Diversas associações jornalísticas da Bolívia se manifestaram contra a realização do documentário “O Cartel da Mentira”, cuja produção foi encomendada pelo Ministério da Presidência, a cargo de Juan Ramón Quintana.
O documentário seria dirigido a um grupo de jornalistas e meios de comunicação que, segundo Quintana, tem uma política informativa manipuladora e desestabilizadora contra o governo do presidente Evo Morales.
Tanto a Associação Nacional de Jornalistas do país, como as de La Paz, Beni, Cochabamba, Potosí, Santa Cruz e Tarija se declararam em “estado de emergência” por meio de um comunicado que emitiram na semana passada, logo depois de ser confirmada a produção do documentário em questão.
“Nós, os jornalistas bolivianos, denunciamos uma nova tentativa de amedrontamento governamental da atividade jornalística no país, e nos declaramos em estado de emergência”, disseram no documento, segundo Página Siete.
Além disso, por meio de nota, pediram ao governo que “detenha a realização do citado documentário para cessar a agressão e o descrédito contra o setor”, publicou HoyBolivia.com.
Os meios de comunicação e jornalistas criticados pelo governo são os jornais El Deber e Página Siete, os da rede de mídia Erbol e da Agência de Notícias Fides (ANF), segundo El Deber.
Por fim, o grupo de jornalistas também afirmou que “O Cartel da Mentira” seria financiado com dinheiro público e teria como objetivo “lançar acusações e ofensas contra jornalistas de longa e reconhecida trajetória”, publicou Página Siete.
A ANF procurou o jornalista argentino Andrés Salari, que teria sido contratado por Quintana para fazer o documentário, para uma consulta sobre os custos e objetivos da produção. No entanto, Salari não quis comentar o assunto, publicou ANF.
A agência de notícias também entrou em contato com Daniela Otero, chefe de imprensa do Ministério da Presidência, mas ela também não quis dar declarações.
Segundo a ANF, a deputada da oposição Jimena Costa exigiu que o governo revele as fontes de financiamento do documentário, acrescentando que, se o filme for realizado, deveria ser custeado com recursos privados do Movimento para o Socialismo (partido político fundado por Evo Morales), e não com o dinheiro público do Estado.
“Querem justificar (a derrota de 21 de fevereiro [data do referendo em que os eleitores negaram a Morales a possibilidade de se candidatar à Presidência pela quarta vez]) acusando as redes sociais, os jornalistas e até os Minions (desenho animado). Essa não é a novidade, mas é que não podem fazer isso com recursos públicos. Quando perguntaram [...] ao ministro da Presidência, Quintana, qual seria a fonte de financiamento do documentário, não houve resposta”, disse a deputada à radio Panamericana, segundo publicou a ANF.
De acordo com El Deber, Salari trabalha no canal oficialista Abya Yala, que foi financiado pelo governo iraniano, e realiza um programa no qual costuma criticar os meios de comunicação e jornalistas que questionam o oficialismo.
Alguns jornalistas, classificados pelo governo como parte do “Cartel da Mentira” já foram contactados por Salari para serem entrevistados no documentário.
Um deles é Raúl Peñaranda, diretor da ANF, que aceitou ser entrevistado por Salari.
Segundo o site Enlaces Bolivia, Peñaranda disse: “Salari entrou em contato comigo para me avisar que o ministério tinha lhe pedido para fazer um documentário e que por isso deseja me entrevistar. Eu concordei, com a condição de que a minha fala não seja editada”.
Sobre o assunto, Peñaranda disse ao Centro Knight que segue negociando a sua participação com o jornalista argentino. A sua condição para conceder a entrevista é de que seus comentários e respostas não sejam editados na versão final do documentário.
Peñaranda é o único jornalista contactado até o momento por Salari que aceitou participar do documentário.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.