Os seis jornalistas equatorianos que participaram na investigação global conhecida como Panama Papers foram objeto de uma "verdadeira campanha de assédio", como denunciou a organização sem fins lucrativos Fundamedios.
Antes do terremoto no Equador em 16 de Abril - que até o momento já teve quase 600 mortos e milhares de feridos - o presidente do país, Rafael Correa, estava conduzindo esta campanha, através da qual ele pediu aos cidadãos para instar os repórteres a revelarem todos os documentos que vazaram.
O presidente publicou vários tweets em que ele não só incitou seus seguidores a pressionar os jornalistas a publicarem "toda a verdade", como também promoveu hashtags como #DifundanTodo (publiquem tudo), além de ter compartilhado artigos do jornal oficial do governo, El Telégrafo, com a chamada "o que você não vai encontrar na imprensa mercantilista".
"Um ponto a destacar é que o governo viu a publicação dos Panama Papers como se fosse um ataque contra o governo", disse Mónica Almeida, do jornal equatoriano El Universo, em conversa na semana passada com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas . "Sob essa perspectiva, foi montada uma estratégia global em que os únicos que são chamados a comparecer são os jornalistas [que participaram na investigação]."
A audiência a qual Almeida se refere está marcada para 19 de abril, antes do Conselho de Participação Cidadã e Controle Social (CPCCS na sigla em espanhol). Além de Almeida, os jornalistas Xavier Reyes e Paúl Mena do El Universo; Arturo Torres, Andrés Jaramillo e Alberto Araujo do jornal El Comercio, foram citados como repórteres que participaram na investigação.
No entanto, devido ao terremoto, os jornalistas disseram ao Conselho que não participariam da audiência, Almeida disse ao Centro Knight. No dia da convocação, o CPCCS reetweetou uma declaração na qual se informou que a audiência tinha sido adiada para a próxima semana, no mesmo horário.
Na primeira citação, emitida em 13 de Abril, o Conselho pediu aos jornalistas para dar "toda a informação a que têm acesso na investigação, que pertence aos equatorianos, independente de sua identidade política ou ideológica."
O CPCCS é uma entidade criada pela nova Constituição que visa "promover o exercício dos direitos de participação e controle social dos assuntos públicos; a luta contra a corrupção e a promoção da transparência; e a nomeação ou organização de processos de nomeação de autoridades correspondentes", de acordo com o website.
Para Almeida, a extensão da citação não é clara, entre outras razões, pela falta de eventos anteriores como este. No entanto, ela se preocupa que o Conselho esteja a serviço da Superintendência de Informação e Comunicação (Supercom), entidade responsável pelo monitoramento da mídia no país. Nos dois primeiros anos de sua existência, a Supercom aplicou multas a vários meios de comunicação que chegam a quase 274 mil dólares.
Em sua citação, o CPCCS afirmou que os jornalistas devem apresentar os documentos comprobatórios das matérias que foram publicadas no Panama Papers e que tenham mencionado, no Equador, três pessoas ligadas ao governo de Correa, disse Almeida. Os Panama Papers expuseram políticos, empresários e figuras públicas que criaram negócios em paraísos fiscais através da empresa panamenha Mossak Fonseca.
Almeida disse que as histórias no Equador mencionaram o Procurador-Geral da República, Galo Chiriboga; o ex-presidente do Banco Central e primo de Correa, Pedro Delgado; e o ex-assessor do Ministério da Inteligência e um dos fundadores da Mossak Fonseca em Quito, Javier Molina.
No entanto, essas pessoas não enfrentaram quaisquer consequências, pelo menos legalmente, de acordo com o jornalista.
"Achamos lamentável que o trabalho profissional e rigoroso dos nossos colegas no Equador e na Venezuela esteja sendo atacado. Esses governos devem investir esta mesma energia e recursos na investigação dos funcionários e de outras figuras públicas, incluindo empresários, que têm usado mecanismos de pouca transparência - os paraísos fiscais ", disse Marina Walker Guevara, vice-diretora do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) , ao Centro Knight. "A rede ICIJ apoia os colegas equatorianos e venezuelanos que trabalharam com determinação e independência em todos os momentos e os encoraja a continuar a publicar histórias que são de interesse público."
O ICIJ é a entidade que possui os documentos vazados. O jornal alemão (que inicialmente recebeu os papéis) compartilhou com a organização os dados. Recentemente, o ICIJ publicou uma nota em que se referiu à situação dos jornalistas equatorianos e disse que, como vem afirmando desde que a investigação se tornou pública, não vai oferecer acesso a todos os documentos, porque eles "contêm informações sobre pessoas privadas sobre os quais não existe interesse público em sua exposição."
Neste mesmo sentido, Almeida expressou sua opinião sobre as acusações contra jornalistas pela publicação de informações com base em seus próprios interesses. A jornalista disse que há certas informações que não foram publicadas porque ainda estão em processo de verificação dos dados. Além disso, ela disse, uma vez que não é ilegal no Equador ter empresas fora do país, a informação é publicada somente quando for sabidamente de interesse público.
O ICIJ também disse que, embora ele não vá compartilhar informações com os governos, a organização vai continuar o processo de análise de dados.
Além da CPCCS, a Comissão de Justiça da Assembleia Nacional anunciou que vai iniciar uma investigação relacionada ao caso, segundo informou o El Universo. E embora esta entidade tenha convocado os envolvidos, também se mostrou a intenção de convocar jornalistas.
"A campanha começou na semana passada para nos levar a liberar tudo o que sabemos e tudo o que temos", disse Almeida. "Inicialmente começou a se dizer liberem tudo, digam a verdade, etc., e tem crescido de tal modo que esta semana já é possível ver uma atividade coordenada entre ativistas de um grupo de jovens, o presidente, e um outro site chamado Somos Más (Somos mais) - favorável ao Governo - que tem utilizado as nossas fotos, e o logotipo que eles têm é o mesmo utilizado pelo Consórcio, sobre uma hashtag que diz 'liberem tudo".
Em seu relatório, Fundamedios disse que, após o início desta campanha, "as agressões e ataques nas mídias sociais foram imediatos", e deu como exemplo alguns tweets nos quais os usuários, além de ofensas contra os jornalistas, publicaram fotos dos repórteres com suas famílias. O documento também afirma que "rejeita e condena essas ações que demonstram o assédio e estigmatização do poder."
A Sociedade Interamericana de Imprensa também comentou sobre a situação dos jornalistas equatorianos. O presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da organização, Claudio Paolillo, disse que "o presidente Correa é responsável pela integridade física dos jornalistas e por sua política constante de intimidação."
Os jornalistas equatorianos, no entanto, não são os únicos que sofreram consequências para as suas investigações. A jornalista Ahiana Figueroa, do grupo de mídia venezuelana Últimas Noticias, foi demitida de seu emprego. O ocorrido teria sido por causa de sua participação no Panama Papers.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.