Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, também conhecida como COP30, aconteceria em Belém, ele refletiu sobre a importância do local para o evento.
"Eu já participei de COPs no Egito, em Paris, em Copenhague, e tudo o que as pessoas falam é sobre a Amazônia. Então, perguntei: por que não sediá-la em um estado amazônico, para que possam conhecer de fato o que é a Amazônia?", disse Lula.
Repórteres locais na região já estão se preparando para garantir que a Amazônia e as comunidades que a habitam estejam no centro das atenções quando milhares de líderes mundiais, jornalistas e outros envolvidos na agenda climática chegarem à cidade em novembro.
Eles buscam trabalhar com uma perspectiva amazônica, que priorize as vozes da região e evite temas superficiais e rasos sobre personalidades estrangeiras ou aspectos turísticos do evento. No entanto, também enfrentam desafios logísticos, como os altos custos de aluguel e transporte para Belém.
Com sede em Belém, a plataforma de jornalismo Amazônia Vox está em uma posição única para enfrentar o desafio. O veículo priorizou fontes locais e profissionais de comunicação na Amazônia desde sua fundação em 2023. O site também trabalha com os princípios do jornalismo de soluções em suas reportagens sobre o clima.
“Por um lado, o jornalista climático já cobre e fala desse assunto há muito tempo, e aí a gente perde quando não tem esse conhecimento. Mas por outro lado, a gente ganha quando conhece muito bem o território e as pessoas que estão nele e são de organizações daqui,” disse Daniel Nardin, diretor executivo do Amazônia Vox, à LatAm Journalism Review (LJR). ”Nossa pretensão e nossa vontade é tentar juntar esses dois mundos, esses dois conhecimentos e aí a gente faz um trabalho diferenciado”.
A Amazônia Vox possui um quadro fixo de 12 pessoas, entre jornalistas e outros profissionais. O site começou como uma ferramenta que trazia banco de fontes e banco de freelancers locais, e depois começou a produzir conteúdo. Para a COP30, Nardin quer ter um olhar voltado para as vozes locais tanto de fontes, como de participantes nas negociações do evento e de membros dos movimentos sociais.
“É meio óbvio, mas toda a nossa cobertura será pautada em ouvir pessoas daqui. No fim das contas, claro que a nossa vontade é fazer uma cobertura de qualidade, mas principalmente que a gente mostre para outros jornalistas do mundo todas essas vozes que falam com muito conhecimento, muita coerência, e que merecem ter mais espaço”, diz Nardin.
Além do banco de especialistas, o Amazônia Vox também está refinando seu banco de freelancers de toda a região amazônica que pode ser consultado gratuitamente. O veículo também vai oferecer um serviço pago de curadoria e contratação de profissionais locais para quem é de fora e vai fazer a cobertura do evento. A iniciativa é uma das formas de obtenção de recursos para financiar a cobertura.
Em meio a especulação imobiliária em Belém, o Amazônia Vox ainda não possui uma sede fixa para a redação. Uma das possibilidades é a divisão de um espaço físico com outras iniciativas jornalísticas, mas Nardin também espera que os preços diminuam um pouco com o passar do tempo.
“Se fez um marketing muito forte em relação à COP para a população, como sendo uma grande oportunidade para todo mundo conseguir uma verba extra e um grande evento de cúpula de líderes mundiais”, disse Nardin. “Só que na verdade tem muito jornalista vindo com todas as restrições orçamentárias de freelancer ou de veículo menor.”
Reunião de planejamento da equipe do Tapajos de Fato, em 2025 (Foto cortesia)
Tapajós de Fato, um veículo de comunicação popular, alternativo e independente que atua no oeste do Pará, tem como preocupação conscientizar a comunidade local sobre o que realmente é a COP30. Inclusive, esse é um dos seus eixos editoriais. Fundado em 2020 por Marcos Wesley e Isabelle Maciel, o veículo está baseado em Santarém e tem como foco dar visibilidade para denúncias de violações de direitos das comunidades tradicionais, além de empoderar movimentos sociais através da comunicação. A partir da experiência em outras COPs, Wesley quer conscientizar a sociedade civil local sobre a dificuldade de acesso à conferência e aos espaços de negociação.
“Queremos usar as redes sociais, o portal e os nossos materiais impressos para conseguir apresentar para a sociedade o real sentido da conferência. Existe um sentimento que está muito mais ligado e relacionado com geração de emprego e renda e impulsionamento do turismo, o que não está errado”, disse Wesley à LJR. “Mas a gente entende que existe uma série de expectativas na população que nos deixa muito preocupados porque sabemos que serão frustradas, principalmente do ponto de vista do acesso da sociedade civil à COP. Precisa ter o pé no chão de que não vai ser fácil e não é só chegar na conferência e pronto”.
