Jornalistas brasileiras lançaram na semana passada o movimento Jornalistas contra o Assédio, para denunciar casos de assédio contra profissionais da imprensa e conscientizar o público sobre o tema. A campanha foi criada após a demissão de uma repórter que havia denunciado ter sofrido assédio sexual durante uma entrevista com um músico brasileiro.
“O pilar dessa campanha é tentar desnaturalizar um discurso de assédio que existe há décadas e está muito enraizado”, afirmou Janaína Garcia, uma das organizadoras do movimento, em entrevista ao Centro Knight para o Jornalismo nas Américas. “À medida em que um elogio constrange, ou à medida em que a fonte coloca algumas situações embaraçosas para fornecer uma informação que é pública, isso sai do campo do elogio, do gracejo. Os relatos são comuns, mas eles não são normais.”
No Twitter, profissionais usaram a hashtag #jornalistascontraoassédio para compartilhar histórias de assédio envolvendo fontes e colegas de trabalho.
Neste sábado, o grupo divulgou um vídeo durante o encerramento do 11º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, organizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), para dar maior visibilidade à campanha.
As organizadoras também divulgaram um manifesto enfatizando a importância de se divulgar casos de assédio sexual na profissão.
“O assédio é um dos ranços do machismo nosso de cada dia”, diz o comunicado. “Expurgar isso com denúncia e com informação é tarefa não só das mulheres, mas de qualquer jornalista que pretenda, de fato, ver uma sociedade menos desigual de oportunidades, conceitos, direitos e deveres.”
Para Janaína, a repercussão da campanha mostra a urgência de se discutir o assunto: o movimento reuniu 5 mil mulheres em torno do tema em apenas um fim de semana. Atualmente, o grupo conta com mais de 15 mil seguidores no Facebook. A expectativa do grupo é trazer também os homens para essa discussão.
Uma das iniciativas do movimento será debater o tema nas universidades brasileiras. O primeiro deles vai ocorrer nesta quinta-feira, 30 de junho, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP).
“Tenho esperança de que a minha geração consiga olhar pra esses “gracejos” de outra forma”, afirmou Janaína ao Centro Knight. “Esse trabalho precisa ser feito com as próximas gerações de jornalistas, para que os futuros profissionais já cheguem conscientes de que esse é um tema que precisa fazer parte do nosso dia-a-dia. Temos que fazer disso um debate constante”.
Entenda o caso
No dia 3 de junho, o Portal iG publicou uma notícia na qual uma repórter do veículo denuncia o cantor Biel por assédio sexual. Durante uma entrevista para divulgação do novo álbum do músico, o cantor chama a jornalista de “ramelona” e “gostosinha” e faz comentários de conotação sexual à repórter: “menina, se eu te pego, te quebro no meio.”
Trechos do áudio da entrevista foram disponibilizados pelo Portal iG.
Em depoimento à publicação Delas, do Portal iG, a jornalista relatou o constrangimento enfrentado durante a entrevista.
“Vem o momento em que ele quer me oferecer um beijo, ou testar a sua sexualidade, e cruza novamente a barreira profissional. Não estava ali conversando, pedindo um beijo ou flertando. Estava ali porque é meu trabalho”, explicou.
Ela também descreveu o abalo emocional que sofreu logo após a entrevista.
“Entrei no táxi e tremia. Aí, comecei a chorar. Lembrei das pessoas da sala que estavam rindo, de tudo que ouvi uma vez, duas vezes, quatro vezes. Quando saí, percebi tudo que aconteceu, e tantas coisas que ouvi em dez minutos e é aí que você percebe o absurdo da situação,” afirmou a jornalista.
A identidade da jornalista de 21 anos está sendo preservada, e a matéria foi assinada pela editora-executiva de comportamento e entretenimento do Portal iG, Patrícia Moraes.
Após a repercussão do caso, Biel se pronunciou nas redes sociais tratando o caso como uma “brincadeira” e dizendo que “tudo não passou de um mal entendido”. Posteriormente, o cantor divulgou um pedido de desculpas pelas ofensas à reporter.
O caso está sendo investigado pela Delegacia da Mulher de São Paulo.
Quatorze dias após a publicação da notícia, a repórter que denunciou o caso foi demitida. Uma semana depois, a editora que assinou a reportagem também foi demitida. Segundo o Portal Imprensa, ela teria sido impedida pela direção do iG de publicar novas notícias sobre o caso, e sua demissão foi atribuída a um “corte de despesas”.
O Portal iG não se pronunciou oficialmente sobre as demissões.
Janaína Garcia criticou a postura adotada pelo Portal iG de não se posicionar publicamente sobre a demissão da repórter.
“Isso é simbólico do quanto o assédio ainda é um tema tabu. A mulher se envolve pra denunciar um caso que precisa ser exemplar, e depois vêm as demissões. Isso deixa uma mensagem muito negativa para as outras vítimas desse problema, não só entre jornalistas mas entre vítimas de assédio em geral,” afirmou.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.