Quase cem jornalistas de 13 países da América Latina, Estados Unidos e Espanha se encontraram no último domingo, 17 de abril, no 9º Colóquio Ibero-americano de Jornalismo Digital, organizado pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, na Universidade do Texas em Austin, graças ao apoio do Google.
O tema de um dos principais painéis do colóquio foi a adaptação e transição dos meios tradicionais ao formato digital. Esta transição enfrenta desafios comuns em muitos meios da região, como por exemplo, conseguir produzir um conteúdo de marca criativo, que transcenda qualquer formato e que também seja rentável.
Os jornalistas que participaram do Colóquio concordaram que obter e manter a credibilidade em seu conteúdo e a confiança de sua audiência são os maiores desafios, dado o vertiginoso ritmo atual do consumo de informação e das mudanças tecnológicas.
O vice-presidente e editor-chefe da Univisión Digital, Borja Echevarría, moderador da discussão, ressaltou que a revolução vivida pelos meios de comunicação (na era digital), é “muito mais profunda que [qualquer que já tenha ocorrido] antes”.
O jornalista brasileiro Rosental Alves, diretor do Centro Knight, foi mais enfático ao dizer que a notícia já não é mais um produto exclusivo dos meios, como era antes. “O jornal de quase 20 anos atrás está morto, se transformou em algo distinto do que era [...], e se a empresa jornalística deixar de investir em jornalismo, vai morrer”, acrescentou.
Um tema claro ao grupo Artear da Argentina, que se caracterizou por buscar inovação. Um dos aspectos que ressaltou como importante Marcos Foglia, diretor de plataformas digitais do grupo, é que a equipe encarregada de realizar este desenvolvimento digital é formada por jornalistas e programadores.
Entre suas estratégias de inovação para chegar aos usuários estão uma ferramenta que permite criar memes ao vivo, televisão interativa, a realização de vídeos 360º e a produção de vídeos exclusivos para redes sociais de um corte mais explicativo “pensados em como impacta na sociedade certo tipo de coisas”.
Para Foglia, o mais importante é que seu conteúdo chegue à sua audiência, mas também que gere benefícios comerciais.
Carlos Graieb, redator-chefe da revista brasileira Veja, também ressaltou a importância de investir em ferramentas inovadoras que permitam aos meios de comunicação continuarem operando na era digital. Embora tenha aceitado que para a Veja, assim como para a maioria dos meios que tiveram êxito como impressos, esta transição é difícil. Algumas das estratégias de sucesso incluem abrir um estúdio de produção para conteúdo comercial feito por jornalistas, além de um estúdio de produção de big data.
O tema também foi abordado por Gastón Roitberg, secretário de redação multimídia de La Nación, que destacou o processo que o jornal de 150 anos tentou desenvolver; sempre com a ideia clara de oferecer “a mesma qualidade” do impresso em qualquer plataforma.
Um dos projetos realizados com isso em mente inclui o jornalismo de dados. Assim, com o Congresoscopio, La Nación oferece à sua audiência uma radiografia de como votam os deputados do país para que ela “tire suas conclusões”. Também estão apostando no conteúdo audiovisual de tal maneira que já pensam em ter seu próprio sinal de televisão pelas três operadoras a cabo do país, afirmou Roitberg.
Alguns meios da região utilizam exitosamente, há muito tempo, o muro de pagamento (paywall), que faz com que os usuários paguem para acessar seus conteúdos. É o caso da Folha de S.Paulo, jornal que em 2012 se tornou o primeiro do Brasil a utilizá-lo, e graças ao qual conseguiu sobreviver economicamente durante a crise que o país atravessava na época, disse Roberto Dias, secretário assistente de redação do jornal. Atualmente, 45% do total de assinaturas da Folha é da versão digital, disse Dias.
Contudo, um dos mais destacados consensos da discussão foi a necessidade de que o conteúdo digital difundido seja creativo mas, sobretudo, que tenha credibilidade.
Nesse sentido, Dias disse que um dos problemas com que lida atualmente na versão digital do jornal é o fenômeno de notícias falsas que afeta os meios no Brasil. Um tema para o qual buscam solução, porque prejudica especialmente os conteúdos publicados em redes sociais, assegurou.
Por exemplo, durante a semana em que se iniciou o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, três a cada cinco notícias mais compartilhadas no Facebook eram falsas, publicou a BBC.
Francisco Aravena, editor geral da revista semanal de conteúdo político Qué Pasa, que pertence ao conglomerado de meios chileno Copesa, insistiu na importância de reforçar a marca editorial dos conteúdos digitais. Isso como uma medida para combater os meios “caroneiros”, que se apropriam da fonte da notícia, roubando seu tráfego web e tirando oportunidades dos meios que publicaram o conteúdo original reforçarem massivamente sua marca.
