diversas organizações de defesa da liberdade de imprensa.

"Aqui estou eu, com minha mãe, e graças a Deus estou com saúde, apenas um pouco de depressão e ansiedade", disse Tercero à imprensa, segundo mostra um vídeo que circula nas redes sociais e com claros sinais de edição.

"Estou aqui em casa, não estou desaparecida", disse Tercero, enquanto se ouve alguém dizendo "você nunca esteve". Tercero então completou: "nunca estive". Segundo ela, permaneceu em sua casa durante todos esses 16 meses.

No dia 12 de julho de 2024, Tercero conseguiu avisar seu círculo mais próximo que pelo menos sete membros da Polícia Nacional estavam fazendo uma busca em sua casa. A jornalista também revelou os nomes de três policiais, incluindo a comissária que liderava a operação.

A ligação de Tercero foi interrompida e, desde esse momento, não houve mais nenhuma informação pública nem dela nem de sua família até suas declarações de novembro de 2025.

Diversas organizações e veículos de comunicação independentes informaram que, nos últimos 16 meses, o paradeiro de Tercero era desconhecido.

Nos últimos anos, Tercero havia se afastado do jornalismo e se dedicava a um projeto pessoal conhecido como "O Cantinho da Fabi", por meio do qual promovia a leitura entre crianças e adultos através da troca de livros. Apesar de não estar exercendo o jornalismo, Tercero estava sob um regime de controle que a obrigava a se apresentar em uma delegacia de polícia, segundo o veículo Artículo 66 e a Repórteres Sem Fronteiras (RSF).

A recente apresentação de Tercero na mídia pró-governo gerou questionamentos e até indignação em organizações como a Associação de Jornalistas e Comunicadores Independentes da Nicarágua (PCIN), entidade que a havia declarado desaparecida e exigia informações do Estado sobre seu paradeiro.

"Essa ação não é um gesto humanitário. É uma tática sistemática do regime: desaparecer, torturar com a incerteza e depois mostrar seletivamente para tentar amenizar a pressão internacional e desacreditar as denúncias da mídia e das organizações de direitos humanos", escreveu a PCIN em um comunicado.

Gerall Chávez, presidente da PCIN, disse à LatAm Journalism Review (LJR) que interpretam a apresentação de Tercero e de sua mãe como uma "prova de vida", mas que não oferece nem tranquilidade nem a garantia de que a jornalista esteja em completa liberdade.

​​"Nós, que já conhecemos o que é uma ditadura, não acreditamos no que aconteceu hoje [11 de novembro] em Manágua", disse Chávez. "Não acreditamos porque houve uma ação em 12 de julho, uma invasão na casa dela, perdemos a comunicação e fizemos campanha, organizações de direitos humanos fizeram campanha, a comunidade internacional denunciou o desaparecimento de Fabiola Tercero. Por que em 16 meses o regime não se pronunciou?"

Chávez, jornalista nicaraguense exilado, afirmou enfaticamente que não questionam o que Tercero e sua mãe disseram, mas sim o silêncio da dupla presidencial, Daniel Ortega e Rosario Murillo, durante esse período.

A casa de Tercero fica perto da residência presidencial, o que a coloca dentro do perímetro de segurança da dupla Ortega-Murillo, disse Chávez. Nesse sentido, afirmou, desde que a jornalista foi reportada como desaparecida, não foi possível se aproximar de sua casa para confirmar seu paradeiro.

"Qualquer governo responsável, no primeiro dia em que denunciamos o desaparecimento, teria vindo a público e dito: 'Não a temos, vamos verificar na casa dela.' Principalmente porque ela estava tão perto de sua própria residência", disse Chávez.

Artur Romeu, diretor do escritório latino-americano da RSF, disse estar "aliviado" por ver Tercero e sua mãe vivas depois de mais de um ano, mas observou que a apresentação da jornalista é um exemplo do que os repórteres vivem no país.

"É impossível não sentir profunda tristeza ao ver o rosto cansado e desamparado da jornalista no vídeo divulgado pelas autoridades nicaraguenses", disse Romeu à LJR. "A encenação lembra, de forma perturbadora, as 'provas de vida' que sequestradores costumam apresentar: um gesto que revela até que ponto os jornalistas na Nicarágua são tratados como reféns."

Romeu também afirmou que, como organização, continuarão exigindo do Estado nicaraguense a libertação de Tercero.

"O reaparecimento de Fabiola Tercero, apresentado pelo próprio governo após um ano sem notícias, é emblemático do clima de terror que paira sobre a imprensa independente no país", disse Romeu. "A Repórteres Sem Fronteiras (RSF) exige das autoridades nicaraguenses a libertação imediata e incondicional de Fabiola Tercero e de seus familiares, assim como o fim da repressão sistemática contra jornalistas e veículos de comunicação."

Sob pressão internacional

Enquanto os meios de comunicação pró-governo descrevem as denúncias sobre o desaparecimento de Tercero como uma "campanha de manipulação da direita golpista e fascista" que evidenciam "a forma cínica e descarada com que mentem e manipulam", organizações de direitos humanos analisam a "encenação" como uma tentativa do governo Ortega-Murillo de reduzir a pressão internacional.

De acordo com o portal Divergentes, a apresentação de Tercero ocorre às vésperas da decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre se a Nicarágua permanece no acordo de livre comércio DR-Cafta.

"O Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês) determinou [...] que as políticas, atos e práticas do regime de Daniel Ortega e Rosario Murillo são 'irracionais' e constituem um 'fardo ou restrição ao comércio dos EUA', de acordo com uma resolução emitida sob a Seção 301 da Lei de Comércio de 1974", escreveu o Divergentes.

Segundo o veículo, além de apresentar Tercero, o regime também libertou alguns presos políticos na semana passada. Um deles foi o jornalista Leo Cárcamo, de quem os Estados Unidos haviam exigido uma prova de vida.

Para o Mecanismo para o Reconhecimento de Presos Políticos da Nicarágua, Tercero não apareceu, mas sim "foi apresentada pela ditadura". "Após mais de um ano desaparecida, o regime Ortega-Murillo a exibe na mídia oficial para limpar sua imagem diante da pressão internacional."

O Mecanismo acrescentou que atualmente 32 presos políticos continuam desaparecidos no país.

Chávez afirmou que, por enquanto, não conseguiram ter comunicação direta com Tercero, portanto desconhecem em que condições ela se encontra ou mesmo se há alguma restrição legal, como por exemplo, um regime de prisão domiciliar.

"Para que Fabiola esteja livre, precisamos vê-la continuar vivendo sua vida, fazendo o que fazia antes, que era apresentar, trocar livros, falar sobre literatura. Essa seria a liberdade que esperamos, e não que ela volte a ficar incomunicável", disse Chávez.

 

Traduzido por Marta Szpacenkopf
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