Além da cobertura em si, o Tapajós de Fato também está desenvolvendo um projeto em parceria com a Universidade Federal do Oeste do Pará, cuja escola de comunicação é focada nos povos indígenas e comunidades tradicionais. A ideia é debater a agenda de cobertura climática e de cobertura da COP e depois selecionar bolsistas para irem até Belém e participar da equipe do Tapajós de Fato.
“É muito legal ter indígenas e quilombolas vindo cobrir as suas pautas e agendas durante a realização da conferência. Também queremos fortalecer as redes e veículos de comunicação independentes de coletivos que já existem nos territórios,” disse Wesley. “A gente sabe que na prática os povos indígenas e as comunidades tradicionais são os que mais sofrem com as consequências das mudanças climáticas. A ideia é garantir espaços para que essas populações consigam trazer o debate sobre os seus territórios de forma mais recorrente.”
Wesley está morando em Belém desde o ano passado e alugou uma casa maior já pensando em abrigar a equipe durante a COP. O Tapajós de Fato tem hoje oito pessoas na redação e quatro funcionários administrativos e a ideia é abrigar todo mundo, além dos bolsistas.
Com sede em Altamira, no Médio Xingu, a Sumaúma também vai reunir a maior parte da equipe formada por repórteres espalhados por Belém, Rio, São Paulo e Brasília numa redação fixa na capital paraense durante a COP. Fundada pelos jornalistas Eliane Brum, Jonathan Watts, Verônica Goyzueta e Talita Bedinelli, o veículo costuma produzir conteúdos com mais profundidade e apuração mais meticulosa, mas a ideia também é publicar informações de última hora do evento.
“Nós estruturamos todos os olhares da redação com a cabeça de COP. Traçamos uma estratégia de audiência porque queremos melhorar a forma como nosso conteúdo chega até as pessoas desde já. A gente investe tanto, põe tanto esforço na apuração, então queremos que mais pessoas tenham acesso”, disse Bedinelli, que também é editora chefe, à LJR.
A Sumaúma vai fazer uma formação online interna com especialistas em temas relacionados à COP. A ideia é que toda a equipe editorial participe, desde quem faz checagem, até quem monta as páginas, quem faz rede social, os editores e os repórteres, além de bolsistas externos e participantes de programas de formação feitos com comunidades locais de toda a Amazônia. O objetivo é alinhar o olhar para que todos estejam na mesma página sobre como será conduzida a cobertura.
“Existem muitas formas de se cobrir uma COP. O nosso olhar, nós estamos cobrindo a partir da floresta. A gente quer saber o que daquela discussão interessa à Amazônia. O que impacta a Amazônia ou pode ajudar de alguma forma a mudar as coisas na Amazônia. É um olhar diferente, então também precisa de uma formação específica para isso”, explica Bedinelli.
Bedinelli também avalia que os espaços de discussão política dentro da conferência são muito excludentes, com muitas das discussões acontecendo apenas em inglês. Porém, ela reforça que o tamanho da cobertura vai muito além da programação oficial e engloba diversos eventos paralelos e outros espaços de pressão política e protestos.
“É uma cobertura fantástica! Para um site que cobre política, a eleição é o principal tema do ano, é a prioridade. Os jornais se programam com antecedência para isso. Para a gente que cobre meio ambiente e temas correlatos, a COP é a nossa eleição”, disse Bedinelli.
A redação do jornal O Liberal, com sede em Belém (Foto por Adriano Nascimento / O Liberal)
Fundado em 1946, O Liberal tem uma redação integrada que produz conteúdo para o site OLiberal.com e para os jornais O Liberal e Amazônia. No total, são cerca de 100 profissionais, entre 27 repórteres, 6 repórteres fotográficos, equipe de redes, editores e editores web e diagramadores, chefia de reportagem e motoristas. Segundo Lázaro Magalhães, coordenador de jornalismo e produção da redação integrada, a estimativa é que se contrate entre cinco e sete freelancers para atender demandas durante a cobertura.
“Temos duas frentes básicas: traduzir os debates, o que está sendo trazido aqui pela conferência do clima para Belém, para os leitores de alcance regional aqui do Liberal e costurar isso com o cotidiano das pessoas,” avalia Magalhães. “Não podemos ficar a reboque da cobertura nacional ou internacional, ditando como exatamente esse olhar tem que ser feito. A importância da imprensa local e dos veículos regionais para o evento do porte da COP é tentar dar, e contribuir com essa riqueza de detalhes do ponto de vista do olhar local.”