O Qué Pasa insistiu mais ainda na produção de branded content em suas publicações, explicou Aravena. O jornalista deu como exemplo a notícia ‘Un negocio Caval’, publicada em 5 de fevereiro de 2015, sobre o suposto tráfico de influência envolvendo a presidente chilena Michelle Bachelet, sua nora e o reconhecido banqueiro milionário chileno Andrónico Luksic.
As constantes atualizações dessa notícia “de alto perfil” na versão online da revista conseguiu, segundo Aravena, um grande impacto político e social no Chile, e que fosse difundido por diversos meios locais e internacionais, que deram crédito à revista e sua versão digital como a fonte da notícia.
Junto com a busca de conteúdo criativo, rentável e que possua credibilidade, Élber Gutiérrez, chefe de redação do centenário diário colombiano El Espectador – parte do Grupo Santo Domingo – falou do processo de integração entre as redações do impresso e do digital, de modo que se possa criar “uma sinergia” para responder a audiência de maneira conjunta e ótima em ambas as plataformas.
Reconhecendo as diferentes virtudes de linguagem de cada uma, dentre elas a flexibilidade do formato digital, Gutiérrez contou como aproveitam o site mudar o tom da mesma notícia publicada no impresso.
Em sua busca por abordar as notícias “sérias” e relevantes para o país com um tom mais “lúdico e amável” que atraia a atenção de mais leitores, criaram “La Pulla”. Este formato, afirma Gutiérrez, é um espaço de opinião para levar a audiência a refletir e, ao mesmo tempo, recolher suas inquietudes.
Um dos vídeos publicados nesse espaço, que teve grande popularidade entre seus leitores, foi o dirigido ao presidente Juan Manuel Santos, sobre a crise energética que o fenômeno climático de El Niño acentuou na Colômbia este ano.
O vídeo não só alcançou 5 milhões de espectadores, como obteve uma resposta direta do governo, com um vídeo de formato e tom parecidos e que El Espectador também publicou em seu site, contou Gutiérrez.
Por sua vez, Borja Bergareche, diretor de inovação do grupo espanhol Vocento, explicou o econômico formato de publicação digital em que eles apostaram em plena crise política e econômica na Espanha, em dezembro de 2015, e do qual se sentem muito orgulhosos. Seu objetivo foi ter em dois meses um novo meio distanciado do establishment, de tom versátil e confrontacional, feito por jornalistas jovens, para um público que quer estar informado.
Trata-se de eslang, um portal experimental feito em wordpress, “pós-austeridade”, explicou Bergareche, para espanhóis millenials, de 20 a 34 anos.
Por outro lado, sobre a transição ao formato digital, Lourdes de Obaldía, diretora do jornal panamenho La Prensa, disse que eles estão priorizando a capacitação de sua equipe. A ideia, explicou, é trabalhar em uma nova plataforma digital, realizando investigações e publicando notícias destacadas com conteúdos multimídia, que atraiam mais anunciantes e audiência. Um dos modelos de negócio que deu resultado até agora é a produção de conteúdo informativo, não noticioso, para anunciantes.
Desta manera, criaram no seu site o espaço ‘El Cinquito’, que consiste em um vídeo de menos de cinco minutos que dá informação específica sobre um tema útil, como por exemplo, como usar aplicativos de um smartphone. Esta seção foi criada para um de seus anunciantes, a empresa de telecomunicações Movistar.
Quanto às novas necessidades do formato digital, Gonzalo Zegarra, diretor da revista peruana Semana Económica, compartilhou uma das medidas tomadas que trouxe bons resultados: criar os postos de editor de ciclo diário e editor de ciclo semanal, considerando o manejo de fluxo informativo e não o da plataforma em si, o que trouxe mais organização à equipe, disse. Isso serviu para integrar as duas redações, impressa e digital, e assim aproveitar o capital profissional que possuem, acrescentou.
Sobre o proceso de sincronização versus o de integração das redações de formatos impressos e digitais, Rosa Jiménez Cano, correspondente do diário español El País em Silicon Valley, Califórnia, EUA, ressaltou que agora tudo estava orientado a ser “100% digital first” .
Além disso, existe uma forte aposta no vídeo, disse Jiménez, sobretudo em redes sociais como Twitter, Facebook, Instagram e todos os meios multiplataforma. Tudo isso focado no formato dos dispositivos móveis, acrescentou, citando Steve Jobs, quando este apresentou o novo iPhone: “Os computadores vão morrer”.
A correspondente de El País ressaltou também a importância da criação de colunas e selos próprios, assim como a produção de documentários, peças de ficção e o uso de realidade virtual, como ferramentas efetivas que atraiam mais leitores. Destacou assim a seção Reportaje 360º feita pelo El País.
O Colóquio Ibero-americano aconteceu pelo segundo ano consecutivo com o patrocínio da Google América Latina, junto com o Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ na sigla em inglês), também organizado pelo Centro Knight.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.