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Jornalista nicaraguense Fabiola Tercero segue desaparecida um ano após a polícia invadir sua casa

Repressão, perseguição, exílio e até mesmo apatridia fazem parte da realidade vivida por jornalistas nicaraguenses com ainda mais intensidade desde os protestos de 2018. Como parte dessa perseguição, muitos foram presos antes de serem expulsos do país ou vivem sob obrigação de se apresentar regularmente à polícia.

Mesmo assim, o desaparecimento de Fabiola Tercero Castro, desde 12 de julho de 2024, causa preocupação especial entre organizações que atuam na defesa de presos políticos e da liberdade de imprensa, diante do longo período sem qualquer informação sobre ela.

A última vez que se teve notícia de Tercero foi quando conseguiu alertar pessoas próximas de que agentes da Polícia Nacional invadiam sua casa, em Manágua. Segundo registros do Mecanismo de Reconhecimento de Presos Políticos da Nicarágua — que atua no exílio —, durante a operação, autoridades confiscaram seu computador e outros materiais de trabalho.

“Infelizmente, [Fabiola Tercero] continua na mesma situação de desaparecida”, disse Carlos Herrera, membro do conselho da Rede Centro-Americana de Jornalistas (RCP), à LatAm Journalism Review (LJR). “Nós, jornalistas nicaraguenses, sabemos que o regime é capaz de mantê-la em condições de total isolamento. Mas, se isso se prolonga por tanto tempo, já estamos falando de uma situação de tortura. Se ela está em isolamento absoluto há todo esse tempo, isso pode ser classificado como tortura e crime contra a humanidade”.

Woman looking at the came with a poster that says "To inform is my human right"

A jornalista nicaraguense Fabiola Tercero Castro está desaparecida há mais de um ano (Foto: Mídias sociais)

Até o momento, o governo nicaraguense não fez nenhuma declaração pública sobre o caso.

“Desde então, seu paradeiro permanece desconhecido, já que as autoridades não forneceram qualquer informação oficial sobre sua situação nem permitiram contato com sua família”, afirmou o Mecanismo em nota à LJR.

O regime também se mantém em silêncio sobre o caso de Leo Catalino Cárcamo, outro jornalista desaparecido após ser preso em 22 de novembro de 2024.

Segundo o Mecanismo, Cárcamo foi detido pela polícia enquanto caminhava perto de sua casa, em La Paz Centro. A família só soube da prisão por meio de uma ligação anônima, de alguém que o viu ser levado a uma delegacia.

Na delegacia, os familiares foram informados de que não havia qualquer registro da detenção.

Carcamo segue desaparecido, e sua família não recebeu nenhuma informação concreta sobre seu paradeiro, tampouco teve autorização para visitá-lo, mesmo após diversas tentativas. “A polícia também tem vigiado e perseguido os familiares, que vêm sendo tratados com hostilidade pelas autoridades”, afirmou o Mecanismo.

Após pedido da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Corte Interamericana determinou que a Nicarágua liberte Cárcamo.

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O jornalista nicaraguense Leo Cárcamo foi detido em novembro de 2024, mas sua família ainda não recebeu informações sobre seu paradeiro (Foto: Mídias sociais)

Em casos similares envolvendo jornalistas, ativistas ou defensores de direitos humanos, as famílias costumam receber ao menos informações fragmentadas.

Danny Ramírez-Ayérdiz, secretário executivo do Centro Interamericano de Assistência Jurídica para os Direitos Humanos (Calidh), considera a situação de Tercero “profundamente preocupante”, especialmente à luz do que outras pessoas nessa condição relataram após serem libertadas.

“O desaparecimento é a forma mais extrema de punição contra presos políticos”, disse Ramírez-Ayérdiz à LJR.

O Calidh, que atua no exílio oferecendo apoio jurídico a vítimas da repressão e seus familiares, já recebeu relatos de desaparecimentos temporários envolvendo espancamentos, isolamento total, ausência de acesso a produtos de higiene, roupas e medicamentos, além de privação de assistência médica, espiritual e jurídica.

O fato de Tercero ser mulher e jornalista agrava a preocupação da organização.

“O isolamento de uma jornalista do mundo exterior, especialmente de toda informação jornalística, é uma forma específica de tortura, considerando sua profissão”, disse Ramírez-Ayérdiz. “Seguimos sustentando que a verdade não pode ser trancada em prisões — e o desaparecimento de Fabiola é uma prova clara de que as liberdades públicas foram abolidas na Nicarágua.”

Aparição com vida e pressão internacional

As organizações ouvidas pela LJR concordam que o longo desaparecimento de Tercero exige maior pressão internacional sobre o regime nicaraguense.

“Fabiola sempre foi uma pessoa muito ativa, comprometida com a liberdade e com o direito de se expressar. Isso incomoda muito o regime”, disse Herrera, da RCP. “Estamos diante de uma ditadura completamente criminosa, que já perdeu qualquer senso das consequências de violar a ordem global e os direitos humanos.”

“Não nos resta outra opção senão seguir elevando nossas vozes ao mais alto nível [...] porque sabemos muito bem que não estamos lidando com um governo normal. Pela experiência de quem já foi libertado, sabemos que as condições de prisão e isolamento são, na prática, uma forma de tortura”, acrescentou.

Carlos Lauría, secretário executivo da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), disse ver com preocupação o “vácuo de informações” na Nicarágua, sobretudo em casos como o de Tercero. 

A SIP e outras entidades internacionais têm cobrado do governo informações sobre jornalistas desaparecidos e a garantia de condições mínimas.

“As exigências das organizações são claras e urgentes: o aparecimento com vida de Fabiola, a realização de uma investigação transparente e a responsabilização dos culpados, sejam eles quem forem”, afirmou Lauría à LJR. “Diante da falta de resposta do regime de Daniel Ortega, é preciso aumentar a pressão diplomática, implementar mecanismos de monitoramento eficazes e conscientizar a opinião pública sobre os riscos que o jornalismo enfrenta na Nicarágua”.

Ramírez-Ayérdiz, do Calidh, reforçou que a pressão internacional precisa garantir que instituições oficiais informem as famílias sempre que alguém for detido.

“O Estado não fornece absolutamente nenhuma informação sobre os desaparecidos a qualquer instância, especialmente ao Ministério do Interior, responsável pela Direção-Geral de Serviços Penitenciários. As famílias não são informadas sobre nada nas prisões onde acreditam que os seus estão detidos e, frequentemente, são expulsas ou ameaçadas quando insistem em buscar informações”, disse.

A Associação de Jornalistas e Comunicadores Independentes da Nicarágua (PCIN) exigiu, em 12 de julho, o retorno de Tercero com vida, por meio de nota pública.

“É uma ferida aberta na já fragilizada liberdade de imprensa na Nicarágua”, disse Gerall Chávez, presidente da PCIN, em vídeo. “O caso de Fabiola Tercero não é um episódio isolado — trata-se de uma tática repressiva para silenciar as vozes de jornalistas nicaraguenses que seguem denunciando a repressão, a corrupção e as violações de direitos humanos cometidas pelo regime de Daniel Ortega e Rosario Murillo”.

Traduzido por André Duchiade
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